sábado, 26 de agosto de 2023

Certo, mas…


Eu achei motivos suficientes para me envergonhar com a ida do nosso PR à Ucrânia – a questão do arrojo na visita guiada às trincheiras, a dar trabalho a gente em guerra, (tal como fizera no Brasil, ao nadar num sítio perigoso, salvo erro, com tubarões, impondo uma vigilância desnecessária…) a oferta – recusada – de uma condecoração portuguesa a Zelensky – a própria visita em si, significativa de despesas nacionais, como se fosse uma “mais valia” para os Ucranianos em sofrimento, o discursos de trapalhada, um dos quais em ucraniano, num falso “in extremis” exibicionista, e a televisão portuguesa seguindo-lhe reverentemente os passos para português ver, - se não também o resto do mundo, este ironicamente indiferente, suponho, tendo mais que fazer…

Quanto a Biden, penso que ele tem sido um grande apoio para a Ucrânia, e a sua visita à Polónia foi bem expressiva da gratidão de todos… enfim, da maioria. Será que o nosso PP o quis imitar? Oh Senhores!

O Ocidente é uma loucura

O que, pelo Ocidente afora, antes era grotesco e inadmissível tornou-se indiferente, talvez até desejável. É possível haver outros motivos para a queda das civilizações, mas este é bastante plausível.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR, 26 ago. 2023, 00:219

Suponho que os elogios ao passeio ucraniano do prof. Marcelo se devem menos à excelência do comportamento do que às expectativas face ao mesmo. Em Kiev, o prof. Marcelo não fez ou disse nada de especial, e isso, por comparação com o que se temia que fizesse ou dissesse, já não foi mau. Note-se que falamos de um homem que passara as semanas anteriores a comunicar com os cidadãos meio despido e a partir da praia. Se descontarmos as prévias mesuras que dedicou ao sr. Lula, que em boa medida comprometem a sinceridade da retórica, o simples facto de o prof. Marcelo ter usado , os próprios discursos (um dos quais em ucraniannoroupa junto ao sr. Zelensky chegou para emprestar uma apreciável dignidade à visita. Se somarmos ao traje protocolar a ausência de rábulas, “selfies”, afirmações esdrúxulas e demais folguedos, a visita correu com uma normalidade que, nos dias que correm, não é normal.

Infelizmente, a visita à Ucrânia não permitiu esquecer o que é normal no prof. Marcelo, leia-se uma noção peculiar do cargo que ocupa desde 2016, e que ocupa com a irresponsabilidade e a jovialidade do entertainer que essencialmente é. Para ele, a chefia do Estado é uma oportunidade de executar em escala maior os números que o celebrizaram no jornalismo, na política e principalmente na televisão. O país não conta, e os catastróficos danos que o governo inflige ao país também não deviam contar. Tudo são maçadas, ligeiros obstáculos a que o prof. Marcelo possa exibir o seu brilho e receber a popularidade de que se julga merecedor, idealmente sem consequências nem preço. Salvo quando se irrita com os enxovalhos a que o dr. Costa o submete e que ele, com a sua leveza, legitimou, o prof. Marcelo não está ali para se aborrecer, mas para montar um espectáculo e banhar-se na adoração do público.

Ora, ainda que pequenito, eu ainda sou do tempo em que a política, aqui e lá fora, não era apenas um espectáculo, o tempo em que um esboço de sorriso do general Eanes era manchete no dia seguinte, e um desabafo malcriado do dr. Soares era debatido durante semanas. Portugal mudou, e mudou com o mundo: eu sou do tempo em que se achava inconcebível, ou no mínimo um bocadinho esquisito, que um ex-actor de cinema chegasse à presidência dos Estados Unidos. A presidência, nos EUA, em Portugal e em qualquer lugar da Cristandade, era uma coisa séria. Ou que, admito, convinha parecer séria. Fundamentada ou não, havia uma aparência de credibilidade institucional (desculpem). Hoje, não só a própria aparência não é credível como é inacreditável. Que gente é esta que ocupa, ou se candidata a ocupar, os mais elevados postos das nações? Porque é tão ridícula ou simplesmente bizarra? Que dimensão alternativa representa? Quem a escolheu, e tolera, e aplaude?

A resposta à quarta pergunta é óbvia, e desconfio que contém as respostas às três anteriores. A verdade é que, por exemplo em 1985, os EUA eram liderados por Reagan, o Reino Unido por Thatcher, a França por Mitterrand, a Espanha por Filipe González, a Alemanha por Helmut Kohl, o Canadá por Brian Mulroney, etc. E Portugal pelo general Eanes, com Cavaco Silva a disputar-lhe a ribalta. À parte os méritos e os defeitos, variáveis consoante as perspectivas, todos exerciam “adequadamente” as respectivas funções, e todos se mostravam compatíveis com as ditas. Em termos formais, todos aparentavam pertencer aos ofícios a que concorreram. Agora ninguém, ou quase ninguém, cumpre os requisitos: cada um com “características” (o eufemismo do século) particulares, os actuais estadistas distinguem-se pela implausibilidade: não é concebível que algum deles esteja onde está. Porém, todos estão.

Não disponho de espaço nem de paciência para dissecar casos individuais, embora fosse interessante averiguar a que título o primeiro-ministro do Canadá é um ditadorzinho sorridente que posa a envergar o merchandising da Barbie, ou o quanto desceu a França para consagrar um matraquilho do calibre do sr. Macron. Basta olhar o interior da Casa Branca. Aceito a tese de que o último inquilino com “estatura” foi exactamente o tal ex-actor de cinema. Clinton, os Bush e Obama roçavam o admissível. Trump, um fanfarrão cuja grande virtude consiste em enfurecer as pessoas certas (e algumas erradas), ultrapassou o admissível em largas milhas. E Biden, senhores? E Biden?

Não menciono as trapalhadas familiares, que envolvem o filho, ou as políticas, orquestradas pelo muito que sobrou da administração Obama e que oscilam entre o cabaré e o socialismo, com perdão da redundância. Menciono o sujeito, que não sabe onde está, o que diz e o destinatário do que diz. E que tropeça e cai com frequência. E que, sempre que se levanta, desata a caminhar sem direcção discernível. Às vezes, em público, dedica gestos estranhos a rapariguinhas. O sr. Biden é assim aos 80 anos. Se for reeleito, começará o segundo mandato com 82 e, haja saúde, vai terminá-lo com 86. Pelo meio, é altamente previsível que se deixe filmar na sala oval em pelota e com um funil na cabeça, sendo o funil um aperfeiçoamento da indumentária do prof. Marcelo. E isto passa com distinta impunidade nas instituições, nos “media” e nos eleitores, que se preparam para repetir o voto numa criatura incapaz de vigiar um fogão desligado.

Não se entrega o hospício aos malucos por acidente. À semelhança dos pobres congéneres, o sr. Biden tem limitações graves, e a insensibilidade geral às limitações dele comprova as nossas, e as de uma época em que os desvarios são a norma. Eis o problema, que não se resume ao calibre dos titulares do poder e escorre pela sociedade em peso: o que, pelo Ocidente afora, antes era grotesco e inadmissível tornou-se indiferente, talvez até desejável. É possível haver outros motivos para a queda das civilizações, mas este é bastante plausível. Implausível é a realidade.

OCIDENTE    MUNDO    PRESIDENTE MARCELO    POLÍTICA    JOE BIDEN    ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA    AMÉRICA

COMENTÁRIOS (de 12):

F. Mendes: Muito bom artigo, mais uma vez; e que merece um comentário um pouco mais longo, dos tais que já prometi à Família que deixaria de fazer, dado o tempo a ela subtraído. A comparação entre Biden e Marcelo, suscita reflexão por estes motivos, entre outros:

1. Marcelo é um palerma senil, num país sem importância, em decadência acelerada, e ao qual ninguém liga. Biden, sendo um palerma senil, lidera a primeira potência mundial, com uma economia pujante, uma população relativamente jovem e ambiciosa, e com peso determinante em quase tudo o que se passa neste planeta (já agora, noutros também). Por que motivo(s) são eleitos não sei exactamente, o AG não explica, apontando apenas as potenciais consequências destas anomalias. A diferença é que, com Marcelo, quem se trama somos só nós, Portugueses. Com os Biden e outras nulidades, é quase todo o Mundo Livre, Ocidente incluído.

2. Teorias da conspiração abundam: grande parte dos eleitores não sabe hoje no que vota, ou em quem, optando frequentemente por votar pela negativa. Veja-se o Brexit e também o que aconteceu com as eleições de Biden e Trump. Uma coisa é certa: cada vez mais, as pessoas pensam menos, por menos tempo, com menor qualidade, e sempre envoltas num ruído mediático crescente. As chamadas "redes sociais" promovem a superficialidade, ou, no limite, a indigência mental. Os resultados estão à vista: cada vez mais, não há filtro para quem chega ao poder sem preparação, sentido de serviço público ou de simples decência.

3. Não me sinto confortado com o facto de a falta de qualidade das políticas públicas serem quase generalizadas, nas democracias que sobram. Bem pelo contrário, acho assustador quando, ao apontar o que se passa em Portugal, me respondem que noutros países não é muito melhor. Apesar de tudo, será menos mau; além de que, por Portugal, ainda podemos fazer alguma coisa (ou assim o espero). 

Carla Martins: Tem toda a razão. Os dirigentes são o reflexo do povo. Estamos a caminhar para o declínio da civilização ocidental.

 

Nenhum comentário: