Utilizarei os de PAULO SILVA – em repetição – por me
parecerem de excelente apoio à excelente Crónica de ALEXANDRE BORGES sobre o que por aí vai de papagueio
indecoroso a respeito de valores fundamentais para o respeito próprio ou mesmo só para o próprio Respeito, como entidade de consciência, a preservar pelos seres que se definem como tendo-a.
PAULO SILVA: A ‘falta de memória’ que o articulista refere será antes metáfora para falta de vergonha na cara e má-fé, mas o discurso relativo ao 25 de Novembro de pessoas como Raquel Varela não é novidade nenhuma para ninguém, nem tem nada a ver com as actuais guerras culturais. Essa data representa a derrota dos energúmenos que queriam implantar uma ‘democracia popular’ neste país... No entanto com os fautores do 25 de Novembro a continuarem a falar em ‘construção do socialismo’, e uma constituição que proíbe partidos ditos fascistas, enquanto dá carta branca aos extremismos de esquerda, não se pode dizer que tenha sido uma vitória plena da Democracia, muito menos da Direita, (para todos os extremistas de esquerda, PCP incluído, tudo o que esteja à sua direita é Direita). Longe disso… Os derrotados do 25 de Novembro, à excepção dos futuros FP-25, aceitaram jogar as regras do jogo democrático por puro tacticismo, porque no fundo do coração continuam a apertar ‘ditaduras do proletariado’ ao peito... Sejam eles filhos de Lenine, Estaline, Mao ou de Trotsky, (o organizador do exército vermelho que também dirigiu o massacre de Kronstadt); o caso da Varela. O seu discurso é já tão gasto que só pode ser tolerado por nostalgia ou por piedade…
Pushkin e os comprimidos para a memória
Ter um resto de memória não será
apenas cada vez mais importante; será vital. A diferença entre liberdade e
servidão. Precisamos de clínicas para a memória, spas, ginásios para a memória.
ALEXANDRE BORGES Escritor e argumentista
OBSERVADOR, 09
mai. 2024, 00:181
Tem sido notícia na imprensa internacional dos últimos meses:
edições raras de livros de Pushkin andam a desaparecer das bibliotecas de toda
a Europa. O primeiro alerta veio da Biblioteca Diderot, em Lyon, de onde
se evaporaram, em Julho passado, vários manuscritos do poeta russo, incluindo
um que terá pertencido ao czar Boris Godunov, avaliado em 70 mil euros. No
Outono, foi a Biblioteca Nacional de Paris: uma janela partida no departamento de Línguas
Orientais servia de antecâmara à descoberta de que 11 preciosas primeiras
edições tinham sido substituídas por réplicas de alta qualidade. Há dias, o New York Times fazia o ponto de situação do
saque: mais de 170 obras desaparecidas de França, Alemanha,
Finlândia, Letónia ou Polónia. Só da Biblioteca da Universidade de Varsóvia
foram 78. Prejuízo financeiro avaliado em mais de 2,6 milhões de euros. Mas
este não se trata, obviamente, de um crime económico.
O caso tem, por todas as razões, um
certo charme literário: num
mundo onde, do email de phishing à
invasão de países soberanos, quase tudo parece mover-se por dinheiro, eis um ladrão de casaca apaixonado por
livros. Lamentavelmente, o encanto não resiste a uma
leitura um pouco mais demorada: é
possível que, por trás da guerra e do roubo das bibliotecas, esteja afinal um e
o mesmo homem… É que Pushkin,
poeta lido, no seu tempo, como um herói
da oposição ao czar, é hoje um dos predilectos nos discursos de Putin. E
enquanto a Rússia
precisa de símbolos unificadores,
na Ucrânia, pelas razões inversamente proporcionais, deitam-se abaixo
estátuas e bustos e arrancam-se as placas de ruas e praças em nome do pobre
poeta Aleksandr, romântico
que morreu aos 38 anos num duelo para o qual desafiara o amante da mulher, e
que nada devia ter a ver com isto.
Num momento em que muito se discute o tema das “reparações históricas”
e se procura responsabilizar aqueles que, hoje, pisam a face da Terra, pelo que
fizeram os que por cá andaram séculos antes, é igualmente absurdo querer, à
força, que os nossos antepassados legitimem os nossos actos. Como se soubessem de antemão o que iria
acontecer. Como se Pushkin, algum dia, antes, depois ou durante os diferendos
com a esposa Natalya, pudesse ter escrito os seus versos antecipando o mundo em
que viveríamos 200 anos mais tarde. Em resumo: tão ou mais ridículo do
que querer que o presente pague pelos crimes do passado, é pretender que o
passado responda pelos pecados do futuro.
O Alzheimer e outras doenças neuro degenerativas
são cada vez mais uma dificuldade que temos de enfrentar, à medida que vivemos
vidas cada vez mais longas. Estudos abundantes já documentam os efeitos destruidores do uso excessivo
dos ecrãs na nossa memória, bombardeada com informação a uma velocidade a que não consegue
reter, e empobrecida pelo exercício imediato de se procurar nos motores de
busca aquilo que, com ligeiro esforço, descobriríamos, mais minuto, menos
minuto, num qualquer cómodo do vasto apartamento das nossas cabeças. Deep
fakes e outros truques de inteligência artificial vão tentar dobrar, cada vez
mais, a nossa percepção do que realmente acontece e aconteceu. Sim, ter um
resto de memória não será apenas cada vez mais importante; será vital. A diferença entre liberdade e servidão. Precisamos de clínicas para a memória, spas para a memória,
ginásios para a memória, teambuildings, bootcamps e outros estrangeirismos cool,
tudo quanto possa ajudar a fazer durar a memória, como um animal raro que se
protege da extinção.
Por cá, no Expresso da semana
passada, Raquel Varela escreve que o 25 de Novembro foi “um golpe de
Estado à direita”, liderado por Ramalho Eanes e Mário Soares, “contra a
democracia no trabalho” e “a dualidade do poder popular” (o que quer que isso
seja), recuperado hoje pela “nova extrema-direita”, para dentro da qual atira,
indistintamente, Iniciativa Liberal e Chega, que cataloga de “plêiade
ultraliberal e hiperconservadora” – o que não surpreende, a partir do momento
em que percebemos estar a falar com alguém para quem, pelos vistos, até Mário
Soares era um perigoso direitolas.
Vale a pena lembrar, que nas eleições
para a Assembleia Constituinte o PCP não foi além dos 12% dos votos e, nas de
1976, dos 14. Serve isto para refrescar a memória a quem precise ou acabar com
a ingenuidade aos que imaginem um grande movimento “revolucionário” que tivesse
sido travado pelo 25 de Novembro. O
povo, aquele que existe mesmo e não o que abunda na boca dos “revolucionários”,
falou antes e depois do 25 de Novembro, e em ambos os casos escolheu,
esmagadoramente, as forças políticas que o fizeram ou apoiaram.
Não me preocupa que alguém escreva
nos jornais o que Raquel Varela escreve, sobretudo quando divide a página com
uma contraparte que expõe, precisamente, a posição contrária. A isso chama-se
democracia, liberdade, pluralismo de opinião, tudo coisas que não existiriam se
os derrotados do 25 de Novembro, que a autora tanto parece apreciar, tivessem
vencido. O
que me preocupa é que quem escreva isto assine como professora da Universidade
Nova de Lisboa e que, portanto, possamos legitimamente suspeitar que este seja
o tipo de reescrita da História que se ande a ensinar também por cá, nas nossas
universidades – e logo nas públicas. Afinal, nem só na academia americana há
guerras culturais nem na China campos de reeducação. A questão já chegou aqui
e, em poucos anos, deveremos ter os resultados à vista. Pelos vistos, nem
sempre é por ignorância que as novas gerações desconhecem o passado; é mesmo
por educação.
COMENTÁRIO:
Paulo Silva: A ‘falta de memória’ que o articulista refere será antes metáfora
para falta de vergonha na cara e má-fé, mas o discurso relativo ao 25 de
Novembro de pessoas como Raquel Varela não é novidade nenhuma para ninguém, nem
tem nada a ver com as actuais guerras culturais. Essa data representa a derrota
dos energúmenos que queriam implantar uma ‘democracia popular’ neste país... No entanto com os fautores do 25 de Novembro a continuarem
a falar em ‘construção do socialismo’, e uma constituição que proíbe partidos
ditos fascistas, enquanto dá carta branca aos extremismos de esquerda, não se
pode dizer que tenha sido uma vitória plena da Democracia, muito menos da
Direita, (para todos os extremistas de esquerda, PCP incluído, tudo o que
esteja à sua direita é Direita). Longe disso… Os derrotados do 25 de
Novembro, à excepção dos futuros FP-25, aceitaram jogar as regras do jogo
democrático por puro tacticismo, porque no fundo do coração continuam a apertar
‘ditaduras do proletariado’ ao peito... Sejam eles filhos de Lenine, Estaline,
Mao ou de Trotsky, (o organizador do exército vermelho que também dirigiu o
massacre de Kronstadt); o caso da Varela. O seu discurso é já tão gasto que só
pode ser tolerado por nostalgia ou por piedade…
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