De orientação para o novo Governo, talvez.
A Habitação de plano em plano
O problema da habitação é um caso
exemplar de falta de coragem política, incapacidade do Estado, enredado na sua
burocracia, e a propaganda, desta vez com défice de comunicação.
HELENA GARRIDO Colunista OBSERVADOR, 14
mai. 2024, 00:2029
Foi há pouco mais de um ano, em
Fevereiro, que o governo de António Costa apresentou o seu “Mais Habitação” que
acabou a sair na Lei em Outubro,
depois de ter gerado uma onda de controvérsia política e danos económicos,
apesar de as medidas mais polémicas terem sido bastante mitigadas. Voltamos à
habitação agora em Maio, com o Governo
de Luís Montenegro a apresentar um
programa que é basicamente uma agenda de trabalho – e, como tal, pouco
detalhada –, com uma estrutura de “paper” académico, com medidas do lado da
procura e da oferta, e nalguns casos com conceitos para entendidos do sector. Quando
olhamos para as medidas, aquilo que se destaca é a falta de coragem política, a
incapacidade do Estado e a necessidade que os governos, todos, têm de mostrar
que estão a fazer alguma coisa, ainda que saibam que as suas acções pouco ou
nada vão garantir mais habitação acessível.
Neste novo pacote de medidas, vale a
pena destacar a que se dirige aos jovens, nomeadamente a garantia pública na
concessão de crédito e a isenção de IMT e Imposto de Selo – e que o Governo
promete concretizar em 15 dias sem se perceber bem como. É uma
medida que apoia os jovens no início da sua carreira, ainda que tenha de ser
bem desenhada para não criar incentivos perversos que conduzam a um aumento da dívida pública
com o respectivo património – que o Estado
não sabe usar.
Outra medida interessante, mas que
tem igualmente riscos é a que se refere à alteração da lei dos solos, desde que
seja muito mais no sentido que lhe deu o ministro da Agricultura quando diz
que “vai ajudar a fixação da população
e não vai prejudicar a agricultura e será usada pontualmente, por exemplo, para
resolver problemas que prejudicam a agricultura”. É o caso quer de
pequenas construções para alfaias como alojamentos para trabalhadores
frequentemente sazonais. Já se entende menos o que disse o ministro das
Infraestruturas quando nos fala do turismo, dos professores e das forças de segurança. Seja
como for, é preciso ter cuidado porque terreno urbanizável já existe e os solos
agrícolas já estão sob suficiente ataque por parte dos projectos de energia
renovável.
Vale
ainda a pena salientar a possibilidade criada de parcerias público-privadas
para a construção de habitação a preços acessíveis, que, espera-se complemente
o plano do “Mais
Habitação” de
parcerias com os municípios.
Já medidas como as dos bónus
construtivos, olhando para o que já é a selva da urbanização em Portugal parece
ser uma péssima ideia. Como não parece uma grande ideia tentar que os bancos alarguem o prazo do
crédito para quem quer construir para arrendar. Foram aventuras, não só,
mas também no imobiliário que colocaram a banca na situação em que esteve na
crise financeira.
Em qualquer dos casos há
estrangulamentos que não vão ser fáceis de resolver. Primeiro é a redução significativa do número de
pequenas e médias empresas que se dedicavam à construção, que faliram durante a
crise financeira e que contavam com um modelo de dívida que hoje se torna
praticamente impossível à banca praticar, pelo menos na escala com que o fazia.
A oferta por via de mais construção estará limitada no curto e médio prazo.
Há ainda a proposta genérica de
criação de novas centralidades. Essa
é uma medida em que temos de colocar a hipótese de, quem a sugeriu, não viver
no país ou viver no centro das grandes cidades. Uma nova centralidade exige transportes
públicos em condições, coisa que o país não tem, pelo menos na área
metropolitana de Lisboa e, mais grave ainda, piorou nos últimos anos e mais
recentemente com a Carris Metropolitana. Melhores transportes públicos dariam seguramente também um contributo
para resolver a pressão que existe sobre a habitação em alguns sítios, criando
condições para que as famílias vivessem mais longe do sítio onde trabalham, sem
perderem qualidade de vida.
É aqui que chegamos à falta de coragem política para aplicar as
medidas que o diagnóstico do problema exigia. Uma
delas é reduzir a procura que nos chega através de não residentes, do que resta
dos vistos “gold” e dos que escolhem Portugal apenas para pagarem menos
impostos nos seus países, com medidas mascaradas de atracção de mão-de-obra
qualificada.
Outra é perceber exactamente porque é
que, existindo tantas casas devolutas, como se pode ler no estudo feito pelo INE e pelo
Laboratório Nacional de Engenharia Civil, elas não entram para o
mercado. O
problema de falta de casas está basicamente circunscrito ao Porto, Lisboa e
Península de Setúbal, onde, com medida na procura, se deviam concentrar os
esforços de aumento da construção. Tudo o resto exigia que se
desenhassem medidas que combatessem as razões da não colocação das casas no
mercado.
Uma das razões é seguramente o receio de não receber a renda sem
conseguir de lá retirar o inquilino mau pagador. Daí
a importância de dar de facto maior segurança aos senhorios, de que o Estado
não pactua com quem não paga, mas pode fazê-lo, ao mesmo tempo que se ajuda
quem está em dificuldades.
Outras medidas para colocar mais casas no mercado já existem, com o
agravamento do IMI da competência das autarquias. Mas
não estão a funcionar, ou porque existe forma de fugir a ela ou porque os
autarcas não querem ficar com o ónus de agravar taxas. Mas só com o “pau” dos impostos se pode
desincentivar o abandono das casas, sem chegar ao ponto do arrendamento
coercivo que o Governo actual se prepara para revogar o que, na pratica, é um
conjunto vazio.
Depois
de ter assustado os investidores, com o que disse sobre o arrendamento
coercivo, o anterior Governo acabou por legislar esse assunto de forma bastante
mitigada, deixando o processo para as autarquias. Ora se
os autarcas nem coragem têm para agravar o IMI, quando mais para obrigar o seu
munícipe a alugar uma casa. Esta medida do “Mais Habitação” é
aliás um exemplo de custos económicos, com o susto que pregaram, sem qualquer
benefício. O que faz com que a revogação anunciada seja revogar o que nunca
existiu.
Olhando para este activismo dos
governantes o que vemos é falta de coragem para não se ficar no meio
da ponte que nos leva a ficar com uma mão cheia de nada. Enquanto não existir oferta pública que
tenha peso de regulação, o melhor aliado que qualquer Governo tem é o mercado.
É deixar o mercado funcionar em
condições e proteger com apoios sociais os idosos e as pessoas de mais baixos
rendimentos, até se poder substituir pelo menos parte dessa despesa por
habitação pública. É ainda preciso coragem política para
acabar de vez com o paraíso fiscal em que Portugal se transformou e que está a
contribuir para a subida do preço das casas.
Das autarquias esperava-se maior capacidade de actuação já que, pelo
menos em algumas, não lhes falta dinheiro.
Em vez de gastarem em “festas e
festança” de duvidosa utilidade, poderiam e deveriam dar um maior contributo
para resolver não só o problema da habitação como também o dos transportes –
merecendo aqui especial relevo as autarquias que tratam com total indiferença a
degradação do serviço em algumas zonas da área metropolitana de Lisboa com o
serviço da Carris Metropolitana.
Finalmente e não menos importante é
fundamental simplificar com o foco em dois objectivos: o ordenamento do que é construído e a
qualidade da construção. Quem anda pelo país vê bem como toda a burocracia
criada não garantiu casas de qualidade que ofereçam o mínimo de conforto
energético.
Enquanto
quem nos governa não fizer o básico que é o diagnóstico do problema e a identificação de soluções com coragem
política e sem restrições ideológicas,
continuaremos de plano para a habitação em plano para a habitação, até que o
problema deixe de existir porque o mercado acaba por resolver, levando obviamente
mais tempo e com mais custos sociais.
COMENTÁRIOS (de 29)
João Ramos: Esta senhora atira-se ao actual governo que só lá está
há um mês e nunca a vi ser tão crítica com o anterior governo que lá esteve 8
anos, esse sim, a estragar o que havia… Rui Lima: Há vários
países na Europa que deixaram de construir habitação os motivos são diversos ,
burocracia, falta de mão de obra os polacos foram os últimos que chegaram com
aptidões para as obras, libertação de solos é um problema há países onde os
habitantes têm uma palavra, ninguém quer novos vizinhos uma parte dessa
habitação tem de ser social e lá se vai a tranquilidade. Um exemplo na França:
os verdes impuseram 0 ( zero ) impermeabilização do solo mas querem fronteiras
abertas, a esquerda quer casa para todos mas tudo faz para impedir a sua
construção.
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