sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Como será a seguir?


Diferenças notórias nos aponta o texto do Dr Salles, a respeito das regalias humanas distribuídas pelo Estado, sobretudo nos direitos civis na saúde e no descanso de férias, o sábado e o domingo sendo as únicas férias para a maioria das gentes de então, exceptuando os estudantes, que gozavam religiosamente esses direitos às suas férias - e tão bem que elas sabiam, no tempo da outra Senhora, de brincadeiras e leituras como prazeres da vida, para os estudantes, que, esses sim, delas beneficiavam, com as mães em casa, tratando da casa e do sustento, que os proventos paternos, angariados na sua função pública, propiciavam. Nessa altura, não se falava em droga, e brincava-se na rua, o movimento dos carros era escasso, e a liberdade era mais real, porque sem medo. Agora fala-se em liberdades, e é o medo que vive, em torno dessas… Mas desviei-me da análise feita pelo Dr. Salles, que relembra as conquistas desses direitos, em regalias estatais, embora pensemos que todos esses direitos de que se goza hoje, vêm ensombrados por uma dívida externa que deixamos para os tempos vindoiros… se é que chegarão esses tempos, caracterizados estes de hoje por atrocidades humanas e telúricas definitivamente relativizantes de tudo o que contou e conta para a felicidade humana.

Mas a crónica do Dr. Salles é, como sempre, balsâmica, no evocativo leve e sagaz do passado, em paralelo com o presente.

 

DAS SENHORAS E DOS SEUS TEMPOS

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 09.02.23

No consulado do Doutor Salazar, a economia de subsistência era vista mais como uma virtude cristã do que como um índice subdesenvolvimento e as pessoas trabalhavam até morrerem. Segurança Social? Havia umas «Casas do Povo» e umas «Casas de Pescadores» para as quais os respectivos “beneficiários” descontavam verba simbólica recebendo em retorno algo que também mais não era mais do que simbólico. As férias eram «coisa» típica de madraços.

Foi no consulado do Professor Marcelo Caetano que rurais e pescadores passaram a ter uma Caixa de Previdência assim como muitas outras profissões que, também elas, andavam ao sabor da Providência Divina, mas sem Previdência terrena. Foi neste período de autêntica corrida contra o tempo perdido que as férias passaram a constituir um direito de quem trabalhara no ano anterior bem como o respectivo subsídio. Também o Subsídio de Natal foi então instituído.

Na saúde, havia a ADSE (assistência aos servidores civis do Estado) e a ADME (para os militares). O resto da população… «saudinha da boa é o que desejo aos Senhores»…

E assim era «no tempo da outra Senhora».

* * *

«Com esta Senhora» …

foi instituído o Serviço Nacional de Saúde e as Caixas de Previdência foram nacionalizadas e fundidas dando origem ao Sistema/Regime Geral da Segurança Social.

Creio que merece apoio unânime de que todos os cidadãos têm (obrigatoriamente que ter um regime de segurança social público complementável por regimes privados caso seja essa a vontade de cada um. O mesmo se dizendo em relação à saúde.

Contudo, toda a regra tem excepção e esta é a que respeita àqueles cidadãos que se voluntariaram para servir a Pátria com risco da própria vida – os militares – a quem podemos/devemos reconhecer o direito de usufruírem de um regime especial de saúde, a ADME.

Já quanto à ADSE, não vejo qualquer razão que obste à sua absorção pelo Serviço Nacional de Saúde. A menos que essa absorção seja financeiramente perigosa para a entidade absorvente. Mas, nessa eventualidade, lá estará o Estado a tirar de um bolso para meter noutro,

Ou será que as mordomias são outras e há cidadãos de primeira e de segunda? É que, se assim for, é a democracia que se deve sentir defraudada.

Fevereiro de 2023

Henrique Salles da Fonseca

COMENTÁRIOS:

Anónimo 10.02.2023 19:53: Não há mais democracia, por isso não pode ser defraudada, Todos fazemos parte do grupo "Os Defraudados"!

Adriano Miranda Lima 10.02.2023 23:56: Esta reflexão tem a virtude e a oportunidade de nos relembrar a história do país desde a "outra senhora" e as que se lhe seguiram no mando da nossa casa comum. Nesse sentido, o Dr. Salles da Fonseca elegeu a Segurança Social e a Saúde como os dois indicadores mais importantes para a avaliação do que essas "senhoras" conseguiram ou puderam realizar em providências que são as mais críticas para o seu bem-estar material e para a sobrevidência dos seus filhos, dentro dos padrões mínimos da civilização europeia. Mas foi omitido o consulado das "senhoras" da nossa primeira experiência republicana. Dado que essa experiência foi um verdadeiro fracasso, para não dizer um desnorte, em realizações sociais concretas, porque de proclamação de princípios não se enche o estômago nem se trata da saúde, é-se levado a concluir que por alguma razão - precisamente essa - só se podia começar pela "senhora" Salazar. Pois, goste-se ou não dessa "senhora", é inegável que ela teve de arrumar a casa, que estava praticamente virada do avesso e vazia. E é assim que ela fez alguma coisinha nas áreas em questão, mas o contrário seria quase impossível porque nada havia. "Senhora" muito agarrada e com uma visão do mundo algo restrita, circunscrita e pouco dada ao risco, ficou pelos mínimos dos mínimos. A "senhora" que lhe sucedeu demonstrou que tempestivamente se podia ter feito algo mais, muito mais, como bem sabemos. Quanto às "senhoras" que se seguiram e num regime já a aproximar-se de meio século, todos sabemos que os nossos padrões evoluíram consideravelmente. Podíamos ter avançado mais? Provavelmente. Mas a solução depende do esforço conjugado de todos, não apenas desta ou daquela "senhora" que se senta na cadeira do poder. Portanto, existe democracia, sendo ela reflexo do que conseguimos todos em conjunto para a aperfeiçoar e não de intervenções providenciais. E cuidado com alguns que andam por aí em ensaios ruidosos e descarados para ressuscitar "senhoras" de má memória! Quanto à questão referente à ADSE, não me pronuncio porque sou beneficiário da ADME. Mas percebo bem o sentido da questão. Um abraço Adriano Lima

Antonio Fonseca 11.02.2023 02:15: Sr. Doutor Salles da Fonseca, Gostaria de deixar aqui uma opinião: Na realidade, existem vários níveis de cidadania, malgré os propósitos democráticos. Rara é a Democracia onde a igualdade de Direitos se traduz na garantia mesmo de benefícios mais elementares, como a garantia de habitação, por exemplo. Mesmo numa democracia as primícias vão aos governantes, seguem os sindicalizados e assim por diante. Se alguém da classe desfavorecida chega ao Poder, poderá introduzir reformas, mas a estrutura permanece infalivelmente piramidal, quiça o ápice mais próximo da base.
Agradeço a oportunidade de ler os seus blogues pela elegância do estilo e pela abordagem de assuntos a reflectir. Obrigado.

Anónimo 1.02.202319:40: Caro Henrique, não sei se entendi devidamente a tua posição sobre a ADSE. Se bem percebi, e partindo do princípio de que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a ADSE são suportados pelo Estado, então o primeiro deveria absorver a segunda, salvo se a fusão fosse financeiramente arriscada para a entidade absorvente. Se é esta a tua posição, então devo dizer-te que divergimos, o que não deixa de ser estimulante que por vezes isso ocorra. A minha posição, que a seguir explicito, pode estar influenciada por algum pressuposto errado. Se assim for, as minhas desculpas. O Estado assegura constitucionalmente um Serviço de Saúde, tendencialmente gratuito, a todos os cidadãos, sendo ele prestado essencialmente nos Centros de Saúde e em Hospitais Públicos, podendo haver aqui ou ali alguma colaboração com entidades privadas. O tema ideológico do SNS de não recorrer com mais frequência a estas últimas foi amplamente debatido nos últimos tempos, pelo que não o desenvolvo. O mesmo Estado, na sua função de grande empregador, disponibiliza aos seus colaboradores a possibilidade de estes voluntariamente aderirem a um subsistema de saúde, para o qual ambos contribuem. A ADSE negoceia com entidades de saúde, independentemente de serem públicas ou privadas, prestações de serviços, certamente a preços mais módicos dos do mercado, suportando os beneficiários uma parcela desses preços e o Estado outra. Tudo se passa como se fosse um seguro de saúde, habitual em grandes e médias empresas (algumas pequenas empresas também o têm). É um instrumento de atracção e fixação de colaboradores. Portanto, as duas funções são desempenhadas pelo Estado a título distinto, para universos diferentes, e não podem ser fusionadas, pois as condições e os propósitos do SNS são completamente distintos, como evidenciado, dos da ADSE. Abraço amigo. Carlos Traguelho

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