sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

A filosofia justificativa


Dos sentimentos de simpatia, associada à empatia (pressupondo respeito e admiração também), para com a martirizada Ucrânia, de alergia e funda aversão por certos generais de cá que se desunham no entusiasmo da sua defesa putinesca e ataque aos que defendem a sua Ucrânia, coisa que eles jamais fariam pelo seu país, certamente que de rabo entre as pernas, caso esse fosse atacado…

Afinal, interpretei mal o recado do meu email, enviado pelo Observador, segundo decifração do meu filho Luís, e renasci para a alegria de poder continuar a divulgar os nossos bons cronistas, tal o PAULO TUNHAS deste rigoroso texto, de filosofia e condenação dos que não têm pejo de divulgar a sua falta de decência.

Ucrânia: da empatia à simpatia

Podemos nós estabelecer uma relação empática com monstros? A resposta é certamente: sim. E a prova disso é, banalmente, que há quem a estabeleça.

PAULO TUNHAS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 02 fev. 2023, 00:1920

É qualquer coisa de anterior à política e até à moral. Quando vemos na televisão os rostos dos ucranianos, homens e mulheres, que viram as suas casas destruídas por bombardeamentos russos e os seus familiares, amigos e vizinhos feridos ou mortos, há algo que acontece. As neurociências falam-nos da existência de neurónios-espelho. Quando, por exemplo, alguém sofre face aos nossos olhos – mesmo que seja na televisão – há certos neurónios que são nessa pessoa activados e exactamente os mesmos neurónios são activados em nós mesmos, espectadores da dor. Pelo menos é o que nos dizem certas hipóteses dos neurocientistas. Há uma espécie de substrato neuronal daquilo que vulgarmente chamamos empatia. Não, é claro, que nos sintamos idênticos àquela pessoa, com ela fundidos, mas estamos com ela. Experimentamos directamente, à nossa maneira, a sua dor. Podemos exprimir, ou espelhar, essa dor. Como dizia David Hume, ecoando Leibniz, “as mentes dos homens são espelhos umas das outras”.

Não se trata simplesmente de nos pormos no lugar do outro. Podemo-nos pôr no lugar do outro sem sentir empatia alguma. O pensamento liberal, por exemplo, aconselha a pormo-nos no lugar do outro para reconhecermos a sua autonomia e liberdade. E o pensamento liberal enuncia, sob esse aspecto, uma clara obrigação da nossa vida em sociedade. Ou podemo-nos pôr no lugar do outro simplesmente para melhor calcular as suas acções. É o que fazem, entre outros, o jogador de xadrez e o general no campo de batalha. Põem-se no lugar do adversário ou do inimigo para melhor imaginarem as jogadas e acções mais eficazes que eles podem levar a cabo para os derrotar, para lhes fazerem o pior que podem. Em várias circunstâncias da nossa vida – e maximamente na vida política – é isso mesmo que nós próprios fazemos. Nem sempre os vizinhos são, como queria Cristo, propriamente “o próximo”.

Na empatia que sentimos face à dor alheia pomo-nos sem dúvida no lugar do outro, mas sem ser por obrigação de pensamento ou para melhor calcularmos as suas acções. É algo, de facto, muito mais directo e sem fins práticos, políticos ou sequer morais. Descobrimos o outro, a outra pessoa, sem necessidade de nenhuma inferência, como algo de presente a nós mesmos. Compreendemos a dor que sente a vítima do bombardeamento ou a do refugiado que foge do cenário de guerra. Não é um simples contágio emotivo, como aquele que se dá, por imitação, em certas circunstâncias da vida colectiva. É algo mais profundo, na medida em que funda a possibilidade daquilo que em filosofia se chama a intersubjectividade: o sentimento de pertencermos a um mundo comum constituído por uma pluralidade de pessoas que têm acesso mental umas às outras e que através desse acesso se modificam a si mesmas.

É importante notar que a empatia se dirige sempre ao individual, ao singular, a uma pessoa em concreto. Não sentimos empatia com a Ucrânia, sentimos empatia com os indivíduos ucranianos um de cada vez, quando testemunhamos, ao modo directo destas coisas, a sua derrelição individual. À sua maneira, Aristóteles percebeu bem este processo quando analisou a atitude dos espectadores da tragédia. O espectador experimenta piedade, ou compaixão, e temor face à personagem trágica. É algo de passionalmente sentido, nada tem de um cálculo intelectual. A compaixão tem por objecto o homem que é infeliz sem o merecer; o temor tem por objecto o homem semelhante a nós mesmos. Dito de outra maneira: vemos alguém sofrer e descobrimos que podíamos ser esse alguém. Colocamo-nos no lugar do outro de um modo directo. Sentimos espontaneamente o que ele sente.

É a partir dessa experiência pré-moral e pré-política, a empatia, que se podem instituir os juízos morais e políticos e a própria simpatia, tal como habitualmente hoje em dia entendemos a palavra. A empatia é “com”, a simpatia é ”por”. Temos empatia com os indivíduos ucranianos, tempos simpatia pela Ucrânia. A simpatia, ao contrário da empatia, supõe uma escolha de valores morais e políticos. Passamos do plano do singular ao plano do geral ou do universal. A condenação da bárbara invasão russa encontra-se neste último plano. Tal como a oposição entre democracia e autocracia ou entre liberdade e servidão. A simpatia – moral e política – não pode, no entanto, existir sem a experiência da empatia, fundadora da tal intersubjectividade. A empatia não basta para a constituição da moral e da política, não é uma causa suficiente destas, mas é um seu requisito prévio indispensável, uma sua causa necessária. Uma causa necessária da simpatia.

E, já agora, da antipatia. A antipatia que sentimos por aqueles que, de forma descarada ou velada, manifestam simpatia pela invasão russa tem a ver, num primeiro plano, com a falta de empatia, ou a empatia negativa, que neles supomos em relação aos indivíduos ucranianos. E ainda, é claro, com a empatia que neles sentimos com Putin. Este último aspecto coloca, de resto, uma questão muito interessante: podemos nós estabelecer uma relação empática com monstros? A resposta é certamente: sim. E a prova disso é, banalmente, que há quem a estabeleça. Mas como compreender essa estranha relação empática? Um filósofo aconselha-nos, para o percebermos, a imaginariamente ultrapassarmos os limites impostos pelo sentimento da decência humana, começando por conceber actos veniais que se encontram ainda dentro dos limites da nossa imaginação e, insensivelmente, progredirmos até atingirmos actos atrozes. Pessoalmente, tenho seguido o conselho do filósofo quando vejo, na televisão, um ou outro militar que não disfarça a sua admiração por Putin ao comentar a guerra e tenho feito progressos. Vou percebendo melhor como se abandona os patamares da mais básica decência humana.

GUERRA NA UCRÂNIA  UCRÂNIA  EUROPA  MUNDO  SENTIMENTOS  COMPORTAMENTO  SOCIEDADE

COMENTÁRIOS de 20

Joao R > bento guerra: Quem tem toda a responsabilidade na prova da fragilidade (e incompetência) do exército (qual exército, bando de criminosos é uma descrição mais apropriada) é só mesmo o Putin… só os tótós pró-urssos interessados em conversa de treta de apoio aos urssos é que gostam de misturar alhos com bugalhos para argumentarem o caso com um relativismo moral que não convence ninguém excepto pessoas com frustrações derivadas da sua impotência sexual. Quanto aos generais que comentam em Portugal que admiram os Urssos, teria que ver o que dizem. Comentar a situação no terreno não implica também que sejam imparciais… Fernando CE: Alguns generais têm umas opiniões sobre a invasão da Ucrânia pela famigerada Rússia de Putin que não se entende. Davam como tudo perdido para os ucranianos nos primeiros dias,e até cheguei a ouvir na TV que era óbvio para eles até pelo cenário em que o herói Zelensky falava ao seu povo e ao mundo que este último não estava já em Kiev e/ou até na Ucrânia. Resultado: assim que aparecem a debitar opiniões, mudo logo de canal. O único que gosto de ouvir é o Major General Isidro Pereira. Fora isso existem muitos experts não militares e entre eles o historiador prof catedrático António José Telo, da Academia Militar, de quem gosto particularmente. O tempo tem-lhes dado razão e corroborado as suas análises. Espero que a criminosa e genocida Rússia de Putin não vença esta guerra.               Augusto vaz serra sousa: Um notável artigo de reflexão e análise, de PT . Como sempre de antologia! A questão de alguns dos "generais" analistas", (por pudor não os nomeio ...) , é perturbadora! Saber que esta gente com uma mente que facilmente pactua e justifica (!) o atropelo das elementares regras democráticas e chegaram a cargos de decisão não nos deixa nada tranquilos sobre o que vai pelos meios militares e a sua mediocridade de pensamento . Estávamos tramados!. Tínhamos a justificação do segundo Hitler ....                Joao R > bento guerra: Quem tem toda a responsabilidade na prova da fragilidade (e incompetência) do exército (qual exército, bando de criminosos é uma descrição mais apropriada) é só mesmo o Putin… só os tótós pró-urssos interessados em conversa de treta de apoio aos urssos é que gostam de misturar alhos com bugalhos para argumentarem o caso com um relativismo moral que não convence ninguém excepto pessoas com frustrações derivadas da sua impotência sexual. quanto aos generais que comentam em Portugal que admiram os Urssos, teria que ver o que dizem. Comentar a situação no terreno não implica também que sejam imparciais…                    Pobre Portugal: Pois é. Este massacre veio tirar a máscara à humanidade. E o que se vê é um rosto que pouco tem de humano.                    José Manuel Pereira: Caríssimo Paulo Tunhas, há já algum tempo que tenho a certeza que quem defende a Rússia neste conflito, ou diz ser neutro ou mais recentemente diz ser pela paz, há muito que perdeu a noção do que é decência humana e merece a indignação de todas as pessoas de bem. Começa a ser insuportável tolerá-los sequer entre nós.                     Joao Goncalves : Alguma dessa empatia provém também da quantidade de grana recebida...                Joao R:  “Vou percebendo melhor como se abandona os patamares da mais básica decência humana.” eu continuo sem perceber, nem sei se quero perceber… mas concordo que no fundo os apoiantes do putinismo tem uma grande falta de empatia, mas não só, têm também uma grande falta de sensibilidade moral e obviamente falta de capacidade de raciocínio lógico/consistente. Escolhem um lado nesta guerra como quem escolhe a equipa de futebol ou partido político porque ignoram descaradamente o elemento de sofrimento humano criado pela atrocidade urssa. Parece que até escolhem o lado nalguns casos só para ser do contra… infelizmente há muito imbecil no mundo.

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