É, pelo menos, mais apreensível, se
tivermos uns laivos de cultura, e assim percebermos melhor os problemas que o
Dr. Salles se diverte a equacionar – no objectivo bem necessário de lembrar
quanto a instrução e a cultura são imprescindíveis na qualificação dos povos e
nas suas artes de realização. E isso é consolador. E reconfortante para os
países que assentam o seu progresso e bem-estar na racionalidade do exemplo
passado, para criarem no presente as suas próprias achegas evolutivas. Um país
que assente na sua agricultura e nas suas pescas, nos vagares ou apressamentos
das suas realizações, sem procurar meios facilitadores de maior produção,
ficará a marcar passo, julgo eu. Os países mais industrializados, que aplicam
esses meios resultantes dos seus esclarecimentos culturais, desenvolver-se-ão
melhor, é claro, pela eficiência e facilitação que resultam do saber ligado ao
trabalho intelectual e por consequência físico. As desvantagens de um viver
mais dinâmico nas questões do trabalho de alienação mecânica, estão bem
satirizadas, contudo, há muito tempo já, nos “Tempos Modernos” por um Charlot quase
robotizado, embora em farsa crítica. O certo é que, se a cultura faz
progredir, julgo que a gradual mecanização precipita o Mundo num sentido
destrutivo... E o Homem, igualmente, num sentido quantas vezes destrutivo, psiquiatricamente
e mesmo moralmente falando, pelo excesso de ruído que causa o desenvolvimento
tecnológico, ou, contrariamente, pelo excesso de “silêncio” trazido à nossa
juventude de hoje, pelo “mergulho” numa “caixinha” alienatória, facilitadora de
preguiça mental e física também, a apetência do trabalho colidindo com a
facilitação do ripanço… Isso, por cá, pelo menos, preferencialmente amantes do nosso fado chorado…
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 03.02.23
Diz-se que uma relação é biunívoca quando cada um dos dois (e, por
isso, bi) elementos se relaciona essencialmente com o outro. Ou seja, nenhum
dos elementos existe sem o outro. No mesmo grau de intimidade, admitamos a
existência de relações pluriunívocas.
Matematicamente, ambos os tipos de relações descritas são igualdades
sendo que na biunivocidade podemos imaginar uma equação e na
pluriunivocidade podemos imaginar uma matriz ou determinante.
Até aqui, tudo é instantâneo, o tempo não vem à colação. Mas se
introduzirmos o factor tempo, já a relação passa a sucessiva e podemos
deparar-nos com questões darwinescas. Ou seja, as relações abandonam a
univocidade (relação essencial) e passam para o campo das sucessões (influência
genética, lógica., legal…).
Passemos a um caso concreto: é a cultura (instrução, educação formação) que promove
o desenvolvimento económico ou vice-versa?
Antes do mais, explicitemos os conceitos «cultura» e «desenvolvimento
económico» neste primeiro quarto do séc. XXI.
CULTURA – diz-se que uma sociedade (Nação ou País) é culta quando se encontra
no quartil mais elevado desse parâmetro do PNUD, ou seja, quando não existe
analfabetismo, toda a população em idade activa concluiu o ensino obrigatório
(em Portugal, o 9º ano), a maioria absoluta da população em idade activa
completou o secundário superior (12º) e mais de metade dessa população tem
formação superior;
DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO – diz-se que uma sociedade ou país são
desenvolvidos quando, no «benchmarking» mundial, se encontram no quartil mais
elevado da OCDE.
Parametrizada a questão, salta à vista a existência duma multiplicidade
de variáveis de complexa qualificação no que possa respeitar a uma relação
causa-efeito. Não sendo meu propósito construir um modelo (nem sequer estático,
quanto mais dinâmico) de mero interesse académico, sou levado a sugerir aos
Investigadores matematizados que avancem na escalpelização de um modelo que, e
não ouso desbravar limitando-me, pelo contrário e, arrepiando caminho, pergunto-me
se os políticos devem começar por acelerar o desenvolvimento económico para
obterem mais cultura ou se devem instruir primeiro para receberem o
desenvolvimento mais tarde.
Sempre fui adepto da
prioridade das políticas de educação-instrução-formação, mas recentemente
encontrei mentes ilustríssimas a pensar o contrário.
A minha opção inspira-se nos clássicos gregos e resulta de um
silogismo composto por dois axiomas e uma conclusão:
. O progresso resulta da inovação
- O conhecimento é o motor da inovação
- Sem conhecimento não há progresso
Aguardo com interesse pela tese contrária.
Fevereiro
de 2023
Henrique
Salles da Fonseca
Tags:
economia
COMENTÁRIOS:
Anónimo 04.02.2023 13:45: No teu
anterior post – “Performances 2022” -, explicitaste, Henrique, que o
desenvolvimento económico dependia também da taxa de analfabetismo e do nível
de ensino. Ao comentar o teu texto, disse que o subscrevia (e acrescentei uma
análise). Foi com alguma surpresa que constatei que o meu Amigo António Pinho
Cardão fez uma ressalva neste ponto, evocando uma tese (que eu desconhecia), e
citando o Prof. António Barreto, que era
o desenvolvimento económico que condicionava a educação e não o contrário. Não quero entrar nos caminhos do ovo e da galinha,
mas sabemos – e isso também ensinou o Prof. Francisco Pereira Moura – que em
Economia tudo reage sobre tudo. Independentemente do que o António Pinho Cardão
possa, eventualmente, dizer, acrescento algumas reflexões. Sei que há autores
que negam que o desenvolvimento económico, melhor, a diferença dos estádios
de desenvolvimento dos Países seja explicada por factores como a geografia, a
cultura e a ignorância. Daron
Acemoglu e James Robinson, autores de “Por que falham as Nações” estão entre
estes. Chamam a
estas hipóteses “teorias que não funcionam” (capítulo 2, 1ª edição, 2013). Para
eles a verdadeira explicação está na existência ou não de instituições extrativas
ou inclusivas. Quanto mais houver das primeiras menor será o desenvolvimento
económico, já que as elites se apropriam da riqueza, prejudicam a emergência de
novas tecnologias, impedem a Sociedade de realizar o seu potencial económico,
destroem os incentivos ao investimento e à inovação. Logo, o desenvolvimento é
tanto maior quanto mais instituições inclusivas e pluralistas existam, pois
assim todos têm as mesmas oportunidades, há concorrência, competitividade e
produtividade. Ora, os
autores reconhecem (página 513) que “o crescimento económico
sustentado exige inovação e a inovação não pode ser dissociada da destruição
criativa que substitui o velho pelo novo”.
E aqui caímos na doutrina defendida pelo economista
Joseph Schumpeter (ver, por
exemplo, “Os Grandes Economistas”, de Linda Yueh (páginas 171 e seguintes,
2019, 1ª edição). Para este economista, a inovação é o motor do
crescimento económico, é o “perpétuo vendaval de destruição criativa”. Verifica-se, pois, que para os 3 economistas
citados, a inovação está no fulcro do crescimento económico. Mas como
pode haver inovação sem investigação? E esta sem haver cultura, na acepção
ampla como defines neste teu último post? Seria impossível, penso. Sabemos bem como “Investigação
e Desenvolvimento (I&D)” está presente em todos os cenários macroeconómicos
dos Países. Não me
esqueço que a minha saudosa colega e amiga Maria José Constâncio, quando ocupava o lugar de Directora-Geral da
Indústria, instar connosco (na altura estava na Administração da Siderurgia
Nacional) para que privilegiássemos a Investigação, pois a empresa tinha recursos financeiros para
isso e tal era necessário para que ela fosse competitiva, particularmente no
cenário, em que se vivia então, de abertura de mercados (a adesão à CEE tinha-se
iniciado). Se
continuo a pensar que a Cultura (em sentido amplo) é necessária para a
Investigação, e esta para a Inovação e para o Desenvolvimento Económico, também
não excluo que, quanto mais elevado for este, mais as outras variáveis assumem
valores relevantes. Ao fim ao cabo, estamos perante não só a relação biunívoca,
mas também o cenário em que tudo reage sobre tudo. Forte abraço. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca 05.02.2023 05:19:
Parabéns, Amigo por tão interessante
análise! Porém, dito de modo mais lhano, parece que a maior taxa de crescimento
- democrático, porque toca a todos - resulta da estratégia da captura do Estado
pela Tribo! Elias Quadros
antónio pinho cardão 05.02.2023 17:04: Caro Salles da Fonseca: Excelente post, para mais com
direito a proposição de tese contrária. Vamos então a isso: a) Cultura :” diz-se
que uma sociedade (Nação ou País) é culta quando se encontra no quartil mais
elevado desse parâmetro do PNUD, ou seja, quando não existe analfabetismo, toda
a população em idade activa concluiu o ensino obrigatório (em Portugal, o 9º
ano), a maioria absoluta da população em idade activa completou o secundário
superior (12º) e mais de metade dessa população tem formação superior” Trata-se, a meu ver, de uma formulação meramente
quantitativa. A sociedade pode ser mais ilustrada, mas tal não significa que
seja mais culta. Aliás, a filosofia, a literatura e a história são cada vez
mais disciplinas marginais no ensino. E nos estádios superiores do
ensino a especialiazação tornou-se dominante. Por exemplo, os temas dos
doutoramentos tratam maioritariamente matérias muito específicas e particulares.
Ainda não há muito houve um doutoramento em pronomes possessivos…O mesmo
noutras ciências. É culto quem sabe tudo sobre pronomes possessivos ou leis
do trabalho e, no resto, logo diz que não é matéria sobre que se tenha
debruçado? Bom, digamos que o que diz o PNUD será uma condição
necessária, mas daí a ser suficiente vai uma grande distância. b) Desenvolvimento e cultura: Pois, também de alguma forma contrariando o que o
meu amigo diz, a cultura ( e a educação) vêm com o desenvolvimento. E o silogismo em que se estriba parece-me imperfeito.
Desde logo, porque nem toda a inovação provém do conhecimento; há muitos casos
(penicilina, insulina, etc, etc, até o
viagra) que
advieram do acaso. Também o comentário do Carlos Traguelho é de
excelência. Fala nas “teorias
que não funcionam” às quais eu, mais prosaicamente, chamo mitos. E mito é o lema simplista de que a investigação
tout court traz desenvolvimento. É que, independentemente de
alguma investigação básica, a inovação que gera progresso é a que dá origem a
produtos fabricáveis, comercializáveis e vendáveis, que criam emprego e riqueza.
Em Portugal, por exemplo, quase todo o dinheiro que vai para
investigação nos centros e laboratórios do Estado é gasto puro e simples. Onde estão os produtos vendáveis? É este o meu
comentário, sucinto e em termos práticos. Grande abraço
Henrique Salles da Fonseca 05.02.2023 18:32:
Muito obrigado, Caro Pinho Cardão. Continuemos.... Abraço
Henrique Salles da Fonseca
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