Se fossem revelados os segredos desse
outrora mundo colonizado, relativamente pacífico, como em todo o lado, que a
guerra, acicatada pela URSS – descolonizadora relativamente aos outros,
amplamente colonizadora - então como agora – a de ontem (urssa) idêntica à de
hoje (russa), em ambição e desumanidade, (estas hoje, contudo, mais visíveis) –
tornou necessariamente um mundo feroz. Mas os documentos da foto, postados por Pacheco Pereira, provam bem quem eram os reais
atropeladores do bem-estar desses povos colonizados, pobrezinhos que o mundo
inteiro atraiçoou, fingindo estimar, numa pseudolibertação de que, os que
podem, fogem hoje a bom fugir… De resto, o mundo inteiro sabe-o bem, mas
cinicamente finge ignorá-lo, preferindo a tese da condenação dos opressores
colonialistas…
Opinião
Verdades incómodas e segredos inúteis
Não se compreende, a não ser para meia
dúzia de documentos que possam lidar com colaboradores e informadores ainda
desconhecidos, que o acervo documental da Guerra Colonial permaneça
classificado.
PÚBLICO, 28 de
Janeiro de 2023, 6:46
A
classificação e desclassificação de documentos tem regras, mas elas estão longe
de ser aplicadas. Existe uma
cultura de ocultação corporativa, muito forte em instituições do Estado, a
começar pelas Forças Armadas, mas estendendo-se por todos os ministérios,
repartições, autarquias. É também muito forte nos partidos
políticos, e fortíssima no sector privado – ou seja, o segredo, com regras ou
sem elas, é uma característica das sociedades como a portuguesa, tão
generalizada como os mitos sobre a transparência.
A
esta situação de fundo acrescenta-se uma legislação europeia transcrita para
Portugal sobre protecção de dados absolutamente absurda e excessiva, associada
à privatização em massa por empresas especializadas de uma enorme quantidade de
imagens e outros elementos que resultam numa enorme dificuldade para
investigadores, jornalistas, autores, instituições em aceder a informação
relevante, e mais ainda a publicá-la. Não estão em causa os direitos de autor,
menos protegidos do que se pensa, mas a comercialização do passado.
Um exemplo clássico no mundo partidário é a atitude do
PCP em relação aos seus arquivos, cujo acesso é muito restrito e discriminatório, privilegiando o
tratamento heróico-propagandístico em detrimento do trabalho dos historiadores,
ocultando assim um dos arquivos mais importantes para se conhecer a história da
resistência ao Estado Novo, com o efeito perverso de criar uma dependência dos
arquivos da PIDE/DGS. O PCP criou
uma história “oficial” e tem muita dificuldade em sair dela, o que significa
que tem de ocultar muita coisa. Um exemplo é o jornal Em Frente, completamente
canónico, publicado pelos órgãos próprios do partido em substituição do
Avante!, cuja tipografia tinha sido apanhada pela PIDE, mas cujos textos saídos
em pleno período do Pacto Germano-Soviético, alguns escritos por Álvaro Cunhal,
são hoje muito incómodos para a história “oficial” do PCP.
Embora em menor grau, porque não existe
uma forte cultura de ocultação, mais de desleixo do que de intenção, faz com
que haja igualmente incómodos na história dos outros partidos, como seja, por
exemplo, no PPD/PSD, o papel fundamental que Sá Carneiro dava à entrada na
Internacional Socialista, traduzido num esforço com traços documentais que
felizmente estão a salvo.
A
proposta do Bloco de abrir os documentos militares do período da Guerra
Colonial recebeu uma resposta péssima mas muito significativa, com os votos
contra do PS, PSD, Chega, a abstenção da Iniciativa Liberal e os votos a favor
do Bloco, PCP, PAN e Livre. Todos os que votaram contra
desculparam-se, com excepção do Chega, que assumiu claramente a sua posição
de “combatente” de um dos lados da guerra. As desculpas são todas hipócritas, a começar pela abstenção da IL
que acaba por aceitar a forma tradicional da direita ver a guerra colonial como
assunto tabu, e escolheu o seu lado. Do lado dos votos favoráveis, o PCP
exerceu também a sua enorme hipocrisia face à história “secreta”.
A
Guerra Colonial acabou há quase 50 anos. Foi, como todas as guerras, um
conflito com toda a violência do catálogo do mal: mortes em combate,
assassinatos, massacres, tortura, “danos colaterais”, perda de bens, feridos
com o seu cortejo de uma vida inteira de sofrimento, cegueira, amputações,
perturbações psicológicas, por aí adiante. Dos dois lados, claro, mas isso não
os torna equivalentes. A Guerra Colonial tem uma autoria política, o
colonialismo rácico, com todos os colonialismos, da ditadura de Salazar e
Caetano. Porém, uma das fontes de legitimidade do 25 de Abril,
fundadora da nossa democracia, é exactamente considerar essa guerra como
injusta.
Foto:
Panfletos de desertores da Frelimo publicados pelo
Exército português. A maioria foi executada depois da independência de
Moçambique. (Arquivo Ephemera) DR
Não
se compreende por isso, a não ser para meia dúzia de documentos que possam
lidar com colaboradores e informadores das tropas portuguesas ainda
desconhecidos, que o seu acervo documental permaneça classificado. Para além de
haver uma outra hipocrisia: quem é suposto saber o que está nos documentos sabe
igualmente que quase todos os segredos portugueses, em particular nas relações
com os serviços de informação, como o Boss sul-africano, os rodesianos e os
franceses, foram entregues aos soviéticos em 1975, que os encaminharam para os
movimentos de libertação, daí resultando muitos fuzilamentos, torturas e
prisões. Por isso, as razões dos votos contra são inaceitáveis e mais do lado
injusto da guerra do que do 25 de Abril.
Existe
um problema suplementar e outro mito circulante, o de que a digitalização
favorece a transparência. Bem pelo contrário, por exemplo, a
digitalização das comunicações, quer pelo email, quer pelos telefones móveis,
dificulta o registo obrigatório de actos de governação que por lei devem ficar
registados, mesmo que possam permanecer por um período de tempo confidenciais
ou secretos.
Um
caso recente, a que já me referi inutilmente várias vezes, é o do registo que
deveria ter sido feito das relações do Governo português com a troika.
Esse registo é importante historicamente para se saber que medidas foram
iniciativa própria do Governo Passos-Portas-Troika e quais as exigidas pela
troika, até para se saber se algumas afirmações desculpadoras sobre a
austeridade vieram de “lá” ou de “cá”. Ora, quando as comunicações foram
feitas em conversas ou mensagens privadas em computadores ou telefones de
terceiras pessoas, nada ficou o registado. Para além da facilidade dos
telemóveis que implica que nenhum registo é feito de telefonemas fundamentais
que deviam ter dado origem a uma síntese escrita e que escapam a qualquer
controlo público.
Nos
dias de hoje muito palavreado sobre a transparência é o véu que cobre a
ocultação, seja porque é incómodo o conhecimento, seja porque o acesso se torna
caro, e muitos documentos, textos, imagens, filmes e fotos que deviam estar
disponíveis não estão. Acresce esta básica afirmação: uma das coisas que o
dinheiro e poder podem pagar ou obrigar é ao segredo e à discrição. E quem o
tem usa-o – por isso, quanto mais se fala de transparência mais se oculta.
O autor é colunista do PÚBLICO
Historiador
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OPINIÃO HISTÓRIA 25 DE ABRIL ESTADO NOVO TRANSPARÊNCIA GUERRA COLONIAL
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