quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Extraordinária prosa


De uma mulher sensível, inteligente e corajosa que se atreveu a pôr por escrito o que intimamente sentimos de admiração por esses dois heróis BIDEN e ZELENSKY - mas sobretudo o primeiro, que se tem revelado bem mais extraordinário do que parecia poder sê-lo.

O outro lado desta quadra carnavalesca

Coragem política também é isto. Esta coisa admirável que o mundo testemunhou ao vivo e em directo: Biden de surpresa em Kiev com Zelensky. O contrário de uma mascarada ou um disfarce.

Maria João Avillez Jornalista, colunista do Observador

1Semana farta. Fartura dupla: intramuros, na afronta e no ineditismo; fora de portas, abundante na coragem política.

Comecemos por cá: os portugueses, goste-se deles ou não, e às vezes, não, querem casa. Em nome próprio. Sempre foi assim. Mal podem, compram-na. Fazem contas, sacrifícios, economias, privações, para adquiri-la. Levam os melhores anos da sua vida a pensar como cumprir um sonho que nasceu com eles. Vão para fora para pagar uma habitação cá dentro. São em muito maior número proprietários de casa própria do que António Costa e os seus poucos esclarecidos pares e os seus nada esclarecidos conselheiros, deviam saber. Ora é justamente esse número – ele sim, esclarecedor desta relação do português com a propriedade – que deveria ter acendido uma luz vermelha ao Executivo. O governo ao desconhecer essa eloquente cifra de pequenos e médios proprietários começa por nos desconhecer a nós. Percebe mal quem somos. Não é particularmente interpelado pela “forma mentis, a idiossincrasia as características que explicam – definem – o povo português, ou só lhe presta atenção em época de frutos eleitorais. E é nesse sentido que se está também perante uma certa forma de afronta: ninguém sabia quantos milhares e milhares de proprietários de habitação própria – e orgulhosos dessa “conquista” – há em Portugal? Dezenas de ministros, secretários de Estado, conselheiros etuti quanti, não sabiam bem?

Não sabendo ou até sabendo mas sendo-lhes totalmente indiferente saber, (viva o Estado que é do PS!), conseguiram um feito extraordinário: ainda antes de nos indignarem com tão despropositadas intenções, conseguiram primeiro espantar-nos: foi a pasmosa dimensão do erro do primeiro-ministro que trouxe atrelada a si a indignação por este inédito assalto socialista à propriedade privada.

2A verdade é que também me surpreendeu o imediato eco da recusa generalizada a este plano governamental. Foi visível, audível, de carne e osso. No Portugal (aparentemente) conformado e encalhado em si mesmo em que se vive nos últimos anos, houve um sinal expressivo de vitalidade — afinal estamos vivos. Um sobressalto que ultrapassou em muito a meia dúzia de intervenientes avulso que praticam a cidadania, um aqui, outro ali, um hoje, outro semanas depois; ou a dos cronistas, editorialistas ou comentadores responsáveis, preocupados em sinalizar a sua perplexidade face à inoperância, ao erro, ao abuso de poder, ao indigno. E pouco mais.

Foi melhor que nada e mais vale um sobressalto na mão do que muitos a voarem (e nem sequer são muitos os que ao menos voam).

3Quantas vezes aquele monocórdico e tão “mais do mesmo” discurso que Putin proferiu esta terça feira, terá sido reavaliado, repensado e reescrito após a extraordinária viagem de Joe Biden a Kiev? A intenção de por umas horas, fazer de Moscovo o palco do mundo não só lhe foi roubada por Biden como o pré-aviso norte-americano a Moscovo da deslocação a Kiev exibiu a força e a autoridade que não veem só das armas e do poderio militar.

Foi uma tragédia para Putin, um choque político sem dimensão para a plateia russa cloroformizada que o ouvia; foi uma formidável antecipação política de Joe Bidenantecipando de surpresa a sua saída de Washington para a Polónia para ir a Kiev de comboio, secundarizando assim, quando não anulando a festa celebratória que Putin arquitectara para celebrar com demência e jubilo, a passagem de um ano sobre a invasão da Ucrânia. Uma invasão com assinatura; foi um trabalho admirável de organização sem mácula dos diversos “compartimentos” da equipa do Presidente norte americano e um esforço que se imagina complexo do líder ucraniano, dadas as circunstancias de vida no seu país. Dirão alguns que foi publicitário antes do mais (Ah bom?). Julgo pelo contrário que embora nada possa prevenir ou garantir, que se passou foi um assomo de alento para um povo diariamente massacrado e um consolo para o mundo ocidental e quem sabe para que outros mundos: aquelas imagens deixaram cair um pouco de luz nos trágicos despojos da guerra, foram um raio de sol nas águas geladas de muita coisa — incerteza, arbitrariedade, crueldade, impotência, demência. Coragem política também é isto, isto que testemunhámos ao vivo nesta invulgar quadra carnavalesca porque tudo foi o contrário de uma mascarada ou um disfarce, ou um desfile. Se os políticos actuais percebessem o que vale a coragem política e o poder que pode ter a sua exibição desta forma tão séria, tão sóbria, tão simples, os políticos eram simplesmente melhores do que são.

Exagero? O tom é gongórico? Talvez. Mas talvez o momento o reclame.

Quem é que há um ano atribuiria um gesto desta envergadura a Joe Biden, na defesa dos valores ocidentais e da nossa ameaçada civilização ? Um velho que não chegaria ao fim do mandato mas que afinal fez (quase) tudo certo até hoje; quem esperaria esta tempera, esta fibra de resistente, a qualidade de liderança, a capacidade de falar todos os dias ao seu povo desde há ano, sem falha nem desalento? Não era Zelensky apenas um mero entertainer de café de um país desclassificado?

Não sei o fim da história e temo por ela todos os dias. Mas sei que o mundo e eu nos enganamos sobre aqueles dois cavalheiros.

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COMENTÁRIOS

Maria Cordes: Nas redes sociais, estão fotografadas casas do Estado, fechadas. Às dezenas, às centenas. O texto é maravilhoso. Por uma vez, abrimos o peito, e respirámos com maior leveza. Slavia Ucrânia.            JOSÉ MANUEL:: de vez em quando kosta não consegue disfarçar a veia komuna de nacionalizar tudo o que for possível (rendimentos, através de impostos) e agora as próprias casas...          Rui H. da Silva: Como é habitual, salvo raríssimas excepções, mais uma crónica sublime!               Maria Madeira: Mais um excelente texto. Parabéns.               Nem 4 anos depois ....: Pois é adoro a democracia mas cada vez duvido mais dela, dessa que se pratica no Ocidente. A de lá, sei o que é, mas a nossa já não sei, então essa defesa da civilização ocidental, deixa-me com muita agua na boca.             Alberico Lopes: Maria João: Esta sua crónica de tão vibrante, é o melhor corolário à gesta praticada pelos dois grandes senhores deste ano: o tal "velho" Biden e o tal "cómico" Zelensky! Dois políticos que mostram que nada está perdido neste mundo cão em que ainda há valores e quem os defenda! Parabéns, minha cara Maria João!.               João Ramos: Muito bem Maria João, que haja alguém que de vez em quando nos encha a alma, que bem precisamos !!!              bento guerra: Atenção MJ,hoje já é 4ªfeira de Cinzas,dispa as fantasias               Maria da Graça de Dias > bento guerra: Como a realidade dos factos incomoda mentes doentias!                    Sérgio: Excelente. Viva a DEMOCRACIA!               João Floriano: Exagero? O tom é gongórico? De modo algum. Uma das mais belas crónicas que Maria João Avillez já escreveu. Em ambos os assuntos, o desastrado pacote de medidas sobre Habitação e a visita do Velho Senhor à Ucrânia, Maria João Avillez enxerga para além do óbvio, do que salta à vista e concentra-se no simbolismo e denotação de ambos : O que a casa  significa para o português e o que Kiev significa para o mundo: Atacar foi um tremendo erro.             Filipe Paes de Vasconcellos: Parabéns Maria João Avillez! Biden fez um grande discurso para o Mundo, foi mobilizador, corajoso, humano, empático mostrando ao mundo livre e não livre do que é capaz a América quando tem um líder à altura das suas responsabilidades. Porque não há um americano, seja ele democrata ou republicano, que não tenha ficado orgulhoso com o seu Presidente, Biden tem as eleições ganhas. Que Deus o abençoe! O outro, teve um discurso doentio, auto -  justificativo falando para uma plateia escolhida a dedo, roçando mesmo a criancice, i.é. “eu não fiz maldades, só me defendi dos meninos maus”. Carlos Chaves: Caríssima Maria João, sem dúvida que nos enganámos na apreciação inicial que fizemos de dois dos protagonistas desta guerra suja iniciada e mantida pelo Kremlin, e ainda bem que nos enganámos. Já “intramuros” acho que ninguém de bom senso e alguma perspicácia política se enganou em relação ao comportamento quer político e mesmo ético, do homem que ocupa o lugar de Primeiro Ministro. Para nossa tristeza, os resultados estão à vista.                      Alberico Lopes > Carlos Chaves: Se não fosse o cata-vento e a c.social comprada pelos 15 milhões há muito que ele já tinha saltado para o verdadeiro lugar que merece: Evora, cela 45!             Carlos Chaves > Alberico Lopes: Caríssimo Alberico, que nós saibamos este ainda não tem falcatruas públicas, que o leve para onde ele já foi visitar aquele, que o Ivo Rosa parece proteger. Mas nunca fiando…                  Manuel Cardozo: Maria João, não acha perigoso misturar estes dois temas, um nacional e o outro internacional? Sim ambos têm em comum o facto de serem vergonhosos, um retrocesso civilizacional. Mas confundi-los também pode confundir-nos e causar distracção. Afinal o que quer dizer? Que cada vez mais é menos o que separa Costa de Putin? Sejamos claros!              João Floriano > Manuel Cardozo: Pensei precisamente o mesmo que o Manuel mas não tive coragem de escrever porque a diferença de dimensão é tanta que seria o mesmo que comparar o estremecimento do tabuleiro da ponte 25 de Abril quando o comboio passa com o sismo da Síria e da Turquia. Mas há possíveis comparações: - Ambos lutam pela popularidade e controle. - Ambos planearam e o plano saiu-lhes furado. - Ambos se meteram por um caminho em que não dá para avançar mas recuar vai ter consequências. - Ambos calcularam mal a reacção que iriam enfrentar, provocando precisamente o contrário do que inicialmente pretendiam. -Ambos estão rodeados de incompetentes. - Ambos controlam a CS. Mas felizmente Costa está muito longe da malvadez de Putin. Que eu saiba não está na sua índole defenestrar André Ventura ou Montenegro.           Alberico Lopes > João Floriano: Olhe que eu não diria tanto! Estou convencido que o sr. Costa à semelhança do que já fez em 2015 quando "defenestrou" o Passos Coelho quando se aliou ao sr. Jerónimo e à sra. Catarina, para evitar ir para o olho da rua, não sei se não seria capaz de mandar atropelar sobretudo o Luiz Montenegro, já que o Ventura é mais um verbo de encher que, mais dia menos dia, se vai esvair como um balão cheio de nada, logo que o sr. Costa já não precisar dele para nos entreter!              João FlorianoAlberico Lopes: Boa tarde, caro Alberico O que Costa faz em sentido figurado, Putin parece fazer na realidade a ponto de podermos perguntar se os oligarcas voam. Na Rússia há alguém a fazer experiências. Até agora voam um pouquinho mas continuam a obedecer à lei da gravidade. Quanto ao balão de ar insuflado que é o CHEGA, de acordo com as suas palavras, não posso concordar. O futuro vai ver quem tem razão. Se foi Costa que insuflou o balão, o mesmo escapou ao controle do soprador.

 

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