- 194 - ao texto de Alberto Gonçalves, uns de contestação furibunda, em que não alinho, outros de aprazível agrado e riso de admiração pelo sentido crítico, numa expressão de requinte e saber, e nesses eu alinho. Mas A. G. não requere nem doestos nem louvores, ele se basta.
Uma resposta a António Araújo e Miguel Nogueira de Brito
O
clima preocupa-me imenso, o clima de intolerância que, na “ecologia” e no que
calha, assombra as sociedades que já foram comparativamente livres. Esse clima
preocupa-me. O outro não.
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 05
ago. 2023, 00:21194
Há
quinze dias, escrevi aqui sobre a histeria em redor do clima. Há oito dias,
dois juristas, António Araújo e Miguel Nogueira de Brito, escreveram aqui sobre
a minha legitimidade em fazê-lo. Ambos acham que não tenho nenhuma. O texto dos
juristas Araújo e Brito coloca-me uma pergunta, e aliás intitula-se “Uma pergunta
a Alberto Gonçalves”. Mas não espera propriamente uma resposta, que
de qualquer maneira, e na absoluta falta de temas apetecíveis para esta semana,
aproveito para dar. Vamos por partes.
Os
juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito fingem inquietar-se com o
seguinte pedacinho do meu artigo: “Por mim, não sei se o mundo está a
aquecer ou a arrefecer. Não sei se qualquer das hipóteses nos é alheia ou
provocada pelo homem, essa excrescência que convém extirpar à natureza. Não sei
se, a provar-se, a influência antropogénica tem retorno, e o que é que,
descontado o folclore, o retorno implica.”. Modéstia à parte, o pedacinho
parece-me claro e pouco propenso a equívocos. Ainda assim, os juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito exigem explicações: querem saber “que fontes ou
trabalhos” me “permitem sustentar a afirmação ‘por mim, não sei se o mundo está
a aquecer ou arrefecer’ “. Querem eles e, embora eu não tenha visto a procuração,
querem “os leitores do jornal Observador”, que os juristas António Araújo e
Miguel Nogueira de Brito invocam talvez com ligeiro abuso.
A
julgar pelos duzentos e tantos comentários às duas crónicas, a minha e a dos
juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito, os leitores do Observador não
são tão limitados na interpretação de textos quanto os juristas António Araújo
e Miguel Nogueira de Brito sugerem. A vastíssima maioria dos comentários mostra
que os leitores perceberam as minhas dúvidas e não perceberam as dúvidas deles.
As minhas dúvidas relativas ao aquecimento ou o arrefecimento da Terra – e
desde já esclareço os juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito –
prendem-se evidentemente com o pormenor de que “o esmagador consenso científico”
a que os juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito aludem andar pelo
menos há meio século a mudar regularmente de opinião, sendo o único aspecto
coerente e imutável a necessidade de assustar as massas. As “fontes ou
trabalhos” que exibem esta esquizofrenia são acessíveis a quem as pesquisar,
incluindo, caso o tempo escasseie ou a preguiça sobeje, no Google.
Nem
por um instante me ocorre que os juristas António Araújo e Miguel Nogueira de
Brito desconheçam as virtudes e a mecânica do Google. O que me ocorre, repito,
é que tudo isto não passe de um pretexto para os juristas António Araújo e
Miguel Nogueira de Brito dizerem o que de facto lhes interessa dizer: “A
questão que o texto do cronista Alberto Gonçalves nos suscita é, pois, a de
saber se é ainda hoje aceitável fazer público alarde da ignorância sobre um
tema como o das alterações climáticas ou emitir opiniões sobre questões de
ciência com base em meros palpites, ‘bitaites’ ou ‘achismos’, os quais poderão
ter graça, para quem aprecie o género, mas são, ou podem ser, enganadores e
equívocos e, pior ainda, deturpadores da verdade científica.” O que os move é, pois, o perigo da liberdade de
expressão, uma coisa pavorosa que permite às pessoas discordar da ONU, de “governos
de todo o mundo”, de uma “verdade científica” recorrentemente reformulada e, pior,
discordar dos juristas António Araújo
e Miguel Nogueira de Brito.
Para os juristas António Araújo e
Miguel Nogueira de Brito, a ciência é um domínio esotérico, apenas acessível a
uma elite que abarca, entre invulgares sumidades, licenciados em direito e o
eng. Guterres. Os reles mortais, mesmo que confrontados com as radicais
inversões de marcha do “esmagador consenso científico”, são, ou deviam ser,
obrigados a engolir, de preferência com gosto, a ortodoxia estabelecida nos dez
minutos anteriores. É
engraçado que se insinue a ignorância alheia enquanto se fornece comoventes
indícios da própria: os juristas António Araújo e Miguel Nogueira
de Brito não estão a par das sucessivas contradições no discurso “climático”? Nunca repararam na facilidade com que um
“consenso” atropela o “consenso” anterior? Não têm ideia da quantidade de
ocasiões em que se espalharam ao comprido as previsões do Apocalipse? Se,
conforme suponho, os juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito possuem
nem que seja uma vaga noção dessas incongruências, não se envergonham de as
omitir e publicar “palpites, ‘bitaites’ ou ‘achismos’”? Será possível que as
incongruências não lhes suscitem alguma estranheza, uma pontinha de reserva, um
grau, ºC ou ºF, de cepticismo?
Aparentemente,
é possível. À semelhança de muitos, os juristas António Araújo e Miguel
Nogueira de Brito repetem dogmas com a subserviência dos fiéis e, não
satisfeitos, farejam as heresias que denunciam os incréus. Infelizmente, são
exemplares comuns de uma seita numerosa. O que abunda por aí são emissários
milenaristas, muitíssimo empenhados em mudar o nosso modo de vida e, acredito
piamente, também o deles: não ponho a hipótese de, após tamanha demonstração de
zelo ambiental, os juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito
recorrerem a combustíveis fósseis e crimes similares. Em nome da coerência,
imagino-os até a comer larvas, comunicar por pombos e viajar de burro com
albarda. E a preencher as insónias com visões do boletim meteorológico pintado
a cor de fogo.
Os
juristas António Araújo e Miguel Nogueira de Brito são gente angustiada, a
ponto de, no final do artigo, confessarem que gostariam de partilhar a minha
despreocupação face ao clima. Como os
seus mentores, enganaram-se mais uma vez. O clima preocupa-me imenso, o clima
de intolerância que, na “ecologia” e no que calha, assombra as sociedades que
já foram comparativamente livres. O clima de censura em que pequenos
inquisidores decidem o que é “desinformação” e a calam de seguida. O clima de
medo em que se reprime a ofensa, o desvio, a graça, a excentricidade. O clima
de virtude beata e pura fancaria. O clima de desumanidade, enfim. Esse clima
preocupa-me. O outro não.
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS CLIMA
AMBIENTE CIÊNCIA
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