É o que preza o nosso povo, como eu sempre ouvi, porque não podia fazer outra coisa, naqueles tempos de penúria. Mas esse vivia da terra que ele trabalhava, e agora já nem isso, que o mandaram desistir, e talvez também por isso os preços inflacionam, até porque se importa mais e se exporta menos, concorrência não é connosco a não ser no calçado, diz-se, além do que sempre se exportou, de azeites e vinho, cortiça, e, hoje, o fado, e também pedra, vá lá. Mas a propósito da sobrepesca, de que trata o Dr Salles, e da sua “Bolsa dos Congelados”, não posso deixar de citar Miguel Esteves Cardoso, que me parece homem com muitos sabores e saberes, e escreve – no Público de 11/2 - a respeito de “sardinhas em molho de tomate):
«Mas porque é que não há boas
sardinhas congeladas para os muitos meses em que fenecemos de saudades delas?
Porque é que não se roubam às conservas umas boas toneladas das nossas melhores
sardinhas durante os meses em que abundam? Porque é que não se submetem ao
melhor congelamento ultra-rápido, daquele que depois se descongela
devagaríssimo, para a sardinha pensar que renasceu?»
Era uma boa medida para reduzira inflação
e manter o povo, de que fazemos parte prezada, a sustentar-se o ano inteiro de
sardinha, que dantes se guardava na salgadeira. É necessário voltarmos à
salgadeira, para podermos inflectir a dívida, com um comer saboroso e sem esses
excessos culinários que a TV ensina, e nos torna gordos e preguiçosos…
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÂO25.02.23
O que é verdade para os produtos da terra aplica-se «ipsis verbis»
aos do mar com o acréscimo da mudança do
absurdo leilão descendente para ascendente a fim de instalar a concorrência dentro da procura em lota e
dificultar o cambão. Neste mercado, há que instituir a «Bolsa de Congelados»
para, nomeadamente, evitar a sobrepesca…
… e cá estamos nós nos
excessos que referi no final do texto anterior.
Sobrepesca nas épocas de afundamento dos preços unitários com vista a
sustentar as receitas globais, o mesmo se dizendo de outras unidades de
produção cujos custos fixos globais têm que ser cobertos sob pena de colapso
financeiro.
O excesso oposto é castigador da procura imediata (grossista) e da
procura final, o consumidor.
Os preços sobem e descem por
diversas razões como todos sabemos e eu já referi ao longo dos textos
anteriores, mas cujas causas agrupo em duas áreas: as naturais que se traduzem nas variações sazonais e as artificiais que provocam a aceleração do ritmo e das
amplitudes naturais. As naturais são isso
mesmo, naturais; as artificiais (sobretudo as «fake news») devem ser contrariadas. Devemos
louvar a especulação bolsista, devemos combater a
manipulação dos mercados. Não podemos deixar-nos guiar por uma
«mão invisível» ou um «big brother» nem sempre benignos, temos que dispor de
instrumentos dissipadores dos excessos.
Eis porque é fundamental
deixarmos preços formarem-se livremente no confronto transparente da oferta e
da procura, deixando-os evoluir de modo a não defraudar as espectativas da
saudável especulação bolsista, mas devemos poder contar com importantes
operadores, com suficiente capacidade de intervenção – compra na baixa (tentando suster
a descida para além de um determinado limite a baixo de um preço historicamente
médio), armazenagem e venda nas altas
(tentando suster as subidas para além de um certo nível a cima do tal valor
historicamente médio).
Eis, em matéria de preços, a «ténue» diferença entre o liberalismo
puro e a democracia-cristã.
FIM
Fevereiro
de 2023
Henrique
Salles da Fonseca
Tags: economia portuguesa
COMENTÁRIOS;:
Anónimo 25.02.2023 16:08
Não me tem sido possível comentar esta boa série de 5 posts sobre preços. Mas também não teria muito a comentar, isto é, não teria valor a acrescentar. Agora que finalizaste a série, deixa-me explicitar um factor de alteração de preços: é, como sabes, o comportamento do comprador quando ele tem a perspetiva, por exemplo, de que os preços vão subir, então “corre” a comprar, antecipando-se à subida, incrementando desta forma a procura e, logo, os preços. Situação inversa ocorre quando a previsão é de baixa de preço: atrasa, difere a compra, a procura reduz-se, acelerando a redução dos preços. É claro que um outro factor é, como apontas, a especulação. Mas está na mão de cada um de nós combatê-la, na medida do possível. Vou contar-te um episódio que me aconteceu a semana passada. Há muitos anos que corto o cabelo em uma determinada cadeia de cabeleireiros, pagando o corte e, por vezes, um adicional para o champô, que variava entre 4 e 5 euros. Pois a semana passada, pediram-me por ele €14,00, com um argumento qualquer que nem entendi. Esclarecido que não havia tomado banho em champô, ouvidos os profissionais que tradicionalmente me cortam o cabelo e consultadas as minhas contas anteriores, lá eliminaram integralmente o adicional. E se não tivesse reclamado? Para finalizar, deixa-me recordar uma das “anomalias” da lei da oferta e da procura, que aprendemos no 1º ano universitário. É sabido que as pessoas com menor poder de compra, adquirem bens mais primários, estando entre estes o pão. Se os preços sobem, o consumidor sente-se mais pobre e tende a prescindir de bens que não sejam de primeira necessidade, reforçando o consumo dos de 1ª necessidade. Se há incremento do preço do pão (lembra-te da atenção que o Estado Novo dedicava ao controlo deste preço), então os consumidores de fracos recursos sentem-se mais pobres e tendem a consumir mais bens básicos, isto é, também o pão. Aqui está como o aumento do preço do pão pode conduzir a uma sua maior procura. Anomalias curiosas da lei da oferta e da procura. Grande abraço. Carlos Traguelho
Antonio Fonseca 26.02.2023 22:04: Tenho seguido com muito interesse os 5 magistrais blogs sobre o impacto da inflação, deflação e factores alheios, na fixação dos preços. Sabe-se que na economia a perfeição é inimiga do possível e as previsões dos economistas dão foros de respeitabilidade aos meteorologistas. No entanto é necessário ter modelos e medidas para calibrar a actividade económica de molde a assegurar que os mecanismos das transações de compra e venda se realizem com o mínimo de distorção de natureza puramente especulativa. Felicito o Doutor Henrique Salles da Fonseca por este notável trabalho de trazer ao alcance do público um assunto complexo de uma maneira acessível. Obrigado.
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