quinta-feira, 23 de maio de 2024

Relíquia


Será para mim este texto, pois quando fui a Monserrate, nos idos de 75 e 76 – e algumas vezes o fiz com familiares ou amigos - só visitei o Parque, o Palácio estando fechado para obras. Por isso agradeço a referência, como se fosse uma relíquia trazida à memória, daqueles tempos em que eu me arriscava a guiar para longe… Sempre achei majestoso e irreal este nome: MONSERRATE.

Sintra em Cinco Séculos: Parque e Palácio de Monserrate

Na encosta da Serra de Sintra, respira-se ar puro e Romantismo, num palácio que reúne influências góticas, indianas e mouriscas, rodeado por um enorme parque, repleto de espécies exóticas.

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https://bordalo.observador.pt/v2/q:84/rs:fill:560/plain/https:/s3.observador.pt/wp-content/uploads/2024/04/17102339/parques-de-sintra-logo.jpgOBSERVADOR, 22 mai. 2024, 12:00

Sir Francis Cook, Baronete e Primeiro Visconde de Monserrate, nasceu em Clapham, nos arredores de Londres, em 1817, no seio de uma família abastada – a empresa do pai era uma das maiores do país na produção e comércio de têxtil. Apesar de se ter dedicado ao negócio da família e de o ter feito crescer ao ponto de se tornar um dos homens mais ricos do Reino Unido, Francis Cook foi mais do que um capitalista bem-sucedido: foi também um homem das artes, detentor de uma relevante coleção de pintura e escultura e o responsável pela construção de uma das mais singulares propriedades em Portugal: o Parque e o Palácio de Monserrate.

Mas a história de Monserrate não começa nem acaba com Cook, apesar do seu inevitável protagonismo. A sua origem remonta ao século XVI, mais precisamente ao ano de 1540, quando, vindo de uma peregrinação ao famoso Mosteiro de Montserrat, na Catalunha, o reitor do Hospital de Todos os Santos, Frei Gaspar Preto, manda ali edificar uma capela dedicada a Nossa Senhora de Monserrate – vem daí o nome que ficará, para sempre, associado à propriedade. À época, esta era conhecida por Quinta da Bela Vista e tinha propósitos essencialmente agrícolas, cuja produção se destinava, sobretudo, ao consumo no Hospital.

No século seguinte, já sob a designação Quinta de Monserrate, a propriedade é aforada a uma família da nobreza, os Mello e Castro, que passam a administrá-la à distância, por procuradores, a partir da sua residência em Goa. Não passavam, que se saiba, grandes temporadas na Quinta e ainda bem, já que o terramoto de 1755 se faz sentir, e de que maneira, em Monserrate, provocando estragos avultados nas estruturas existentes no local.

É no final do século XVIII, e apesar do mau estado da propriedade, que começa o chamado ciclo inglês de Monserrate. Em 1789, os Mello e Castro arrendam a propriedade a Gerard de Visme, um comerciante e banqueiro inglês radicado em Lisboa, que fizera fortuna com o comércio de pau-brasil e que era próximo da corte e do Marquês de Pombal. De Visme é o primeiro a habitar em Monserrate, sobretudo em período de férias, mandando para tal construir um castelo em estilo neo-gótico, com dois torreões, inspirando-se no revivalismo gótico inglês de meados de Setecentos.

Em 1794, de Visme subarrenda Monserrate a outro britânico, William Beckford. Com Beckford, um aristocrata, escritor, músico, homem de talentos e interesses vários, Monserrate ganha fama e encanto entre a elite artística britânica. Beckford não faz alterações significativas à propriedade, mas há elementos desta fase que ainda resistem: um falso cromeleque, uma cascata artificial com o seu nome e o arco de Vathek, em pedra, batizado com o título de um dos seus romances. É durante esta época que o mais famoso dos poetas românticos britânicos, Lord Byron – amigo e correspondente de Beckford –, toma pela primeira vez contacto com Monserrate. Visitará a propriedade anos mais tarde, já em ruína, imortalizando essa visita no poema “Childe Harold’s Pilgrimage”.

O estado decadente de Monserrate não abala o seu estatuto, quiçá até acrescenta. Os visitantes, sobretudo ingleses, continuam a aparecer, atraídos pelo poema de Byron. Um deles, apaixona-se de tal forma pela propriedade que decide arrendá-la: Francis Cook.

Já como proprietário, a partir de 1863, Francis Cook encomenda ao arquitecto James Knowles Jr. o projecto de reconstrução do Pálacio, a partir da ruína da mansão de Gerard de Visme. O arquitecto faz jus ao eclectismo e rasgo da era romântica, evocando estilos de outros tempos e latitudes, combinando materiais e técnicas europeias e orientais para criar um Palácio singular, sem esquecer confortos raros à época, como as águas correntes, aquecimento nas salas, luz eléctrica e até um elevador interno que ligava a cozinha e a copa.

O Parque não lhe ficará atrás. O paisagista William Stockdale, o botânico William Neville e o mestre jardineiro James Burt criam cenários mágicos ao longo dos mais de 30 hectares da propriedade, com espécies de todo o mundo em convívio com outras autóctones, a rodearem caminhos estreitos, ruínas e lagos. Destacam-se, por exemplo, o Jardim do Japão, e sua colecção de bambus e camélias, o Vale dos Fetos (arbóreos), o primeiro relvado plantado em Portugal ou a enorme Araucária de Norfolk, a maior árvore de todo o jardim, com mais de 50 metros de altura.

É neste cenário, abrilhantado no interior do edifício por obras de arte de todo o mundo, que Francis Cook e a família passam férias e organizam festas memoráveis. O seu trabalho e filantropia em prol da comunidade local, fundando escolas e apoiando a Misericórdia valem-lhe o título de Visconde de Monserrate, atribuído pelo rei D. Luís I.

Francis Cook morre no início do século XX, em 1901. Os seus descendentes mantêm a ligação a Monserrate até 1929, altura em que a família, seriamente afectada pela crise provocada pelo crash da bolsa de valores de Nova Iorque, decide desfazer-se da propriedade. Após várias tentativas de venda por parte dos Cook, o Governo Português adquire  o Parque e Palácio de Monserrate em 1949.

Em 2000, a Parques de Sintra passa a gerir Monserrate, reabilitando coberturas, fachadas e todas as infraestruturas necessárias à reabertura do palácio, que acontece em 2010. Os trabalhos continuam por mais alguns anos, focados, sobretudo, no interior do edifício. Hoje, Monserrate apresenta-se com o brilho de outros tempos e a Parques de Sintra está apostada na sua musealização, com a aquisição de peças que evoquem a colecção de arte e a vivência da família Cook.

Para ficar a saber mais histórias sobre o Parque e o Palácio de Monserrate, oiça aqui   episódio dedicado no podcast Sintra em Cinco Séculos, com os convidados António Nunes Pereira (director dos Palácios geridos pela Parques de Sintra), Mariana Schedel (conservadora da Parques de Sintra) e Elsa Isidro (arquitecta paisagista, responsável pelo Parque de Monserrate).

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