É deste modo que se vão fabricando bons articulistas, cada um vai criando o seu próprio carisma literário, que agradará mais ou menos, mas que distingue cada qual, proporcionando prazer ou desagrado. Marcelo R.S. foi dos que, como comentador despachado pareceu orador ilustrado e, sobretudo, convicto, mas, de facto, por não ter opositor quando era figura de entrevistado exclusivo, e por isso sempre escutado com reverência, o que o projectou à presidência da República, na medida das suas ambições. Mas hoje divaga, tortuosamente, no cargo para que ascendeu, com a esperteza açucarada de um egocêntrico sem pejo. Terá imitadores, de que trata Alberto Gonçalves, que, contudo, homenageia os comentadores como Rui Ramos, com a sua escrita decisiva, que deixa pouca margem ideológica para outros comentadores. Mas não importa isso, pois que cada comentador, com o seu discurso próprio, encanta à sua maneira, e Alberto Gonçalves pertence bem a esses que se distinguem pelo conteúdo e pela forma dos seus escritos, que, sim, parecem sérios e libertos de ambições, outras que não as da escrita e observação dos nossos costumes limitadinhos...
A esperteza saloia
De uma figura pública que de tudo parecia
dar conta nas suas entrevistas semanais, por não ter quem o confrontasse, foi,
de facto, ponto de arranque para a função política que veio a exercer, de mais
alto dignitário da nação, que hoje em dia continua a vibrar sozinho aos comandos,
colhendo o fruto de uma senilidade eivada de juventude perpétua ou antes de juvenilidade
perpetuamente senil que o povoléu aplaude e gravav
Informação diferenciada, público
qualificado
Os políticos que não ganharam
vergonha de repente, andam de estúdio em estúdio a preencher os “conteúdos” que
não estão preenchidos com jovens “comentadores” mortinhos por imitar-lhes o
percurso.
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 04 mai. 2024, 00:19
A desvantagem de escrever no dia em que
sai a crónica do Rui Ramos é que, se o tema coincide, o essencial ficou
esgotado. Resta-me, que remédio, o acessório. Esta semana, a crónica do Rui
chama-se, e versa, “Políticos e comentadores”. Como “prefiro”, no sentido
científico do termo, os que saem do primeiro ofício para o segundo, despacho
num parágrafo os que saem do segundo ofício para o primeiro. Segue-se o
parágrafo.
Comentadores
que “sobem” – estranha ideia – a políticos deixam uma impressão de que tudo o
que diziam na carreira anterior não era necessariamente o que pensavam e sim o
que favorecia as hipóteses de “promoção” à carreira com que no fundo sonhavam. Em
abundantes casos, que não se esgotam no cidadão que teoricamente desempenha as
funções de presidente da República, não é apenas uma impressão. O único mérito é que o prof. Marcelo
dispensou intermediários e foi logo directamente aos eleitores. O normal é ver “comentadores” que passam
anos a bajular determinado partido ou amo até que o partido ou o amo os
convoque para um cargo qualquer. E há “comentadores” que nunca chegam a ser
convocados, mesmo que troquem de partido e de amo, e por muito que carreguem na
vassalagem a todos. Cada um expõe-se às figuras que quer. O facto é
que, excepto para a Autoridade
Tributária, o jornalismo de opinião não devia confundir-se com prestação de
serviços. Quando se confunde, os serviçais não prestam.
Os políticos que se mudam para o
comentário, ou que acumulam, são outra história. Há uma
dúzia de anos, a Sábado ouviu a estupefacção de vários correspondentes da
imprensa estrangeira em Portugal acerca do fenómeno. O fenómeno, pelo menos na dimensão em causa e fora do Terceiro
Mundo, é quase um exclusivo nacional, à semelhança dos caretos de Podence e dos
bolinhos de bacalhau. E com tendência para agravamento: comparada com
2024, o panorama em 2012 era um sossego. Suponho que, mediante a habituação às
excentricidades locais, e sobretudo após o recente jantar com o presumível
chefe de Estado, os correspondentes já não se espantem com nada do que acontece
por cá. Mas o que acontece é espantoso.
Por estes dias, decorre o lançamento de
um novo canal televisivo. “O Now”, reza a publicidade do tal canal, “aposta numa informação diferenciada para
os públicos mais qualificados”. Caramba! Por instantes,
uma pessoa obviamente qualificada sente-se a fervilhar de expectativa com a
prometida diferenciação. Só por instantes. Depois vem a realidade e os trunfos
que se anunciam não são programas sérios de reportagem, a produção de
documentários que exigem vagar e dinheiro, o escrutínio incansável e corajoso
do poder. Não, senhor. Os trunfos são as
contratações de António Costa, Rui Rio, Fernando Medina, Cotrim Figueiredo e
dois deputados do PSD, além de um cardeal ligado aos futebóis e a bastonária
dos advogados. Isto por enquanto, que em nome da pluralidade haverá tempo para
arregimentar actuais ou antigos dirigentes do BE, do PCP, do Chega, do Livre e
quiçá do PAN. Juntas ou separadas, tais sumidades vão comentar a actualidade.
Ou melhor: vão fingir que a comentam.
Na verdade, os drs. Costa, Rio, Medina e companhia ilimitada vão
defender os respectivos partidos, ou mais exactamente as facções partidárias
que representam ou lideram, ou, ainda com maior exactidão, os seus interesses
pessoais. Em suma, não vão
fazer comentário: vão fazer política. A coisa é tão absurda quanto um espaço
de “true crime” cujos apresentadores, em vez de analisarem assaltos e
homicídios, cometessem os crimes em directo. Porém, em Portugal o
absurdo transformou-se na norma.
A principal consequência desta mistela
não é a depreciação da política, um meio que por definição não tem demasiado
por onde encolher em matéria de dignidade. Os raros políticos com
relevo e vergonha na cara (lembro-me
de Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, António José Seguro),
mantiveram-na e foram às suas vidas. Os
restantes não ganharam vergonha de repente, e andam de estúdio em estúdio a
preencher os “conteúdos” que não estão preenchidos com jovens “comentadores”
mortinhos por imitar-lhes o percurso.
O problema nem sequer é este simulacro
“informativo” – diferenciado, não se esqueçam – ridicularizar a informação e
o próprio jornalismo, o qual, apesar
de inúmeros antecedentes questionáveis, nem sempre se reduzia a tempos de antena pessimamente disfarçados por troca
com subsídios que nem se disfarçam.
Para explicitar o problema é inevitável
citar o Rui Ramos: “O político que continua a fazer política quando é
comentador degrada a confiança na comunicação social, onde as direcções editoriais
deixam que sirva ao público, como “análise”, o que é intriga partidária.” Acrescento:
e o público, ou a qualificadíssima maioria, engole a intriga sem hesitações e,
em situações terminais, com gosto. Esse é que é o problema.
COMUNICAÇÃO SOCIAL MEDIA SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (de 54):
José Paulo C
Castro: Acima de tudo, são péssimas
contratações, as do Now. Eu não quero ouvir os comentários de A. Costa, mas os
de Vitor Escária. Eu não quero ouvir os comentários de Rui Rio mas os do
contabilista do PSD. Eu não quero ouvir os comentários de Fernando Medina mas
sim os de um ex-membro do Conselho de Finanças Públicas ou de alguém que tenha
trabalhado na UTAO. Ou mesmo de algum ex-funcionário da CML que tenha tido
interações com a embaixada russa. Estes canais de informação não sabem inovar. F. Mendes: Um artigo interessante. Mas,
fiquei sem perceber por que diacho os políticos que passam a comentadores,
seriam menos intoleráveis do que os que fazem o percurso inverso; isto, mesmo
tendo em conta a tragédia nacional representada no bizarro personagem
corporizado no Marcelélé da Cuca. O pior, é que muitos acumulam e são péssimos
no que fazem, escrevem, pensam ou dizem. Isto, além dos constantes ziguezagues
entre tarefas, o que leva o cidadão comum a perguntar se existe real separação
de actividades. E, de facto, não há. Numa palavra, estamos tramados, tanto mais
que a nossa economia se está a tornar uma actividade de saque, perpetrada por
algumas corporações poderosas e por um Fisco que rouba sem rebuço, para
suportar as respectivas benesses parasitárias. Maria
Tubucci: Tudo muito certo Sr. AG, mas há um ligeiríssimo equívoco. Os verdadeiros
políticos tratam da coisa pública, o que temos são empresários de opinião, que
trabalham em proveito próprio. Estes espécimes crescem na sombra e na penumbra
e vão florir para as TVs, onde se vendem. Vendem uma imagem que não é a deles,
vendem a voz do dono, ao melhor preço pois é isso que lhes enche a carteira.
Simultaneamente aproveitam para lavar a imagem: de incompetentes, de corruptos
e de nulidades, que foram como políticos. Antigamente dizia-se que a
comunicação social era o 4º poder, actualmente acho que é simplesmente a
lixeira do poder, ou melhor a reciclagem do poder, mas excesso deste lixo
tóxico acabará por descredibilizar o jornalismo, pois nem sequer é jornalismo
de opinião é propaganda e desinformação. Ana Luís da
Silva: O contra-ataque dos socialistas já se começa a delinear: através dos seus
“comentadores”, lobos disfarçados de cordeiros, querem realizar a lavagem
cerebral dos eleitores sem contraditório através do enviesamento dos factos
políticos, minando de fora a AD, enquanto na frente institucional, dentro da
AR, minam os passos dos sociais-democratas. Propaganda será a palavra de ordem
do PS. Aliada ao desgaste no parlamento. Montenegro pensou que tinha tempo (que não tem) para
mostrar resultados ao eleitorado e escolheu mal o adversário a quem colocou as
linhas vermelhas. E como a escolha foi sua ou assim foi assumida, não poderá
vitimizar-se depois e pedir ao povo que em eleições antecipadas lhe dê uma
maioria absoluta. Poder até pode, mas não vai convencer. Ironicamente o PS só
se irá refrear em relação à AD com uma votação expressiva do CHEGA nas
eleições-teste europeias, pois não sabe ainda lidar (não tem experiência) com
este adversário novo de direita, que é tudo menos “fofo”, politicamente
correcto ou manipulável. Álvaro
Venâncio: Excelente artigo, total e perfeito. António Rocha Pinto: Glorioso SLB Veja melhor... J. D.L: Como dizia o outro, eles só sabem é falar. Sejam comentadores, sejam políticos... Os que sabem fazer, esses... Maria Emília Ranhada Santos: Neste preciso
momento, existe uma avalanche de comentadores, porque é o que está a dar! Não
importa o tipo de comentários, mas importa sim, ajudar a crescer a narrativa
mentirosa dos senhores donos do mundo! Isso sim, que rende!...
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