sábado, 4 de maio de 2024

Felizmente

 

É deste modo que se vão fabricando bons articulistas, cada um vai criando o seu próprio carisma literário, que agradará mais ou menos, mas que distingue cada qual, proporcionando prazer ou desagrado. Marcelo R.S. foi dos que, como comentador despachado pareceu orador ilustrado e, sobretudo, convicto, mas, de facto, por não ter opositor quando era figura de entrevistado exclusivo, e por isso sempre escutado com reverência, o que o projectou à presidência da República, na medida das suas ambições. Mas hoje divaga, tortuosamente, no cargo para que ascendeu, com a esperteza açucarada de um egocêntrico sem pejo. Terá imitadores, de que trata Alberto Gonçalves, que, contudo, homenageia os comentadores como Rui Ramos, com a sua escrita decisiva, que deixa pouca margem ideológica para outros comentadores. Mas não importa isso, pois que cada comentador, com o seu discurso próprio, encanta à sua maneira, e Alberto Gonçalves pertence bem a esses que se distinguem pelo conteúdo e pela forma dos seus escritos, que, sim, parecem sérios e libertos de ambições, outras que não as da escrita e observação dos nossos costumes limitadinhos...

A esperteza saloia

De uma figura pública que de tudo parecia dar conta nas suas entrevistas semanais, por não ter quem o confrontasse, foi, de facto, ponto de arranque para a função política que veio a exercer, de mais alto dignitário da nação, que hoje em dia continua a vibrar sozinho aos comandos, colhendo o fruto de uma senilidade eivada  de juventude perpétua ou antes de juvenilidade perpetuamente senil que o povoléu aplaude e gravav

Informação diferenciada, público qualificado

Os políticos que não ganharam vergonha de repente, andam de estúdio em estúdio a preencher os “conteúdos” que não estão preenchidos com jovens “comentadores” mortinhos por imitar-lhes o percurso.

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR, 04 mai. 2024, 00:19

A desvantagem de escrever no dia em que sai a crónica do Rui Ramos é que, se o tema coincide, o essencial ficou esgotado. Resta-me, que remédio, o acessório. Esta semana, a crónica do Rui chama-se, e versa, “Políticos e comentadores”. Como “prefiro”, no sentido científico do termo, os que saem do primeiro ofício para o segundo, despacho num parágrafo os que saem do segundo ofício para o primeiro. Segue-se o parágrafo.

Comentadores que “sobem” – estranha ideia – a políticos deixam uma impressão de que tudo o que diziam na carreira anterior não era necessariamente o que pensavam e sim o que favorecia as hipóteses de “promoção” à carreira com que no fundo sonhavam. Em abundantes casos, que não se esgotam no cidadão que teoricamente desempenha as funções de presidente da República, não é apenas uma impressão. O único mérito é que o prof. Marcelo dispensou intermediários e foi logo directamente aos eleitores. O normal é ver “comentadores” que passam anos a bajular determinado partido ou amo até que o partido ou o amo os convoque para um cargo qualquer. E há “comentadores” que nunca chegam a ser convocados, mesmo que troquem de partido e de amo, e por muito que carreguem na vassalagem a todos. Cada um expõe-se às figuras que quer. O facto é que, excepto para a Autoridade Tributária, o jornalismo de opinião não devia confundir-se com prestação de serviços. Quando se confunde, os serviçais não prestam.

Os políticos que se mudam para o comentário, ou que acumulam, são outra história. Há uma dúzia de anos, a Sábado ouviu a estupefacção de vários correspondentes da imprensa estrangeira em Portugal acerca do fenómeno. O fenómeno, pelo menos na dimensão em causa e fora do Terceiro Mundo, é quase um exclusivo nacional, à semelhança dos caretos de Podence e dos bolinhos de bacalhau. E com tendência para agravamento: comparada com 2024, o panorama em 2012 era um sossego. Suponho que, mediante a habituação às excentricidades locais, e sobretudo após o recente jantar com o presumível chefe de Estado, os correspondentes já não se espantem com nada do que acontece por cá. Mas o que acontece é espantoso.

Por estes dias, decorre o lançamento de um novo canal televisivo. “O Now”, reza a publicidade do tal canal, “aposta numa informação diferenciada para os públicos mais qualificados”.  Caramba! Por instantes, uma pessoa obviamente qualificada sente-se a fervilhar de expectativa com a prometida diferenciação. Só por instantes. Depois vem a realidade e os trunfos que se anunciam não são programas sérios de reportagem, a produção de documentários que exigem vagar e dinheiro, o escrutínio incansável e corajoso do poder. Não, senhor. Os trunfos são as contratações de António Costa, Rui Rio, Fernando Medina, Cotrim Figueiredo e dois deputados do PSD, além de um cardeal ligado aos futebóis e a bastonária dos advogados. Isto por enquanto, que em nome da pluralidade haverá tempo para arregimentar actuais ou antigos dirigentes do BE, do PCP, do Chega, do Livre e quiçá do PAN. Juntas ou separadas, tais sumidades vão comentar a actualidade. Ou melhor: vão fingir que a comentam.

Na verdade, os drs. Costa, Rio, Medina e companhia ilimitada vão defender os respectivos partidos, ou mais exactamente as facções partidárias que representam ou lideram, ou, ainda com maior exactidão, os seus interesses pessoais. Em suma, não vão fazer comentário: vão fazer política. A coisa é tão absurda quanto um espaço de “true crime” cujos apresentadores, em vez de analisarem assaltos e homicídios, cometessem os crimes em directo. Porém, em Portugal o absurdo transformou-se na norma.

A principal consequência desta mistela não é a depreciação da política, um meio que por definição não tem demasiado por onde encolher em matéria de dignidade. Os raros políticos com relevo e vergonha na cara (lembro-me de Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, António José Seguro), mantiveram-na e foram às suas vidas. Os restantes não ganharam vergonha de repente, e andam de estúdio em estúdio a preencher os “conteúdos” que não estão preenchidos com jovens “comentadores” mortinhos por imitar-lhes o percurso.

O problema nem sequer é este simulacro “informativo” – diferenciado, não se esqueçam – ridicularizar a informação e o próprio jornalismo, o qual, apesar de inúmeros antecedentes questionáveis, nem sempre se reduzia a tempos de antena pessimamente disfarçados por troca com subsídios que nem se disfarçam.

Para explicitar o problema é inevitável citar o Rui Ramos: “O político que continua a fazer política quando é comentador degrada a confiança na comunicação social, onde as direcções editoriais deixam que sirva ao público, como “análise”, o que é intriga partidária.” Acrescento: e o público, ou a qualificadíssima maioria, engole a intriga sem hesitações e, em situações terminais, com gosto. Esse é que é o problema.

COMUNICAÇÃO SOCIAL     MEDIA     SOCIEDADE

COMENTÁRIOS (de 54):

José Paulo C Castro: Acima de tudo, são péssimas contratações, as do Now. Eu não quero ouvir os comentários de A. Costa, mas os de Vitor Escária. Eu não quero ouvir os comentários de Rui Rio mas os do contabilista do PSD. Eu não quero ouvir os comentários de Fernando Medina mas sim os de um ex-membro do Conselho de Finanças Públicas ou de alguém que tenha trabalhado na UTAO. Ou mesmo de algum ex-funcionário da CML que tenha tido interações com a embaixada russa. Estes canais de informação não sabem inovar.      F. Mendes: Um artigo interessante. Mas, fiquei sem perceber por que diacho os políticos que passam a comentadores, seriam menos intoleráveis do que os que fazem o percurso inverso; isto, mesmo tendo em conta a tragédia nacional representada no bizarro personagem corporizado no Marcelélé da Cuca. O pior, é que muitos acumulam e são péssimos no que fazem, escrevem, pensam ou dizem. Isto, além dos constantes ziguezagues entre tarefas, o que leva o cidadão comum a perguntar se existe real separação de actividades. E, de facto, não há. Numa palavra, estamos tramados, tanto mais que a nossa economia se está a tornar uma actividade de saque, perpetrada por algumas corporações poderosas e por um Fisco que rouba sem rebuço, para suportar as respectivas benesses parasitárias.                   Maria Tubucci: Tudo muito certo Sr. AG, mas há um ligeiríssimo equívoco. Os verdadeiros políticos tratam da coisa pública, o que temos são empresários de opinião, que trabalham em proveito próprio. Estes espécimes crescem na sombra e na penumbra e vão florir para as TVs, onde se vendem. Vendem uma imagem que não é a deles, vendem a voz do dono, ao melhor preço pois é isso que lhes enche a carteira. Simultaneamente aproveitam para lavar a imagem: de incompetentes, de corruptos e de nulidades, que foram como políticos. Antigamente dizia-se que a comunicação social era o 4º poder, actualmente acho que é simplesmente a lixeira do poder, ou melhor a reciclagem do poder, mas excesso deste lixo tóxico acabará por descredibilizar o jornalismo, pois nem sequer é jornalismo de opinião é propaganda e desinformação.                     Ana Luís da Silva: O contra-ataque dos socialistas já se começa a delinear: através dos seus “comentadores”, lobos disfarçados de cordeiros, querem realizar a lavagem cerebral dos eleitores sem contraditório através do enviesamento dos factos políticos, minando de fora a AD, enquanto na frente institucional, dentro da AR, minam os passos dos sociais-democratas. Propaganda será a palavra de ordem do PS. Aliada ao desgaste no parlamento. Montenegro pensou que tinha tempo (que não tem) para mostrar resultados ao eleitorado e escolheu mal o adversário a quem colocou as linhas vermelhas. E como a escolha foi sua ou assim foi assumida, não poderá vitimizar-se depois e pedir ao povo que em eleições antecipadas lhe dê uma maioria absoluta. Poder até pode, mas não vai convencer. Ironicamente o PS só se irá refrear em relação à AD com uma votação expressiva do CHEGA nas eleições-teste europeias, pois não sabe ainda lidar (não tem experiência) com este adversário novo de direita, que é tudo menos “fofo”, politicamente correcto ou manipulável.            Álvaro Venâncio: Excelente artigo, total e perfeito.                António Rocha Pinto:  Glorioso SLB Veja melhor...                 J. D.L: Como dizia o outro, eles só sabem é falar. Sejam comentadores, sejam políticos... Os que sabem fazer, esses...               Maria Emília Ranhada Santos: Neste preciso momento, existe uma avalanche de comentadores, porque é o que está a dar! Não importa o tipo de comentários, mas importa sim, ajudar a crescer a narrativa mentirosa dos senhores donos do mundo! Isso sim, que rende!...

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