Julgo que só uma ou duas vezes, era eu adolescente, fui ao mercado do Xipamanine, com um tio meu e padrinho, que embora morasse na Baixa, onde se situava o “Vasco da Gama” dos nossos hábitos diários, me levou lá, não sei se em satisfação da minha curiosidade, mas esta referência do “economista” H. S. F. veio despertar-me as memórias desse espaço ordeiro e simpático, onde - dizia-se - “tudo era mais barato”. É claro que o Dr. Salles não se limita à questão económica, que o estimula para as ironias contra o processo inflacionário destes tempos por cá, sem Xipamanines de vendedores e compradores menos ávidos, e a sua lição economicista vem naturalmente acompanhada da palmatoada crítica que os tempos de hoje merecem, num mundo cada vez mais ansioso e calculista. Mas agradeço, sobretudo, ao Dr. Salles a evocação de um espaço que formava um bairro – bairro do caniço - e tinha um mercado específico bem conhecido então, a que, certamente, não substituíram o nome, como aconteceu à cidade que o continha – minha cidade natal e dos meus três filhos mais novos – e ao tal bazar, hoje elegantemente apelidado de “Mercado Central do Maputo”, e que a minha mãe costumava gabar pela sua fartura.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM
DA NAÇÃO, 19.02.23
Xipamanine era uma praça na periferia urbana de Lourenço
Marques. Era ali a fronteira entre a cidade de
cimento e o caniço, teria sido um mercado municipal, mas os autarcas devem ter
percebido que era mais importante dar largas à economia informal do que
espartilhá-la em ridículas, entorpecedoras e quiçá revoltantes licenças e taxas
de importância nula na tesouraria municipal. Desde toda a variedade de produtos oriundos das machambas (hortas)
circundantes da cidade às especiarias de paladares e aromas exóticos ali
trazidos pelos indianos que também vendiam linha de coser a metro e negociavam
em câmbios, aquele era o local que todos tínhamos de visitar se queríamos
começar a conhecer Moçambique. Não me lembro de ouvir referências a problemas
de segurança: na generalidade, o moçambicano é civilizado.
Em Xipamanine reinava a economia informal,
aquela não era uma «feira da ladra» nem «Roque Santeiro» onde girassem produtos
roubados. Ali, sim, vigoravam os preços
verdadeiros, formados sem taxas ou subsídios nem influenciados por «fake news».
Mas, como na generalidade dos mercados primitivos, quem tudo definia era a oferta e, mesmo assim, sem orquestração.
Era assim até há 50 anos. Espero que assim continue porque a cidade
de Maputo tem tido à sua frente esse verdadeiro sábio que é Eneias Dias Comiche, economista que honra a Universidade do Porto.
Na sua rude dimensão física, a confusão quântica dos mercados primitivos é
sinónima de caos e, contudo, foi a partir deles que emergiu a economia livre,
ou seja, aquela em que livremente se encontram a oferta e a procura. E aí está ela, a grande diferença entre o primitivismo
e a modernidade, a transparência no método de formação dos preços.
Diz-se que um mercado é
transparente quando nele se confrontam a oferta e a procura em total liberdade,
os agentes actuam sob anonimato e todos os lances são do conhecimento púbico.
A nossa antiquíssima tradição mercantil
levou-nos ao baptismo dos dias da semana com a numeração das feiras que, no
entanto, se fossilizaram sob o mando da procura com total desprezo pela oferta.
Creio que é nesta realidade que assenta parte substancial da inércia secular ao
nosso desenvolvimento.
(continua)
Fevereiro de 2023
Henrique Salles da Fonseca
Tags: economia
portuguesa
COMENTÁRIOS:
Rui Bravo Martins 20.02.2023 12:44: Texto interessantíssimo, tanto do ponto de vista económico, como histórico,
e em especial em homenagem de um povo pouco habituado a que lhe façam elogios,
e cada vez mais cobiçado por organizações bem pouco recomendáveis. Cumprimentos
Rui Bravo Martins
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