Li hoje um livro
de 71 páginas que me deu muito prazer, até porque era pequeno e duas ou três
horas me bastaram para matar a curiosidade, termo, de resto - esse de “matar” - de abominação, sobretudo no
caso presente, deste nosso “Palermento”, segundo José Diogo Quintela,
mas que não é susceptível de condenação palermental, vivendo como vivemos numa
democracia que tem aceitado bem, os ódios da esquerda, e mal, os da direita
insurgindo-se contra isso, como é o caso do discurso exaltado de André
Ventura, que, todavia José Aguiar Branco aceita bem, ao contrário de
Isabel Moreira e, em tempos, do próprio antecessor de José Aguiar
Branco na presidência do Parlamento, Augusto Santos Silva, que
tivemos ocasião de escutar a mandar calar o presidente do Chega, com
rispidez, Ventura imediatamente saindo da sala, juntamente com os seus adeptos.
O actual governo é mais ao estilo de uma menor susceptibilidade a críticas em
locais onde seria necessário mais contenção educativa, e que eu já escutava,
nas graças do meu pai a referir, com riso dele e nosso, uma frase ouvida a
algum adepto da democracia deslavada daqueles tempos salazarentos: “Deixá-los
lá falá-los que eles calarão-se-ão”.
Mas o livrinho
da “SÉRIE ORIENTAL”- “CHINESES E
JAPONESES” de Eça de Queirós - prefaciado por Orlando Grossegesse foi um encanto, não só por, de passagem, nos recordar o seu “O MANDARIM”,
amplo, este, de sugestões optimistas e finalmente bem negativistas para a nossa
avidez de necessitados, em paralelo com a do bacharel amanuense Teodoro, o
tocador da campainha facínora do remoto Mandarim - mas por nos dar, aquele, a
conhecer, a uma distância quase bicentenária, características dos povos chinês
e japonês que parecem um retrato certeiro desses povos asiáticos, hoje, já
então superiores em educação e esperteza crítica que os tornaria – sobretudo o
povo chinês – de uma perfeita arte na comunicação desdenhosamente suave mas de irónica
visão crítica contra o nosso ocidente, de uma democracia certamente que
desdenhada por esses povos desprezadores dos ocidentais, conquanto interessados
nos seus engenhos de fabricantes, como Eça bem frisou.
Mas leiamos o texto de José Diogo Quintelasobre o tema do “deixar dizer”, que nos trouxe à ideia a arte chinesa da discrição por estratégia clarividente e dogmática, e que Eça bem apontou:
O Palermento
Quando foi construído no séc. XVI o Palácio de São Bento era um
convento beneditino. Quase 500 anos depois, continua a ser uma casa frequentada
por gente que gosta de mandar calar.
JOSÉ DIOGO QUINTELA Colunista do Observador
OBSERVADOR, 21 mai. 2024, 00:1639
Estamos a um mês do início do Euro2024
ou, como agora se diz, do início de uma onda de crime. É que, pela tese
vigente, fazerem-se generalizações sobre
características de povos é ilegal e daqui a nada vamos começar a ouvir falar
sobre a bravura dos espanhóis, a eficácia dos alemães, a arrogância dos
franceses, o rigor dos holandeses, a frieza dos dinamarqueses e a ingenuidade
dos ingleses. A polícia não vai ter
mãos a medir. Sobretudo com o hooliganismo espoletados pela estreia de Portugal
no certame, quando milhões de compatriotas cantarem em uníssono esse discurso
de ódio que principia com “heróis do mar, nobre povo”. Obviamente, o primeiro a
ir dentro é Marcelo Rebelo de Sousa, com as suas irritantes (e, sabemos hoje, criminosas)
tiradas sobre os portugueses serem os melhores do mundo a fazer uma data de
coisas. A não ser, claro, que seja
“os portugueses são os melhores do mundo a transformar o parlamento em
palermento”. Porque é verdade.
Correndo o risco de cometer um ilícito
criminal, atrevo-me a dizer que, se os portugueses têm uma qualidade específica
é a capacidade de conservar tradições. Vemos isso na Assembleia da República. Quando
foi construído no séc. XVI o Palácio de São Bento era um convento beneditino.
Quase 500 anos depois, continua a ser uma casa frequentada por gente que gosta
de mandar calar. Antes eram monges votados ao silêncio, hoje são deputados
votados para silenciar. Não querem um PAR, querem um pai. O fanatismo
retrógrado católico e o moderno progressista são muito parecidos. Há uma evidente afinidade entre o
autoritarismo que vimos esta semana e o da Igreja. O objectivo, sempre bondoso,
é proteger os puros ouvidos do povo ignaro, que não está preparado para escutar
ideias controversas.
Quando
Alexandra Leitão pergunta a Aguiar Branco se um deputado pode dizer que uma
raça ou etnia é mais burra, está a responder à sua própria questão. É claro que pode, uma vez que acaba de o
fazer e não lhe aconteceu nada. Com aquela pergunta, Alexandra Leitão insinua
que o povo português é tão burro que não pode ser confrontado com o modo como
os seus representantes eleitos falam e com aquilo que pensam. Toma-nos
a todos por tolos incapazes de lidar com opiniões polémicas sem sermos endrominados
por elas. Para Leitão, os berros de
André Ventura são como a melodia do flautista de Hamelin, que hipnotiza as
crianças e as leva para onde quer, provavelmente para algum sítio onde se vá
praticar violência. “O Ventura disse o quê sobre os turcos? Eh, pá, vou
já para a casa rasgar de toalhas de banho!” A
deputada do PS falou por um número considerável de pessoas que querem que haja
opiniões tabu no Parlamento, justamente o sítio onde tudo deveria ser
discutido. Aliás, querem que
haja opiniões que sejam crime, no Parlamento e cá fora: o chamado “discurso de
ódio”.
O
discurso de ódio é a antiga blasfêmia. Um pretexto para censurar uma
afirmação considerada ofensiva e contrária às normas sociais em vigor. O
discurso de ódio é uma heresia laica. Além de ser difícil definir, o nome está
ao contrário. Na realidade, não é o discurso de ódio que os censores querem
proibir. Eles querem proibir é o ódio de discurso, aquele que os
arrepia, que não suportam ouvir porque são muito bonzinhos. Quanto mais querem proibir mais bonzinhos
se sentem. O que torna ainda mais engraçado o facto de serem estes puritanos
que andam na televisão e jornais a sugerir os exemplos mais escabrosos como
afirmações hipotéticas no Parlamento. “Então e dizer-se que os asiáticos são todos canibais pedófilos,
pode-se?” “E dizer que os africanos são filhos de Satanás e devíamos todos
exterminá-los como os alemães queriam fazer aos judeus e bem, pode-se?” “E dizer que os árabes fornicam com
camelos, pode-se?” Têm uma prodigiosa imaginação, estes puritanos. Vê-se
que dedicam muito tempo a fantasiar estas coisas.
A criminalização do ódio é uma impossibilidade. O ódio é uma
emoção e não se consegue criminalizar as emoções. Até porque não controlamos as
que temos. O que controlamos são os nossos actos. Portanto,
o máximo que conseguimos avaliar com o rigor que a lei exige são os actos
motivados por emoções. Se uma pessoa odeia, mas não age com base nisso, não
deve ser punida. Eu odeio beringelas, mas não me sinto impelido a destruir as
hortas onde crescem. Limito-me a não comer e a aproveitar todo e qualquer fórum para dizer que beringela é porcaria.
Também não criminalizamos o amor, apesar de haver quem espanque por amor.
Nem a inveja, apesar de haver quem roube por inveja. Nem a felicidade,
apesar de haver quem assassine canções quando está feliz.
Quando não conduz a um acto, uma opinião racista não deve ser crime.
Pode ser estúpida, mas a estupidez não é ilegal. Se há deputados que querem transformar a estupidez em crime, estão no
sítio certo para o fazer. Aviso já que não vão gostar das consequências. Não
temos sistema de justiça preparado para isso. Se não conseguimos julgar todos
os corruptos, uma percentagem mínima de portugueses, imaginem julgar todos os
estúpidos, que somos a maioria. Devem julgar os turcos.
PARLAMENTO PALÁCIO DE
SÃO BENTO
COMENTÁRIOS (de 39):
Maria Paula Silva: De
novo, maravilhoso! Aguiar Branco
esteve muito bem, ao contrário dos seus 2 antecessores que eram burgessos, mal-educados
a raiar a ordinarice. Nunca houve limite aos comentários dos deputados na AR em 5 décadas, (antes do 25 de abril tb não devia haver, não
sei) porque haveria agora? A Democracia e a Liberdade de expressão não são
apanágio da esquerda. A Costa insultou médicos e jornalistas, o PR recentemente
insultou o PM, o ex PM e a PGR. Sejamos razoáveis, que já não se aguenta a
histeria hipersensível da esquerda demagógica. Internem-nos a todos, por favor.
Com adesivo na boca. Lupus
Maris: Na mouche...
assunto resolvido (para quem não tinha percebido o que estava e, infelizmente,
vai estando em causa...). Antes do 25A o
estado impedia a liberdade de expressão; agora todos se arrogam esse direito, a
respeito de todo e qualquer assunto! Nunca me senti tão constrangido em termos
de exprimir publicamente qualquer opinião. É que agora não é uma polícia
política que controla, é uma legião de pensadores "correctos" sempre
atentos ao que belisque as suas convicções! Rui Lima: Raramente encontramos alguém de bom-senso, para além
daqueles que concordam connosco é a atitude de muitos, mas a liberdade
fez-se para os que pensam o oposto a liberdade conquistou-se no direito a
blasfêmia. Hoje encontrei neste seu artigo um hino de amor à liberdade. O seu
conteúdo é sério, utilizando a inteligência como só os humoristas o sabem fazer.
José Diogo Quintela um grande bem-haja pela sua coragem porque nisto é mais
cómodo ficar em casa ou assobiar para o lado, a Besta da censura agora com
cores da esquerda é brutal e implacável porque está a condicionar até o
pensamento, a maior ameaça à liberdade é essa invenção dos crimes de ódio, em
que o “criminoso” nada fez à “vítima” FC: São
cretinos os racistas no parlamento por serem racistas. São cretinos os
anti-semitas nos júris do Festival da
Canção. E são cretinos aqueles que não percebem que, na constituição
portuguesa, até os cretinos têm liberdade de expressão. Se não concordam,
altere-se então a constituição portuguesa, já que basta uma maioria de 2/3 de
cretinos—que os há— para lá escrever que em Portugal os cretinos passam a estar
amordaçados em horário laboral. Fica a sugestão. Rosa
Silvestre: Quando se fala
em discurso de ódio, lembro-me sempre do coelho pendurado na forca nas
manifestações do BE e PCP sem que alguém responsável de esquerda se insurgisse
ou pelo menos achasse de mau gosto. Mas claro que fazer uma graçola com a
produtividade dos turcos é muito mais grave... Paulo
Machado: Com humor se
vão dizendo as verdades, por enquanto... Pelo jeito que a coisa leva qualquer
dia também é crime
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