Nesta questão da Ucrânia. E percebemos
melhor, com esta clara análise de João
Marques Almeida, o porquê desta nossa simpatia, nimbada de admiração,
por um herói defensor não só da sua terra mas barreira defensiva
da nossa. Por enquanto. O certo é que a definição de Vieira continua imorredoira: «É a guerra aquele monstro que se sustenta das
fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais come e consome, tanto menos se
farta…» coisa que também o nosso Nicolau
Tolentino satiriza no seu poema A
GUERRA, que vale a pena reler - para disfarçar o nosso repúdio da guerra e, no
nosso caso de portugueses ,“guerreiros”, actualmente, disfarçarmos o horror da
paragem do nosso país pelos nossos heróis do boicote ao trabalho. Daí que
coloque algumas quintilhas de Tolentino no fim do texto, para diversão nossa, nesta
greve da nossa força guerreira, que a democracia defende sem pejo e em marchas
cantadas e apitadas.
Foram os europeus que escolheram
A incapacidade de defesa autónoma dos
europeus não resulta de qualquer imperialismo americano ou da expansão dos
Estados Unidos. Foi escolha dos governos europeus, e dos eleitorados, de 1945
até hoje.
JOÃO MARQUES DE ALMEIDA Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 09 fev. 2023, 00:20
A
guerra na Ucrânia fez regressar os debates sobre a defesa europeia. Ou melhor,
sobre a capacidade europeia de se defender sem a ajuda dos Estados Unidos. Na
linguagem diplomática francesa, “a autonomia estratégica europeia.“ Mas a defesa da Europa e a autonomia
estratégica são questões diferentes. Há defesa europeia. Chama-se NATO. Desde
1949, a Aliança Atlântica garantiu a defesa da então Europa Ocidental. Hoje, continua a garantir a defesa europeia, como
mostraram os finlandeses e os suecos. As tropas russas entraram na Ucrânia e a
Finlândia e a Suécia pediram a adesão à NATO.
Mas consegue a União Europeia e os
países europeus defenderem-se de um modo autónomo? Não, não conseguem.
Continuam a precisar da NATO e dos Estados Unidos. A incapacidade de defesa autónoma dos
europeus não resulta de qualquer imperialismo americano ou da expansão dos
Estados Unidos. Foi uma escolha dos governos europeus, dos eleitorados
europeus, desde 1945 até hoje. E
será muito difícil os europeus mudarem as suas escolhas.
A história conta-se facilmente.
Depois da segunda guerra mundial, a União Soviética ocupava metade da Europa,
com as suas tropas instaladas no centro da Alemanha. A Europa Ocidental estava
destruída, empobrecida e, principalmente, esgotada moralmente pela guerra. Os
Estados Unidos vieram defender os europeus da ameaça soviética. Os europeus
poderiam ter decidido investir na defesa e não dependerem dos norte americanos.
Mas não o fizeram. Concentraram os seus recursos no crescimento económico e nas
políticas de proteção social.
Com o fim da Guerra Fria, em
1989, a reunificação da Alemanha e o colapso da União Soviética, em 1991, os
europeus tiveram uma segunda hipótese para se armarem e conquistarem autonomia
militar. De novo, resolveram não o fazer.
Foi um americano de origem japonesa que escreveu o Fim da História, mas
foram os europeus que acreditaram genuinamente que uma certa história tinha
mesmo chegado ao fim. A história das guerras, das competições geopolíticas, das
corridas aos armamentos militares. Os europeus acreditaram
que a história do mundo seguiria a exemplo da Europa, integração económica,
trocas comerciais, cooperação sobre problemas comuns, e reforço da democracia. Durante três
décadas, os
europeus viveram na ilusão do fim da velha história e do início de uma nova
história. Os principais partidos políticos fizeram campanhas eleitorais a dizer
isso aos eleitores, os cidadãos europeus votaram nesses programas políticos, e
os governos gastaram dinheiro em quase tudo menos em capacidade militar.
Putin
e a invasão da Ucrânia acordaram os europeus do seu sonho de décadas. Conta-se que, numa reunião na universidade de
Cambridge, um jovem académico apresentou propostas para reformar as regras de
funcionamento do seu departamento. Consciente de que algumas das suas ideias
poderiam ser vistas como demasiado revolucionárias, acrescentou: “estudei as
reformas do nosso departamento durante os últimos dois séculos, e as minhas
propostas enquadram-se plenamente no espírito dessas mudanças.” O director do
departamento respondeu: “o meu jovem colega não considera que os últimos 200
anos foram verdadeiramente extraordinários?”
As
últimas três décadas na Europa também foram extraordinárias. Estamos agora a
voltar ao normal. Entretanto, a Europa perdeu a sua soberania militar.
Hoje, os países europeus estão endividados, com cargas fiscais elevadas e com
compromissos duradouros em relação às proteções sociais. Para manterem o
“Estado social”, os países europeus terão que continuar a serem defendidos
pelos Estados Unidos. É o resultado de décadas de escolhas políticas dos
europeus, eleitores e governos. Nenhum líder político europeu o diz. Mas é a
verdade. E todos os líderes europeus o sabem.
DEFESA
UNIÃO EUROPEIA EUROPA MUNDO
NOTAS DA INTERNET:
Excertos da sátira “A Guerra”
de Nicolau Tolentino:
Receptor:
“Musa”
«…Deixa esquipar Inglaterra cem naus de alterosa popa, deixa regar sangue a terra. Que te importa que na Europa haja paz ou haja guerra?
Que tens tu que ornada história diga que peitos ferinos, em sanguinosa vitória, inumanos, assassinos, são do mundo a honra e a glória?
As guerras precisas são, nelas a paz se assegura: não metas em tudo a mão, musa louca; por ventura encomendam-te
o sermão?
Deixa que o roto taful, a quem na pátria foi mal, vá cruzar de norte a sul; cubram-lhe o corpo venal três palmos de pano azul.
Deixa que em tarimba estreita o desperte a aurora ingrata; que o duro cabo, que o espreita, o faça, ao som da chibata, virar à esquerda e à direita.
Deixa-lhe em sangue envolver duro pão, que lhe dá Marte; e, para poder viver, deixa-lhe aprender esta arte de matar e de morrer.
Voe-lhe aos ares um pé; sobre o outro, com valor, a Plutão cem mortos dê; arda de raiva e furor sem nunca saber porquê.
Dizes que uma guerra acesa é teatro de impiedade; chamas-lhe crua fereza, flagelo da Humanidade, triste horror da natureza.
Pintas um bravo guerreiro, e a meus olhos vens mostrá-lo, para ferir mais ligeiro, metendo o ardente cavalo sobre o exangue companheiro.
A um lado e a outro lado a morte mandando vai co sanguinoso traçado, até que ele mesmo cai de um pelouro atravessado.
Co’as cabeças abatidas, vão de ferro vil marcados, maldizendo as tristes vidas, mil cativos manietados, vertendo sangue as feridas.
Entre horrorosos troféus, o general desumano manda falso incenso aos céus, e de espalhar sangue humano vai dando louvor a Deus.
Que no frio, vasto norte, cem Boerhaves eloquentes enchem de oiro o cofre forte, porque perdidos doentes arrancam das mãos da morte.
Que ali mesmo grosso fruto colhe Saxe entre os soldados, porque em minado reduto fez voar, despedaçados, dez mil homens num minuto.
Tirando então consequências, zombar dos homens procuras e das suas vãs ciências: sempre cheios de loucuras e cheios de incoerências.
Se a paz, em dias felizes, à cara pátria os conduz, dizes que estes infelizes mostram, rindo, os peitos nus, cortados de cicatrizes;
Que este reconta aos parentes como em perigoso passo, zunindo balas ardentes, uma lhe quebrou um braço; outra lhe levou os dentes;
Que outro, da perna cortada abençoa a horrível chaga, porque ao peito, pendurada, trará algum dia, em paga, inútil fita encarnada.
Dizes que entre os animais proíbe guerras o instinto; e que, surdo a tristes ais, vês com horror o homem tinto no sangue dos seus iguais.
Musa, não discorres bem: pois se uns com os outros cabem, e juntos a um pasto vêm, é só porque ainda não sabem a virtude que o ouro tem.
Por preciosos metais
não põem peitos a bravos mares;
traze exemplos mais iguais:
sábios homens não compares com
os brutos animais.
Trazem focinho no chão, e nós sempre ao alto olhamos; temos em dote a razão e por isso levantamos uns contra os outros a mão.
Se os homens se não matassem e impunemente crescessem, pode ser que não achassem nem fontes de que bebessem nem campos que semeassem.
Sabe que mil males faz a mole tranquilidade e que em seu seio nos traz brando luxo e ociosidade, danosos filhos da paz,
Que nos causa ocultos danos, fingindo rosto inocente; que a guerra de largos anos conservou antigamente a inocência dos Romanos;
Que, enquanto ao duro exercício eram seus corpos afeitos, e da paz não houve indício, não lavrava nos seus peitos mortal peçonha do vício;
Não havia mãos profanas, eram suas almas sãs; e nas símplices cabanas fiavam grosseiras lãs as castas moças romanas.
Entre as nações sossegadas sabe que o ócio arraigado e as paixões em paz criadas fazem mais sangue no Estado que os gumes das espadas.
Deixa pois haver queixumes: metam-se armadas no fundo, acenda a guerra os seus lumes, que assim tornará ao mundo a inocência dos costumes.
A intacta fé, a verdade venham com as baterias; desça do céu a amizade; e torne
a doirar os dias de Saturno a
antiga idade.
Musa vã, que em ti não cabes, os guerreiros arraiais nem vituperes, nem gabes; e não te metas jamais a falar no que não sabes.
Haja bloqueio, haja assédio; o sangue humano espalhado nem sempre te cause tédio; que em boa dose tomado, té o veneno é remédio.
Deixa ir o mundo seu passo, e contra si mesmo armado corte c’um braço o outro braço. Põe na boca um cadeado, faze o que eu mil vezes faço.
Emprega melhor teu canto; e, pois queres que te louvem, das sátiras levanto; poesias que os homens ouvem um com riso e cem com pranto.»
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