terça-feira, 1 de agosto de 2023

Helena Garrido

 

Helena Garrido

Com os seus sábios alertas sobre as várias estruturas autárquicas, deixando transparecer tanto das condicionantes resultantes da nossa cultura de compadrio, impreparação, irresponsabilidade visíveis em tantos sectores… Na área dos fogos também, quando a gente ignorante como nós, os tem em alto apreço de gratidão, aos bombeiros! E até compramos rifas para os seus almoços de mérito! Rifas de carros, por exemplo, cujo prazo de execução deixamos escapar. Ó senhores! Mas não há nada neste país que nos livre da parolice e da chicana respectiva?

Autarquias e bombeiros, os novos tabus

Criticar as autarquias e os bombeiros parece impossível. Quem está consciente do que se passa na sua comunidade sabe que há muito a melhorar. E a merecer críticas.

HELENA GARRIDO Colunista

OBSERVADOR, 01 ago. 2023, 00:225

O presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), Tiago Oliveira, teve a coragem – e é pena que se tenha retratado em parte – de dizer algumas verdades sobre os incentivos perversos que, neste caso, existem na relação entre autarquias, bombeiros e prevenção e combate a fogos florestais. Disse Tiago Oliveira, no Parlamento, entre outras coisas, que há “corpos de bombeiros a receberem em função da área ardida” e que “há municípios a gastar meio milhão de euros, uma barbaridade de dinheiro nos bombeiros, quando não gastam dinheiro a gerir a floresta”. Claro que as autarquias e os bombeiros lhe caíram em cima, embora verdadeiramente ninguém tenha desmentido o que afirmou. E essa é a questão que deveria merecer atenção.

Claro que os bombeiros são muito importantes, para o combate dos fogos e para o transporte de pessoas com mobilidade reduzida. Claro que as autarquias são um pilar do regime que aproxima o poder dos cidadãos e desempenharam, mais no passado do que no presente, um papel determinante na aceleração das condições de vida de cidades, vilas e aldeias do país, onde era limitado o saneamento básico. Mas hoje, há autarquias, salvo honrosas exceções, que se concentram menos na qualidade de vida dos seus munícipes e mais a agradar, sem critério, as associações que vão dos bombeiros às coletividades e ainda mais a gastar dinheiro em festas e festanças sem que se vislumbre uma estratégia cultural. Tudo o resto vão dizendo que não é competência sua, atirando para outros a sua responsabilidade ou ignorando simplesmente o problema.

O caso mais recente foi o da designada Carris Metropolitana na Área Metropolitana de Lisboa. Criou-se uma empresa, a Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML), dividiu-se a região em blocos e cada um acabou ganho por um concessionário. E quando começou a funcionar basicamente não funcionava, deixando as pessoas que usam os transportes públicos desesperadas. Juntemos a isso os sítios onde as pessoas têm de esperar pelos autocarros para percebermos como os municípios andam arredados destes problemas, fundamentais para os que têm rendimentos mais baixos, mas também para promover o uso dos transportes públicos, tendo em vista as políticas de neutralidade carbónica A responsabilidade dessa falta de qualidade é obviamente dos municípios que se protegeram ficando atrás das empresas que criaram.

Temos depois a frente da água e da gestão de resíduos. Nem vale a pena falar da falta de transparência das facturas, que a Deco Proteste tenta combater explicando-as. O problema mais grave é a total irracionalidade, indiferentes ao papel que essas tarifas têm de ter para nos adaptarmos à escassez de água e para tratarmos devidamente os resíduos.

No caso da água, o ministro do Ambiente Duarte Cordeiro recomendou no ano passado que as tarifas fossem aumentadas para os grandes consumidores em 43 municípios enquanto a seca durasse. O problema é que a seca veio para ficar e toda a abordagem em relação à água precisa de ser revisitada, exigindo do Governo coragem para actuar numa área da competência das autarquias. Além de tarifas, que incentivem a poupança de água, é preciso desenhar todo um conjunto de preços que estimulem projectos de recuperação de águas das chuvas e residuais, nomeadamente nos grandes alojamentos turísticos. É preciso verificar se as autarquias não estão a dificultar esses projectos de recuperação das águas – quando até os deviam exigir – exactamente porque isso pode significar menos receitas. Estamos perante o mesmo problema de pagar por área ardida.

No caso dos resíduos enfrentamos uma situação que já hoje é grave. A recolha e tratamento dos resíduos urbanos é uma competência de “serviço público dos sistemas municipais ou multimunicipais”. Olhando para o espaço público percebemos que, salvo algumas excepções, a preocupação com o tema é limitada. Os grandes números mostram bem o que ainda não se faz. Por exemplo, de acordo com dados da APA, em 2021 os aterros recebiam 53% dos resíduos urbanos. Dentro de pouco mais de dez anos, em 2035, temos de ter apenas 10% dos resíduos em aterros que, neste momento, estão já praticamente cheios. Claro que a responsabilidade não é apenas dos municípios e o Governo promete verbas do PT2030 para se começar a investir nesta área, mas as autarquias podiam contribuir com comportamentos mais responsáveis de tratamento do espaço público e de pressão junto do executivo naquilo que for a sua competência.

Na educação, onde as suas competências estão a ser alargadas, espera-se que comecem a olhar para esta área como fundamental para as novas gerações. Por exemplo, podiam preocupar-se em atrair professores garantindo-lhes habitação.

E na saúde é lamentável que sejam poucas as autarquias que se preocupam com o acesso dos seus munícipes, contribuindo com soluções. Em vez de se limitarem, como no passado, a quererem um hospital, deveriam concentrar-se em atrair profissionais de saúde para centros de saúde que estivessem mais ao serviço dos cidadãos.

Finalmente no caso da habitação e nas políticas sociais de integração, nomeadamente dos imigrantes, é impossível não considerar que as autarquias podiam fazer muito mais do que fazem. Arranjarem forma de aplicar um IMI verdadeiramente castigador para quem tem prédios urbanos abandonados teria seguramente um efeito muito significativo no aumento da oferta de casas. A par disso, deveriam avançar seriamente para a promoção de construção de habitação que respondesse à procura da classe média e também dos imigrantes. E não vale a pena dizer que não há dinheiro, porque não é isso que mostram as contasGrândola, por exemplo, o concelho hoje mais lucrativo, teve um resultado líquido superior a 800 euros por habitante e mais de 150 municípios têm resultados positivos.

É nas prioridades que as autarquias andam, no mínimo, perdidas. Esbanjam dinheiro numas áreas – uma das favoritas são as festas por tudo e por nada quando deviam estar integradas numa política cultural –, esquecem-se do quotidiano dos cidadãos.

O presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), Tiago Oliveira, colocou o dedo na ferida que é muito mais grave e aberta do que apenas na relação das autarquias com os bombeiros. Vai ser preciso coragem do poder central para que os municípios, parte deles, deixem de ser destruidores de dinheiro e passem a contribuir para a qualidade de vida dos seus munícipes. Valia a pena que os autarcas revisitassem o papel que desempenharam no passado, quando criaram infraestruturas fundamentais e usaram formas de o mostrarem em eleições – lembro-me, por exemplo de um mural feito em campanha eleitoral.

Há novas infra-estruturas e políticas que são urgentes e que podem ser concretizadas com qualidade e eficácia pelas autarquias. Para isso há legislação que tem de mudar, que altere os incentivos perversos que existem na formação das taxas cobradas. E há autarcas que têm de se concentrar mais nas necessidades dos seus munícipes. Tiago Oliveira apenas pecou por defeito e devíamos aproveitar esta oportunidade para mudar o muito que hoje corre mal nas autarquias. Não pode ser um tabu alertar para os problemas.

NA: Umas boas férias. Até dia 5 de Setembro

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COMENTÁRIOS (de 6)

Fernando Cascais: Por falar em bombeiros. Aqui no último grande incêndio em Cascais, passaram-se coisas mirabolantes, se bem que foi no rescaldo do dia seguinte que a grande dúvida me assolou. Na noite do incêndio, quando este se chegava a uns barracões, dois meus amigos combateram-no afincadamente toda a noite com as mangueiras domésticas que tinham à mão. Os bombeiros, esses, tinham dois carros parados junto ao local, e, quando os meus amigos lhes foram pedir ajuda, estes responderam que estavam à espera de ordens superiores para poderem intervir. Felizmente que os meus amigos fizeram bem o trabalho de bombeiros e travaram o fogo na periferia dos seus barracões. No dia seguinte, ao fim da tarde saí com o meu cão para as necessidades de fim do dia e aproveitei para ir ver até onde tinha chegado o incêndio na Ribeira das Vinhas. Às tantas passei por um carro dos bombeiros estacionado no trilho de prevenção. Acho que eram 4 bombeiros a espreguiçar-se quando passei. Na volta, com o cachorro sempre um pouco à frente a cheirar o caminho vi o “Unimog” dos bombeiros arrancar em grande velocidade e não fosse o cachorro se ter desviado daquela besta ao volante e tinha ficado debaixo do carro. Levantei os braços quando o carro passou por mim como a perguntar: - então pah? A resposta foi um sorriso absurdo do condutor a mostrar que era um esgrouviado ao volante. Dei por mim a pensar quem é que escolhe ir para bombeiro? Uma pessoa escolhe ser médico, cozinheiro ou padre porque sente uma vocação para curar os doentes, confeccionar os alimentos ou rezar missas, todavia, um sujeito escolhe ser bombeiro porquê? Porque gosta de apagar fogos, das sirenes, de fardas e de camiões vermelhos? São gostos perturbadores. Resumindo, as pessoas tem que escolher ser bombeiros não por hobby mas pelo ordenado e condições de trabalho que a profissão oferece e que lhes possa garantir uma vida digna. Profissionais sim, amadores nem deviam entrar no quartel. Por alguma razão em outros países ser bombeiro não é para quem quer, é para quem consegue

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