terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Provavelmente as conclusões seriam outras


Se fossem revelados os segredos desse outrora mundo colonizado, relativamente pacífico, como em todo o lado, que a guerra, acicatada pela URSS – descolonizadora relativamente aos outros, amplamente colonizadora - então como agora – a de ontem (urssa) idêntica à de hoje (russa), em ambição e desumanidade, (estas hoje, contudo, mais visíveis) – tornou necessariamente um mundo feroz. Mas os documentos da foto, postados por Pacheco Pereira, provam bem quem eram os reais atropeladores do bem-estar desses povos colonizados, pobrezinhos que o mundo inteiro atraiçoou, fingindo estimar, numa pseudolibertação de que, os que podem, fogem hoje a bom fugir… De resto, o mundo inteiro sabe-o bem, mas cinicamente finge ignorá-lo, preferindo a tese da condenação dos opressores colonialistas…

Opinião

Verdades incómodas e segredos inúteis

Não se compreende, a não ser para meia dúzia de documentos que possam lidar com colaboradores e informadores ainda desconhecidos, que o acervo documental da Guerra Colonial permaneça classificado.

JOSÉ PACHECO PEREIRA

PÚBLICO, 28 de Janeiro de 2023, 6:46

A classificação e desclassificação de documentos tem regras, mas elas estão longe de ser aplicadas. Existe uma cultura de ocultação corporativa, muito forte em instituições do Estado, a começar pelas Forças Armadas, mas estendendo-se por todos os ministérios, repartições, autarquias. É também muito forte nos partidos políticos, e fortíssima no sector privado – ou seja, o segredo, com regras ou sem elas, é uma característica das sociedades como a portuguesa, tão generalizada como os mitos sobre a transparência.

A esta situação de fundo acrescenta-se uma legislação europeia transcrita para Portugal sobre protecção de dados absolutamente absurda e excessiva, associada à privatização em massa por empresas especializadas de uma enorme quantidade de imagens e outros elementos que resultam numa enorme dificuldade para investigadores, jornalistas, autores, instituições em aceder a informação relevante, e mais ainda a publicá-la. Não estão em causa os direitos de autor, menos protegidos do que se pensa, mas a comercialização do passado.

Um exemplo clássico no mundo partidário é a atitude do PCP em relação aos seus arquivos, cujo acesso é muito restrito e discriminatório, privilegiando o tratamento heróico-propagandístico em detrimento do trabalho dos historiadores, ocultando assim um dos arquivos mais importantes para se conhecer a história da resistência ao Estado Novo, com o efeito perverso de criar uma dependência dos arquivos da PIDE/DGS. O PCP criou uma história “oficial” e tem muita dificuldade em sair dela, o que significa que tem de ocultar muita coisa. Um exemplo é o jornal Em Frente, completamente canónico, publicado pelos órgãos próprios do partido em substituição do Avante!, cuja tipografia tinha sido apanhada pela PIDE, mas cujos textos saídos em pleno período do Pacto Germano-Soviético, alguns escritos por Álvaro Cunhal, são hoje muito incómodos para a história “oficial” do PCP.

Embora em menor grau, porque não existe uma forte cultura de ocultação, mais de desleixo do que de intenção, faz com que haja igualmente incómodos na história dos outros partidos, como seja, por exemplo, no PPD/PSD, o papel fundamental que Sá Carneiro dava à entrada na Internacional Socialista, traduzido num esforço com traços documentais que felizmente estão a salvo.

A proposta do Bloco de abrir os documentos militares do período da Guerra Colonial recebeu uma resposta péssima mas muito significativa, com os votos contra do PS, PSD, Chega, a abstenção da Iniciativa Liberal e os votos a favor do Bloco, PCP, PAN e Livre. Todos os que votaram contra desculparam-se, com excepção do Chega, que assumiu claramente a sua posição de “combatente” de um dos lados da guerra. As desculpas são todas hipócritas, a começar pela abstenção da IL que acaba por aceitar a forma tradicional da direita ver a guerra colonial como assunto tabu, e escolheu o seu lado. Do lado dos votos favoráveis, o PCP exerceu também a sua enorme hipocrisia face à história “secreta”.

A Guerra Colonial acabou há quase 50 anos. Foi, como todas as guerras, um conflito com toda a violência do catálogo do mal: mortes em combate, assassinatos, massacres, tortura, “danos colaterais”, perda de bens, feridos com o seu cortejo de uma vida inteira de sofrimento, cegueira, amputações, perturbações psicológicas, por aí adiante. Dos dois lados, claro, mas isso não os torna equivalentes. A Guerra Colonial tem uma autoria política, o colonialismo rácico, com todos os colonialismos, da ditadura de Salazar e Caetano. Porém, uma das fontes de legitimidade do 25 de Abril, fundadora da nossa democracia, é exactamente considerar essa guerra como injusta.

Foto: Panfletos de desertores da Frelimo publicados pelo Exército português. A maioria foi executada depois da independência de Moçambique. (Arquivo Ephemera) DR

Não se compreende por isso, a não ser para meia dúzia de documentos que possam lidar com colaboradores e informadores das tropas portuguesas ainda desconhecidos, que o seu acervo documental permaneça classificado. Para além de haver uma outra hipocrisia: quem é suposto saber o que está nos documentos sabe igualmente que quase todos os segredos portugueses, em particular nas relações com os serviços de informação, como o Boss sul-africano, os rodesianos e os franceses, foram entregues aos soviéticos em 1975, que os encaminharam para os movimentos de libertação, daí resultando muitos fuzilamentos, torturas e prisões. Por isso, as razões dos votos contra são inaceitáveis e mais do lado injusto da guerra do que do 25 de Abril.

Existe um problema suplementar e outro mito circulante, o de que a digitalização favorece a transparência. Bem pelo contrário, por exemplo, a digitalização das comunicações, quer pelo email, quer pelos telefones móveis, dificulta o registo obrigatório de actos de governação que por lei devem ficar registados, mesmo que possam permanecer por um período de tempo confidenciais ou secretos.

Um caso recente, a que já me referi inutilmente várias vezes, é o do registo que deveria ter sido feito das relações do Governo português com a troika. Esse registo é importante historicamente para se saber que medidas foram iniciativa própria do Governo Passos-Portas-Troika e quais as exigidas pela troika, até para se saber se algumas afirmações desculpadoras sobre a austeridade vieram de “lá” ou de “cá”. Ora, quando as comunicações foram feitas em conversas ou mensagens privadas em computadores ou telefones de terceiras pessoas, nada ficou o registado. Para além da facilidade dos telemóveis que implica que nenhum registo é feito de telefonemas fundamentais que deviam ter dado origem a uma síntese escrita e que escapam a qualquer controlo público.

Nos dias de hoje muito palavreado sobre a transparência é o véu que cobre a ocultação, seja porque é incómodo o conhecimento, seja porque o acesso se torna caro, e muitos documentos, textos, imagens, filmes e fotos que deviam estar disponíveis não estão. Acresce esta básica afirmação: uma das coisas que o dinheiro e poder podem pagar ou obrigar é ao segredo e à discrição. E quem o tem usa-o – por isso, quanto mais se fala de transparência mais se oculta.

O autor é colunista do PÚBLICO

Historiador

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