sábado, 11 de fevereiro de 2023

O sinistro em tópicos, e o Belo a disfarçar

 

OBSERVADOR, 10/2/2023

Guerra e Paz.

I- Os tópicos:

a)GUERRA NA UCRÂNIA (352º dia)

«Em direto/ Lavrov: Ocidente falhou objectivo de isolar Rússia

22:43 Zelensky já chegou à Ucrânia, após paragem na Polónia

21:50 Autoridades ucranianas alertam para ataque com drones em Kiev

21:13 Estados Unidos pedem à Rússia para cumprir regras do tratado nuclear Novo START

20:39 Autoridades ucranianas dizem ter abatido drones em duas regiões

19:40 Relevada data da viagem de Biden à Polónia. Líder dos EUA deverá discursar antes do aniversário da guerra

18:45 Eslováquia recebeu pedido da Ucrânia e pode começar negociações sobre envio de caçasGUERRA NA UCRÂNIA

O que aconteceu no 352. dia de guerra na Ucrânia?: Kiev denunciou ataque em larga escala no país, acusando Moscovo de lançar mísseis que cruzaram o espaço aéreo da Moldávia e Roménia (que desmente caso). Zelensky diz que ataque é "desafio para NATO.»

b) SISMO

Em directo/Sismos: mais de 23 mil mortos e 82 mil feridos

«Síria autoriza entrega de ajuda em zonas controladas por rebeldes e atingidas pelos sismos. Há mais de 23 mil mortes. Continuam os resgates de pessoas com vida com mais de 100 horas sob os escombros

II- A beleza criada e recriada

A recriada, disfarçando o penar, pelo reflexo e pela recordação do Belo natural - o que jamais encontraremos em Picasso. Mas sim, a pintura deste, também é bem figurativa dos contorcionismos humanos reais e penosos, que uma Terra, por vezes facinorosa, também sabe produzir.

O mar, reflectido no céu, chega-nos pelo ar

A brisa que vem do mar não pode ser directamente pintada. Mas o génio do pintor pode criar a sua alucinação através do modo como o mar se reflecte no céu por sobre as figuras humanas.

PAULO TUNHAS, Colunista do Observador

OBSERVADOR, 09 fev. 2023, 00:197

Devia ser preciso pedir desculpa quando se fala de arte, escreveu Paul Valéry. Já não me lembro do texto nem do contexto em que o disse, mas há, sem dúvida, uma boa razão para o tal pedido de desculpas: o facto de a verdadeira obra de arte dizer tudo sobre si mesma, tendo como consequência o discurso sobre ela ser, no melhor dos casos, sempre um pouco redundante.

Há, no entanto, casos em que o pedido de desculpas deve ser facilmente aceite. São os casos em que a obra de arte nos traz a recordação de sensações passadas por muitos partilhadas, particularmente quando essas sensações são de prazer. A arte transforma a memória dessas sensações comuns numa forma particular de conhecimento, o conhecimento estético. Nestes casos, a bem dizer, nem se deve pedir desculpa, já que as sensações em questão são sensações comuns, não as de uma subjectividade que quer, no fundo, apenas falar de si.

Não é difícil ver na pintura de Eugène Boudin uma tal forma de conhecimento estético. No seu caso, a memória que os quadros despertam é a memória das sensações que o ar do mar nas praias nos provocou. Não interessa que as praias que ele pinta sejam as praias da Normandia, particularmente a de Trouville, nem que elas estejam povoadas pelos elegantes do Segundo Império. O ar do mar é o nosso, tanto quanto o deles. Boudin dizia que gostava de pintar “enquanto respirava o ar do mar”. E a frescura do ar do mar invade a mais ínfima parte das suas telas.

O mais espantoso é que nem sequer se vê muito o mar nas suas praias. Às vezes, pura e simplesmente, não se vê. Vêem-se grupos numerosos de pessoas vestidas e imensos céus (entre dois terços e três quartos dos quadros, normalmente). Mas o mar aparece reflectido no céu, por assim dizer, e metamorfoseado numa brisa que sopra para junto de nós. “Nadar em pleno céu”, dizia ele a propósito da ambição da sua pintura. Não é o mar visual e sonoro, uma massa bruta, de Turner, nem o mar pleno, rítmico e ondulante, da música de Debussy. É antes um mar quase puramente olfactivo – e táctil, pela mediação da brisa que dele vem. As “prodigiosas magias do ar e da água”, como dizia Baudelaire justamente a propósito de Boudin, invadem aquelas figuras na praia e, por seu intermédio, invadem-nos a nós mesmos.

É um mar do Norte, é claro, não o mar mediterrânico que tão bem é sugerido em La baignade de Picasso. Em parte por causa disso, em praticamente quadro algum se vê alguém a tomar banho. O espectáculo, de resto, não se recomendaria. Pelo menos, horrorizava Flaubert, que abominava ver, exactamente em Trouville, as pessoas mergulharem na água com uma indumentária que cobria a maior parte do corpo. Mas o mar sente-se à mesma. Sente-se sobretudo através do ar que chega até nós, como disse.

A grande arte produz sempre em nós um sentimento de evidência. E a evidência, como notou Fernando Gil, comporta uma dimensão alucinatória. As praias de Boudin são um bom exemplo disso. A brisa que vem do mar não pode ser directamente pintada. Mas o génio do pintor pode criar a sua alucinação – a alucinação da sua presença – através do modo como o mar se reflecte no céu por sobre as figuras humanas que povoam a praia.

O conhecimento estético reconduz-nos ao espanto originário do qual nasce a filosofia e, se virmos bem as coisas, todo o pensamento humano. Ao vermos aquelas praias, lembramo-nos como eram as praias da nossa memória. Qualquer pessoa o pode fazer. Lembramo-nos da maravilha do mar e do seu ar. Toda a experiência passada é convocada pela arte do pintor. Subitamente, a felicidade parece ser algo fácil. E nada de que se deva pedir desculpa.

PINTURA   ARTE   CULTURA

COMENTÁRIOS (de 7)

Pobre Portugal: Tal como se não “vê o mar nas suas praias”, o martírio do glorioso povo ucraniano “sente-se à mesma”, nas crónicas de Paulo Tunhas.

Nenhum comentário: