domingo, 26 de fevereiro de 2023

MAS NO POUPAR É QUE VAI O GANHO


É o que preza o nosso povo, como eu sempre ouvi, porque não podia fazer outra coisa, naqueles tempos de penúria. Mas esse vivia da terra que ele trabalhava, e agora já nem isso, que o mandaram desistir, e talvez também por isso os preços inflacionam, até porque se importa mais e se exporta menos, concorrência não é connosco a não ser no calçado, diz-se, além do que sempre se exportou, de azeites e vinho, cortiça, e, hoje, o fado, e também pedra, vá lá. Mas a propósito da sobrepesca, de que trata o Dr Salles, e da sua “Bolsa dos Congelados”, não posso deixar de citar Miguel Esteves Cardoso, que me parece homem com muitos sabores e saberes, e escreve – no Público de 11/2 - a respeito de “sardinhas em molho de tomate): 

«Mas porque é que não há boas sardinhas congeladas para os muitos meses em que fenecemos de saudades delas? Porque é que não se roubam às conservas umas boas toneladas das nossas melhores sardinhas durante os meses em que abundam? Porque é que não se submetem ao melhor congelamento ultra-rápido, daquele que depois se descongela devagaríssimo, para a sardinha pensar que renasceu?»

Era uma boa medida para reduzira inflação e manter o povo, de que fazemos parte prezada, a sustentar-se o ano inteiro de sardinha, que dantes se guardava na salgadeira. É necessário voltarmos à salgadeira, para podermos inflectir a dívida, com um comer saboroso e sem esses excessos culinários que a TV ensina, e nos torna gordos e preguiçosos…

DOS PREÇOS

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÂO25.02.23

O que é verdade para os produtos da terra aplica-se «ipsis verbis» aos do mar com o acréscimo da mudança do absurdo leilão descendente para ascendente a fim de instalar a concorrência dentro da procura em lota e dificultar o cambão. Neste mercado, há que instituir a «Bolsa de Congelados» para, nomeadamente, evitar a sobrepesca…

… e cá estamos nós nos excessos que referi no final do texto anterior.

Sobrepesca nas épocas de afundamento dos preços unitários com vista a sustentar as receitas globais, o mesmo se dizendo de outras unidades de produção cujos custos fixos globais têm que ser cobertos sob pena de colapso financeiro.

O excesso oposto é castigador da procura imediata (grossista) e da procura final, o consumidor.

Os preços sobem e descem por diversas razões como todos sabemos e eu já referi ao longo dos textos anteriores, mas cujas causas agrupo em duas áreas: as naturais que se traduzem nas variações sazonais e as artificiais que provocam a aceleração do ritmo e das amplitudes naturais. As naturais são isso mesmo, naturais; as artificiais (sobretudo as «fake news») devem ser contrariadas. Devemos louvar a especulação bolsista, devemos combater a manipulação dos mercados. Não podemos deixar-nos guiar por uma «mão invisível» ou um «big brother» nem sempre benignos, temos que dispor de instrumentos dissipadores dos excessos.

Eis porque é fundamental deixarmos preços formarem-se livremente no confronto transparente da oferta e da procura, deixando-os evoluir de modo a não defraudar as espectativas da saudável especulação bolsista, mas devemos poder contar com importantes operadores, com suficiente capacidade de intervençãocompra na baixa (tentando suster a descida para além de um determinado limite a baixo de um preço historicamente médio), armazenagem e venda nas altas (tentando suster as subidas para além de um certo nível a cima do tal valor historicamente médio).

Eis, em matéria de preços, a «ténue» diferença entre o liberalismo puro e a democracia-cristã.

FIM

Fevereiro de 2023

Henrique Salles da Fonseca

Tags: economia portuguesa

COMENTÁRIOS;:

Anónimo 25.02.2023 16:08

Não me tem sido possível comentar esta boa série de 5 posts sobre preços. Mas também não teria muito a comentar, isto é, não teria valor a acrescentar. Agora que finalizaste a série, deixa-me explicitar um factor de alteração de preços: é, como sabes, o comportamento do comprador quando ele tem a perspetiva, por exemplo, de que os preços vão subir, entãocorre” a comprar, antecipando-se à subida, incrementando desta forma a procura e, logo, os preços. Situação inversa ocorre quando a previsão é de baixa de preço: atrasa, difere a compra, a procura reduz-se, acelerando a redução dos preços. É claro que um outro factor é, como apontas, a especulação. Mas está na mão de cada um de nós combatê-la, na medida do possível. Vou contar-te um episódio que me aconteceu a semana passada. Há muitos anos que corto o cabelo em uma determinada cadeia de cabeleireiros, pagando o corte e, por vezes, um adicional para o champô, que variava entre 4 e 5 euros. Pois a semana passada, pediram-me por ele €14,00, com um argumento qualquer que nem entendi. Esclarecido que não havia tomado banho em champô, ouvidos os profissionais que tradicionalmente me cortam o cabelo e consultadas as minhas contas anteriores, lá eliminaram integralmente o adicional. E se não tivesse reclamado? Para finalizar, deixa-me recordar uma das “anomalias” da lei da oferta e da procura, que aprendemos no 1º ano universitário. É sabido que as pessoas com menor poder de compra, adquirem bens mais primários, estando entre estes o pão. Se os preços sobem, o consumidor sente-se mais pobre e tende a prescindir de bens que não sejam de primeira necessidade, reforçando o consumo dos de 1ª necessidade. Se há incremento do preço do pão (lembra-te da atenção que o Estado Novo dedicava ao controlo deste preço), então os consumidores de fracos recursos sentem-se mais pobres e tendem a consumir mais bens básicos, isto é, também o pão. Aqui está como o aumento do preço do pão pode conduzir a uma sua maior procura. Anomalias curiosas da lei da oferta e da procura. Grande abraço. Carlos Traguelho

Antonio Fonseca 26.02.2023  22:04: Tenho seguido com muito interesse os 5 magistrais blogs sobre o impacto da inflação, deflação e factores alheios, na fixação dos preços. Sabe-se que na economia a perfeição é inimiga do possível e as previsões dos economistas dão foros de respeitabilidade aos meteorologistas. No entanto é necessário ter modelos e medidas para calibrar a actividade económica de molde a assegurar que os mecanismos das transações de compra e venda se realizem com o mínimo de distorção de natureza puramente especulativa. Felicito o Doutor Henrique Salles da Fonseca por este notável trabalho de trazer ao alcance do público um assunto complexo de uma maneira acessível. Obrigado.

 

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