quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Em todo o caso


Um texto – de PEDRO TAMENbrilhante de riqueza linguística e profundidade do humor satírico. O título acima tem a ver com os comentários, alguns contestando o obscuro da expressão de “gozação” do seu autor. A mim, pareceu um relato de excepcional calibre, pese embora a minha simpatia pelos esforçados apresentadores dos programas, que têm que obedecer às imposições provindas dos chefes das programações.

A liturgia de Verão

O medo de ainda não nos ter acontecido uma coisa é o ingrediente mais seguro do telejornal, como foi sempre o da poesia.

MIGUEL TAMEN Colunista do Observador, Professor (e director do Programa em Teoria da Literatura) na Universidade de Lisboa

OBSERVADOR, 27 ago. 2023, 00:1718

Apesar de nominalmente interessados no que se passa, muito poucos portugueses frequentam com regularidade as cerimónias informativas. O assunto tem vindo a preocupar as autoridades. Para o Verão, em que os dias longos não convidam ao recolhimento das vésperas, os telejornais vesperais recorrem aos métodos mais robustos de catequese. Não se trata, naturalmente, de trair a sua natureza profunda; não há grande diferença de doutrina entre o telejornal de Verão e o de Inverno. Trata-se de no Verão tornar a doutrina completamente aparente, e assim poder melhor resgatar do desamparo cognitivo a massa decrescente dos fiéis.

O filósofo tinha observado que a diferença principal entre história e poesia é que a primeira descreve aquilo que se passou; e a segunda aquilo que pode muito bem passar-se. Concluiu que por isso a poesia é mais filosófica e mais séria que a história. A tese ilustra perfeitamente a natureza filosófica do telejornal, e desde logo dos telejornais de Verão: tudo neles poderia muito bem ter-se passado. Ajuda que quem os apresenta seja por regra autor de ficção publicada. A sua credibilidade na matéria permite-lhes comentar o significado daquilo que pode acontecer, e relembrar como o mundo é triste e reprovável; e, visto que nada ainda se passou connosco, que existe uma ameaça: qualquer coisa pode acontecer. O medo de ainda não nos ter acontecido uma coisa é o ingrediente mais seguro do telejornal, como foi sempre o da poesia.

No Verão a liturgia organiza-se em dois segmentos principais: por esta ordem, o segmento-tragédia e o segmento alimentar. No segmento-tragédia são ilustrados fenómenos naturais e opiniões que poderão ter ocorrido em diversos destinos turísticos. O género é a teodiceia: como é possível que haja tanto mal no mundo? As causas metafísicas alegadas são: a cobiça de alguns, a cegueira de todos, e as alterações climáticas. Estas várias causas são declinadas a cada caso pelos ficcionistas, como apostos jaculatórios às tragédias. Com conhecimento explicam que tudo se possa vir a passar, e que tudo já se tenha passado; que nada de novo haja sob o sol, e que a terra esteja a aquecer.

No segmento alimentar a situação é diferente. Um casal de etnólogos percorre por regra paragens remotas. Se num momento anterior não se tivesse procedido à sua localização suspeitaríamos de que poderia haver por ali ranchos de nativos, ou de acordéons. O diálogo franco e malicioso fez maravilhas, e dispô-los a dar acesso aos seus preparados alimentares secretos. Durante os preparos os nativos declaram que estão a mexer um tacho sempre que é esse o caso; os etnólogos observam-nos perfunctoriamente. O método resulta. Os resultados parecem-se uns com os outros: carnes que foram cor-de-laranja e, a emergir do fumo delicioso, bordas de alguidar e sopas no mel. Durante a ingestão participativa os etnólogos conversam entre si com embirração humorosa e combinada. Tudo aquilo se poderia ter passado.

ERRO EXTREMO   OBSERVADOR   COMUNICAÇÃO SOCIAL   MEDIA   SOCIEDADE   VERÃO   NATUREZA   AMBIENTE   CIÊNCIA   TELEVISÃO   ECONOMIA

COMENTÁRIOS:

Maria Paula Silva: desta vez dei-me ao trabalho de ler o texto com calma e tal, etc.... e percebo a ideia mas continua a parecer-me que a necessidade de adjectivos rebuscados e frases redigidas de forma complicada tornam difícil o objectivo final de qualquer texto: a sua compreensão. Mas, pronto.... cada um escreve como sabe.            João Floriano > Maria Paula Silva: Ai, a menina Maria Paula percebe a ideia? Então esclareça aqui a massa associativa porque pelos vistos ninguém entendeu nada. Ou pensa que se escapa assim tão airosa e formosa com a fama de ser tão inteligente e nós todos tapadinhos!!                 Maria Paula SilvaJoão Floriano: ahahahah, ai o menino João a picar-me... ora bolas, (acho) que o que o Prof. quer dizer é que é tudo lixo, notícias alarmistas (até as alterações climáticas lá estão) só sobre desgraças, o medo instalado no subconsciente (só faltou falar da covid mas vai ter oportunidade em breve, lá pra setembro/outubro, esteja atento Professor) e para nos entreter/manter a massa cinzenta de forma estagnada uns programas de culinária para nos fazerem salivar, sonhar e pensarmos que estamos vivos. Mas não, somos todos zombies manipulados e embrutecidos. Estupidificados, melhor dizendo. O pior é que até tem razão, e a coisa não é por acaso, mas sim propositada, é preciso anestesiar a malta para que não mexa muito.....Il faut leur donner du sucre pour qu'ils ne bougent pas trop.....          João Floriano > Maria Paula Silva: Ainda bem que escrevi a minha resposta ao Francisco antes do seu comentário, porque lá tinha eu a Maria Paula a dizer que tinha sido plagiada. Mas também entendi o mesmo.             Maria Paula Silva > João Floriano: Ahahahah não vi, vou ver :)))) acho que não há outra interpretação, mas oh João, SE há (e é possível que haja porque com o Prof. Tamen nunca se sabe....) então está para além da Metafísica ahahahahaha                      António Sennfelt: Como exemplo de filosofia barata também se pode afirmar que uma rosa é uma rosa é uma rosa!                João Floriano > António Sennfelt: Isso também é filosoficamente muito controverso. A rosa pode não ser uma rosa de verdade. Eu tenho uma amiga que se chama Rosa e faz umas caipirinhas fabulosas e não se parece nada com uma rosa, pelo menos antes da quinta caipirinha. Depois há o verbo rosar: Eu roso, tu rosas. ele rosa: mas neste caso há um erro ortográfico.......Depois há a rosa do PS que já está murcha há muito tempo e ninguém percebeu no largo do Rato. Eu cá metia uma foice a ceifar a rosa. E finalmente o maior dos mistérios que requer uma profunda análise filosófica: o que é ser cor-de-rosa? é que há rosas brancas, vermelhas de várias tonalidades, amarelas ( as minhas favoritas), Quando alguém me diz: eu vou com um vestido cor de rosa: «Tá bem! mas de que cor é a rosa?» Compreende a angústia do meu dilema?            Maria Paula Silva > João Floriano: ahahahahahah muito bem :))                       António Sennfelt >João Floriano: Esplêndido comentário!!          João Floriano > António Sennfelt: Caro António Por vezes até eu me surpreendo com a minha facilidade para escrever coisas disparatadas e sem nexo nenhum. Paulo Castelo: Obrigado TAmen              João Floriano: Caro professor. Tentei, li, reli mas não percebi patavina.               Francisco Almeida > João Floriano: Tem-me acontecido o mesmo com este professor. Hoje acho que percebi parte - na crítica aos telejornais - mas, por antítese, recordo-me das claríssimas aulas que tive com Adriano Moreira. E, mais ainda, de uma frase de um professor de Coimbra: "A clareza é a boa fé do filósofo".                 João Floriano > Francisco Almeida: Bom dia caro Francisco. Não vou desistir tão facilmente. Vou reler mais tarde e pode ser que se faça luz.                     Maria Paula Silva > João Floriano: ahahahahahaha finalmente :)           Maria Paula Silva > Francisco Almeida: Exacto, a clareza e simplicidade andam de mãos dadas com a Sabedoria. Mas a capacidade de comunicar verdades profundas com frases simples não é para todos.        João Floriano > Francisco Almeida: Eu li novamente e cheguei à conclusão que se trata de uma crítica televisiva, mas que o telejornal não é aquilo que pensamos, com os pivots a lerem o teleponto. Eu acho que aqui os telejornais são aqueles programas que quer de manhã quer de tarde repetem sempre o mesmo figurino. Só desgraças! Daí o medo de nos acontecer a nós. Daí o aspecto didáctico destes programas: estamos mal? Nem por isso! Há sempre quem esteja muito pior. E há sempre culinária, dai os etnólogos e os ranchos de acordeons, às vezes há cante alentejano ou música pimba com bailarinas rechonchudas: uma morena, outra loura e sempre uma africana para não haver acusações de racismo e xenofobia, com o par apresentador a trocar piadas entre si, algumas que só eles percebem porque são private jokes. Impossível não atingir a imbecilidade completa com estes programas. E neste momento o professor Tamen está a rir de tantos disparates. Mas desisto, caro professor: não percebo nada.                     Maria Paula Silva > João Floriano: ahahahah! ainda foi mais preciso na análise com pormenores tão importantes, aliás, como é seu hábito. O João devia pensar seriamente em escrever um livro..... upssss, se calhar até escreve, não sei. Mas a sua capacidade de pormenorização é excelente.

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