Sobretudo quando o tempo é escasso para
a concretizar: o que assusta é a escassez de tempo para a concretização dos
espaços desse evento, prova de um irreparável atabalhoamento nacional, de
incúria desastrada e desprezível. O texto de MJA é denunciador, como sempre, de
elegância moral, na sua frontalidade sem rebuço.
Algumas precisões
Quantos milhares de jovens não se
magoaram com o trânsito público de passa-culpas entre as diversas autoridades?
Os poderes esqueceram-se serem eles os destinatários da celebração irrepetível
da JMJ?
MARIA JOÃO AVILLEZ, Jornalista,
colunista do Observador
OBSERVADOR, 01 fev. 2023, 00:2051
1Há
dias, referindo-se a um comentário que eu fizera na CNN sobre as Jornadas
Mundiais da Juventude, alguém que conheço reencaminhou-me um sms de um
jovem que não conheço que dizia simplesmente “obrigado por ter falado de um
milhão de jovens, em vez de um milhão euros”.
Estava tudo dito. Na sua luminosa simplicidade a frase reconduzia um acontecimento ao seu essencial e centrava-o no seu lugar próprio: a manifestação de fé planetária de um milhão de jovens, um encontro do Papa Francisco com um mundo onde todos cabem, um acontecimento que porá Portugal nos écrans globais. Isso: a Jornada Mundial da Juventude – Lisboa 2023 é um evento único.
2Um
evento que consegue aliás ser ainda maior do que dizer que será “o maior” de
sempre porque (largamente) ultrapassa o mundo católico ou cristão, tem marca
“universal”: em Agosto afluirão a Portugal e não apenas a Lisboa, milhares e
milhares de jovens e de adultos. A “empreitada” de resto impressiona:
acolher, trazer, levar, acomodar, dar mesa e tecto, assegurar higiene,
proporcionar segurança, pensar no bem-estar geral, é tarefa hercúlea (não se
pode fazer cerimónia com as palavras).
Parece
no entanto que é preciso lembrar a toda a hora que fomos nós – nós, país – quem
endereçou e muito insistiu neste convite ao Santo Padre: o desafio de
realizar a Jornada Mundial da Juventude na capital tem a assinatura de
Portugal. O convite não veio de fora, não foi feito no escuro, não resultou
de uma sugestão, uma imposição, um acaso, uma proposta sem rosto. Também não
parece mas tratou-se de uma decisão consensual e informada no que diz
respeito às obrigações do país. Ainda parece menos mas foi um investimento
calculado com o respaldo das maiores figuras da nossa laica nação (além do
respaldo teve o gáudio, eu lembro-me). E já agora que pensarão os portugueses
normalmente constituídos e o país que ainda não endoideceu da maré de
equívocos em que se têm afogado as nossas mais altas autoridades e instâncias e
de tanta gente a falar do que não conhece (ou pior, do que não percebe?)
3Pego
num desses (dispensáveis) equívocos, escolhendo aquele que sempre faz palpitar
muita gente porque “mete dinheiro”. Reza o equívoco em curso que o
Estado “está a dar dinheiro à Igreja”. O que o Estado está a fazer –
através dos municípios ou do Governo – é a injectar dinheiro directamente na
economia. Claro que muitos o sabem mas há coisas – imensas coisas – que convém
disfarçar enquanto se pode: politique oblige. Mais importante ainda porém é
perceber que os milhões anunciados – infraestruturas, palcos, audiovisuais,
alimentação e tuttiquanti – entram diretamente para fornecedores,
esmagadoramente nacionais. (Ou não entram?)
Outro
equívoco, directamente pescado no viveiro onde eles nadam: falo do “ajuste
directo” que tanto comove a esquerda e faz lacrimejar comentadores. Só não
vê quem não quer que a própria figura do ajuste directo beneficiará o nosso
tecido empresarial, um concurso internacional seria a porta aberta para que tal
importância voasse para longe daqui. Mais: a criação de valor junto dos
prestadores de serviços – transportes, restaurantes, hotelaria, etc. – será
dinheiro gasto intramuros e gera emprego. Mais ainda: uma contratação efectuada
directamente, elimina automaticamente as (por vezes incontáveis) somas de euros
gastas com os intermediários.
4Enfadonha
esta prosa? Admito mas é como nos casamentos: para a alegria e para a tristeza.
No que me traz é (modestamente) para tentar cortar as ervas nefastamente
daninhas de um caminho aberto em nome dos jovens e que se quer fértil e amável.
E por isso, caro leitor permita-me uma última varredela em mais um equívoco.
Tem sido muito comum a comparação da Jornada Mundial da Juventude com outros
grandes acontecimentos que Portugal tem acolhido com júbilo e gasto. Também não
é comparável: ao contrário do ocorrido com outros eventos, Portugal não
desembolsará um euro em “fee” (valor pago ao detentor da marca ou evento para o
poder “dar” em solo pátrio como sucede por exemplo com a Fórmula 1 e que pode
ascender a 10 e 30 milhões de euros só para acolher essa prova.) Com valores
diferentes, sucede o mesmo com o Rock in Rio, a Web Summit, um Torneio de Ténis
da ATP, etc. Na Jornada Mundial da Juventude, não sucede.
Enfim,
Lisboa, Loures, Portugal, ganham a requalificação de uma área com 100 hectares
para fruição pública. Um
terreno à beira rio, onde anteriormente se acumulavam lamas e lixo ganhará uma
vida com garantia de futuro. Não é dizer pouco mas sem o motor de arranque da
Jornada de Agosto dificilmente o investimento sairia das mentes ou do
papel. Last but not least, é obrigatório lembrar aqui que quem está à
frente dessa imensa “empreitada – transformadora” chama-se António
Lamas. Quantas boas ideias, magnificamente
concretizadas por ele, é que Portugal lhe deve? (Já ao cidadão José Sá
Fernandes e à sua fantasia ecológico-ambiental (?) contra o Túnel do Marquês
que obstaculizou a sua construção por largos meses só podemos desagradecer: as
indeminizações pagas pela interrupção da obra custaram 18 milhões de euros ao
país. Para quem acalenta o sonho de suceder a Carlos Moedas, não se imagina
pior cartão de apresentação).
5Corre
tudo bem? Não. O episódio do palco Tejo veio revelar as fragilidades de
coordenação entre os diversos, digamos, interlocutores. Houve atrasos? Desde
logo e entre outros menores, o não se ter constituído de início uma estrutura
profissional, com o melhor que temos em Portugal e o que temos é muito, muito
bom. Sei do que falo: trabalhei directamente com alguns desses
excelentes profissionais por mais de uma vez, em inesquecíveis e exitosos
acontecimentos. E sobretudo, mesmo que ilimitada como é, a generosidade de
centenas de voluntários nunca poderia surfar sozinha uma onda com esta
dimensão. Dão o seu melhor sem hesitar e de mangas arregaçadas mas… não são
profissionais.
E
finalmente: tenho pena mas não posso deixar de mencionar o factor humilhação –
e de novo não façamos cerimónia com as palavras. Falo de milhares de jovens
portugueses e de como se devem ter sentido magoados ou humilhados com o
trânsito público de passa-culpas entre diversas autoridades do país onde
nasceram. Os poderes esqueceram serem eles os principais destinatários de
uma celebração irrepetível: quer a que já trabalha voluntariamente na
gigantesca operação das Jornadas quer a que se está a preparar com fé,
vitalidade e indizível alegria para a sua realização.
Alguém
devia pedir-lhes desculpa.
COMENTÁRIOS (de 59)
Filipe Paes de Vasconcellos: Que não falte a Carlos Moedas a determinação e a
coragem, sim coragem!, de enxotar a gentinha mesquinha e medíocre que nada fez
por Portugal, a não ser gastar mal e apoderar-se do nosso dinheiro. Maria da Graça Frazão: Alberico Lopes: Cara Maria João; o que acrescentar ao seu
magnífico artigo? Só uma coisa: sinceros parabéns por de maneira tão simples
pôr os pontos nos iis! Realmente o salta-pocinhas do sr. Marcelo, para mim
ainda foi o que pior se portou! O costume dum cata-vento! José Freitas: Espero que este artigo seja
lido por Marcelo, Costa, D. Américo Aguiar. Carlos Moedas assina por baixo este
artigo. Sá Fernandes não o deve entender. Obrigado MJA, por mais um
excelente artigo Domingas
Coutinho: MJA não sabe que este País é pequenino e pensa
pequenino? E fala em vergonha. Também não sabe que uma grande maioria não sabe
o que é vergonha? Louvo Carlos Moedas pelo empenho e sentido do dever que está
a demonstrar. E já agora a Câmara fez bem em correr com Sá Fernandes. F. Mendes: Vou ser irónico, embora não me
pronuncie sobre a utilidade deste "evento". Ficamos a saber esta
coisa espantosa: os ajustes directos são bons, porque vão para fornecedores
nacionais e o dinheiro não sai do País. Brilhante, Maria João: abrimos o
coração ao Mundo (e arredores!), mas fechamos os cordões à bolsa! Ora aqui está
um excelente exemplo do chico-espertismo nacional, que tão bons resultados tem
trazido a este jardim à beira-mar plantado. Já agora, estou para ver
quantas das pessoas que alegadamente chegam para o "evento",
regressam ao seu país de origem. E quantas vão engrossar a imigração
clandestina e descontrolada, que por aqui campeia, como em nenhum outro lugar.
Desconfio que serão mais umas largas dezenas de milhar, com sorte. Esclareço
que sou Católico. Mas não misturo a religião com o estado, como manifestamente
está a acontecer neste evento. Se for criticado por isto que escrevo,
paciência.
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