Num estilo – habitual - de perfeição.
Para o nosso banquete literário. Já que qualquer outro nos está vedado, na descrita
penúria da realização obreira - o banquete gustativo, todavia, destinado a quem
tem o poder nas mãos – e seus respectivos acólitos, na avidez parasita. Mais um
retrato impecável de António Barreto.
Ineficaz,
todavia: impotente perante a desvergonha indiferente de quem comanda gente que
há muito se deixa conduzir - por gosto ou por mansidão...
OPINIÃO
Governo forte de Estado fraco
Não tenhamos dúvidas: o Governo, os
sucessivos governos destruíram a força do Estado, decapitaram-no,
amordaçaram-no, liquidaram a sua isenção e definharam a sua inteligência.
PÚBLICO, 11 de Fevereiro de 2023, 6:54
É uma ilusão pensar que o Estado é,
em Portugal, enorme, pesado e forte. Talvez
seja enorme. Pesado é certamente. Forte é que não é seguramente. Alvo de predadores. Isco de caçadores.
Pretexto de manobradores. E pedaço para gananciosos. Qualquer dos epítetos lhe
serve. Forte é que não. Instrumento de poderosos. Volúpia de
minorias. Burocracia de insaciáveis. Ferramenta dos mais fortes. Protecção dos
estabelecidos. Tudo lhe
serve. Forte é que não. Volúpia
dos democratas. Lascívia dos autoritários. Sonho dos ditadores. E encanto dos
republicanos. Qualquer imagem lhe fica bem. Forte é
que não. Cão de
fila dos ricos. Esperança dos fracos. Paraíso dos racionalistas. Sonho dos
fantasiosos. Também estes rótulos se lhe aplicam. Forte é
que não.
Não tenhamos dúvidas: o Governo, os
sucessivos governos destruíram a força do Estado, decapitaram-no,
amordaçaram-no, liquidaram a sua isenção e definharam a sua inteligência. Além de terem atrofiado, activa ou passivamente, a sua
mais nobre função, a da administração da Justiça.
Há em Portugal um clima de cortar à
faca, aquele em que se sente a corrupção, em que se vive da cunha, em que se
julga que a democracia é o poder discricionário de quem tem os votos. Os
últimos episódios de nomeação, demissão e substituição apressada de ministros,
secretários de Estado, assessores, conselheiros, altos funcionários, directores
e administradores são reveladores de desorientação. Ainda estamos longe da
“noite das facas longas”, mas o ambiente é de terror. Só não há mais fugitivos,
porque todos sabem, ou esperam, que a Justiça não funcione. Como tem sido o
caso.
É
longo o catálogo de episódios, dramáticos uns, picarescos outros, que nos
últimos meses e anos ilustram este ambiente pouco sadio para a democracia. Entre
os mais recentes, as festividades da Jornada
da Juventude têm revelado graus de incompetência e de
subserviência inimagináveis. Jacobinos de quatro costados, beatos de primeira
água e ateus virtuosos parecem ter combinado entre si a elaboração deste auto
burlesco, revelador de imprevidência e oportunismo. E quem pior se portou foram
os poderes públicos.
As
festividades da Jornada da Juventude têm revelado graus de incompetência e de
subserviência inimagináveis. Jacobinos de quatro costados, beatos de primeira
água e ateus virtuosos parecem ter combinado entre si a elaboração deste auto
burlesco, revelador de imprevidência e oportunismo
Em
todas as grandes obras e empresas que, recentemente, têm estado nas primeiras
páginas, nota-se a persistência dos mesmos defeitos. Falta de
capacidade científica do Estado. Incapacidade de previsão e planeamento.
Emaranhamento de interesses legítimos ou não.
Há
casos que serão um dia capítulos dos manuais de História, dos
compêndios de Gestão, dos tratados de administração, dos dicionários de
práticas nocivas e eventualmente de súmulas de casos de justiça. O novo
aeroporto de Lisboa é o exemplo
mais importante. Adiado, atrasado e refeito durante décadas, foi objecto,
pelas mesmas pessoas, pelos mesmos gabinetes, pelos mesmos governantes ou por
governantes dos mesmos partidos, de decisões contrárias e contraditórias à
distância de décadas, de anos e de meses. O futuro aeroporto de Lisboa
já teve seis localizações, três das quais definitivas. Regularmente, volta ao
princípio, à casa de partida. É obsceno o que já se gastou, disse
e fez para o aeroporto de Lisboa. Há décadas que o poder político não decide;
que os técnicos do Estado não conseguem prever e avaliar; que as empresas que
trabalham para o Estado ganham para fazer o que lhes mandam, em vez de fazer o
que devem: planear, projectar e antecipar.
Se
este é o caso mais confrangedor, de outros reza a história de que não nos
cansamos de ouvir falar – porque estão sempre aí. O SIRESP, sistema
de comunicações do Estado, é outro exemplo que nos enfeitiça. Novos
contratos, novas indemnizações, novas falhas e novos sócios: há matéria para
sagas perpétuas. A linha de
TGV e a nova rede de caminho-de-ferro
estão também aí, há décadas, à espera, sempre prontas a recomeçar e esquecer.
A
TAP está no quadro de honra da incompetência, da má gestão, do oportunismo e
provavelmente da corrupção. Sempre com o Governo no centro das decisões. Sabemos o que aconteceu com outras grandes
empresas de serviços e de indústria, nos sectores das máquinas, das
telecomunicações, da energia, dos cimentos e dos combustíveis. O país perdeu
importantes centros de decisão. Os governos não se emendaram. E o
denominador comum destas decisões parece ter sido sempre a falta de competência
técnica e de capacidade científica do Governo.
O Estado dispensou gradualmente centenas ou milhares de técnicos
competentes e de especialistas qualificados, trocando todos por pessoal
burocrático, com poderes para tratar das vidas dos outros e da sua, mas sem
conhecimentos para avaliar e prever. Aos técnicos, aos cientistas, às pessoas
qualificadas que dariam à decisão política a certeza e o rigor necessários ao
bem público o Governo prefere assessores, conselheiros, especialistas de
imagem, técnicos de comunicação e encarregados de imprensa que compram e vendem
o que quer que seja, pessoas certas, ideias erradas, projectos verdadeiros,
mentiras e verdades.
Este Estado vive sem instituições
autónomas, pois tenta controlar tanto quanto possível, deixando que a
auto-regulação seja cada vez mais uma figura de estilo. A actual discussão
sobre as novas leis que regulam as ordens profissionais é mais um sinal
inequívoco. A pretexto de lutar contra o corporativismo, bandeira que fica
sempre bem, o Governo pretende simplesmente mandar nas ordens, regular os
reguladores e ditar as regras. As suas novas leis para as ordens profissionais
são quase um mandado de captura!
O Governo pretende
simplesmente mandar nas ordens, regular os reguladores e ditar as regras. As
suas novas leis para as ordens profissionais são quase um mandado de captura!
Ainda a sofrer de décadas de
pretenso igualitarismo, os vencimentos dos quadros superiores do Estado e dos
sectores públicos são ridículos, verdadeiros incentivos à emigração para o
estrangeiro, para o sector privado e para a criação de escritórios e empresas
que acabam por desempenhar as tarefas de que o Estado foi despojado, mas a
preços verdadeiramente especulativos. Submetidos à direcção política tantas
vezes incompetente, obrigados a cumprir regras absurdas, os técnicos e os
cientistas mais capazes não são motivados e não se sentem atraídos pela esfera
pública.
Mas
não se trata apenas, nem sobretudo, do problema dos vencimentos dos quadros
superiores do Estado. É também o
facto de assim se poder recorrer a empresas de negócios exteriores. E ainda o
pormenor de o poder político decidir sozinho, sem o rigor da ciência e da
técnica. Presa de interesses económicos e políticos, o Estado português não tem
capacidade científica. Não tem inteligência. Não tem isenção. Não tem
sabedoria.
O autor é
colunista do PÚBLICO
Sociólogo
TÓPICOS OPINIÃO GOVERNO ESTADO ORDENS
PROFISSIONAIS JUSTIÇA TAP
AEROPORTO
TGV
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