O que se pretende, afinal? Se não se faz, é-se desmazelado, se se pretende
fazer, é-se contrariado, tudo fala fala fala, gente, que somos, de falatório,
de escrita, de palavrório, cada qual superior em dirigismo, em intervencionismo,
em saber dizer, pelo menos para ostracizar, porque se está na época do poder dizer,
da calaceirice, do comer de fora, da ajuda exterior, do obstaculizar, do
descanso â sombra da faia… O que se pretende, afinal? Provar a nossa
inteligência crítica? Colaborar no bota-abaixo do nosso pretensiosismo
intelectual de vituperação ou troça? Somos, de facto, pobres. Uns tristes, para
não dizer soturnos.
Em terra de cegos quem tem olho é aeroporto
Manhoso, o
governo aproveitou a distracção provisória da Pequena Greta e dos seus amigos,
entretidos a libertar a “Palestina”, para avançar com o projecto.
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR,18 mai. 2024, 00:206
É português, ou pelo menos terráqueo?
Está naturalmente excitadíssimo com o novo aeroporto de Lisboa? Quer saber
tudo, tudo, tudo sobre o próximo grande desígnio nacional? Então veio ao lugar
certo. Nos próximos parágrafos esclarecerei aos interessados e, espero, a mim
mesmo, as dúvidas que tão gloriosa obra, à semelhança dos aviões, levanta.
Alguém disse que se discutiu muito a
localização do aeroporto sem se discutir a necessidade. Ora essa: a
necessidade, como os gostos, não se discute. O importante é lembrar que Lisboa
precisa de substituir a Portela desde 1969, quando esta tinha 2 milhões de
passageiros por ano e Marcelo Caetano criou o Gabinete do Novo Aeroporto de
Lisboa, que se calhar continua em funções (é melhor alguém ir ver). Cinquenta e
cinco anos depois, a Portela recebe 33 milhões de passageiros e, bem ou mal, lá
vai bastando. Pelos vistos, no complexo universo da aeroportuária cabe sempre
mais um, ou mais um milhão, ou mais 31 milhões. Quando a liderança é cautelosa,
não há imprevistos.
Quanto à localização, o poder
político também se mostrou irredutível ao longo deste meio século: o novo
aeroporto de Lisboa seria sem dúvida em Alcochete. Ou na Ota. Ou em Rio Frio.
Ou em Pegões. Ou no Poceirão. Ou em Apostiça. Ou em Alverca. Ou em Beja. Ou em
Évora. Ou na Fonte da Telha. Ou em Porto Alto. Ou em algum sítio com nome
esquisito e suficientemente distante de Lisboa. Quando a liderança é firme, não
há hesitações.
Logo que o actual governo anunciou Alcochete,
decisão por enquanto irreversível, festejei abundantemente. A seguir perguntei
a uma pessoa do Sul onde é Alcochete. Na verdade, o topónimo não me era
demasiado estranho. Enfim lembrei-me do ataque à academia do Sporting, vulgo
o maior atentado terrorista em solo nacional. Parecendo que não, é capaz de
ser uma ideia feliz. No estrangeiro, é comum cometer-se actos de terrorismo em
aeroportos: nós cometemos aeroportos em lugares de terrorismo. Para cúmulo em
cima de um campo de tiro e juntinho a duas localidades chamadas Sarilhos,
Grandes e Pequenos. Quando a liderança é inovadora, não há acasos.
O prazo para a inauguração do novo
aeroporto é igualmente claro: dez anos. Ou sete. Ou seis. Ou oito. Ou quinze.
Por mim, concordo com qualquer data. Embora vá raramente a Lisboa (o que por
coincidência farei este Sábado, a pretexto de um almoço), costumo ir de
avião (idem), transporte que não usaria se me descarregassem perto do Montijo,
onde não conheço ninguém. Porém, posso vir a conhecer nos próximos anos,
período após o qual terei um aeroporto à disposição para fartas almoçaradas
naquela região. Quando a liderança é precavida, não há fome.
Sobre os custos da empreitada para o
contribuinte, eis uma agradável notícia: zero euros. Tirando os acessos
(as “acessibilidades”), que devem ficar baratos, o novo aeroporto será, jura o
governo, pago por inteiro pelas taxas aeroportuárias. Se consigo
compreender, a ANA cobra as ditas taxas e obtém lucros anuais que rondam os 300
ou 400 milhões. O novo aeroporto custará seis mil milhões, ou uns doze mil
milhões, se arredondarmos. Isso significa que a ANA abdicará dos seus
ganhos durante vinte, trinta ou quarenta anos apenas para oferecer o “Luís de
Camões” à nação. Quando a liderança é poupada, não há abusos.
A propósito de Camões, o novo
aeroporto já nasceu baptizado. Pode-se, e deve-se, criticar a opção
por um homem, caucasiano e, ao que consta, “cisgénero” e heterossexual. Mas a
deficiência física compensa um bocadinho. De resto, antes o poeta que o general
que combateu Salazar após servir o Estado Novo e que se mudou para os Aliados
(da IIª Guerra, não do Porto) após cantar louvores igualmente poéticos e épicos
ao Führer. E que, sendo homem, caucasiano, “cisgénero” e tal, nem sequer era
zarolho. Quando o poder é visionário, não há discórdias.
E o ambiente? Além dos “estudos de impacto”, uma estimativa
conservadora prevê que o novo aeroporto receberá 100 (cem) milhões de
passageiros em 2050, o triplo dos actuais e uma quantidade de gente que, no
mundo, só o aeroporto de Atlanta, por causa das escalas da Delta Airlines,
alcançou. É uma surpresa. Eu estava convencido de que no futuro não haveria
voos destinados a pelintras, ficando os céus reservados às sumidades que
acorrem a cimeiras “climáticas” para explicar aos pelintras que as viagens
aéreas são prejudiciais ao planeta. Manhoso, o governo aproveitou a
distracção provisória da Pequena Greta e dos seus amigos, entretidos a libertar
a “Palestina”, para avançar com o projecto. Quando o poder é astuto, não há
obstáculos.
Como se não chegasse tamanha
maravilha, a maravilha vem acompanhada de um TGV Lisboa-Madrid, que sai do
Barreiro e talvez acabe em Évora ou Elvas, e de uma terceira ponte sobre o
Tejo, com fortes hipóteses de ser construída sobre o Tejo e não sobre outro
rio. Preço final do pacote? É fazer as contas, na certeza de que estas não
afectarão a intensa alegria sentida neste momento por cada patriota autêntico,
resida ele em Chelas ou em Chaves, em Alcochete ou em Aljustrel, no Barreiro ou
em Barcelos. E ainda não saímos da fase dos anúncios: imaginem se um dia for a
sério. Esclarecidos? Eu estou.
AEROPORTO DE
LISBOA
AEROPORTOS AVIAÇÃO MUNDO TERRORISMO
COMENTÁRIOS:
Ana Luís da Silva: O anúncio do
novo aeroporto é uma fantochada? É!!! Imagine-se uma família numerosa, de 10
membros, que assenta a sua subsistência no trabalho fora de casa da mãe. Com
cerca de 1000 euros (sejamos generosos) trata de pagar a comida, a electricidade
a água o IMI, a prestação ao banco, as deslocações, as fraldas do mais novo e o
vestuário e calçado da família toda. Como o faz? Não faço ideia. O pai tem por
função gerir a casa com os (restantes) 50% do ordenado da mãe e não tem tempo
para mais nada: trata de fazer as obras de manutenção da casa, de dar a comida
ao cão e (claro e muito importante), para além de estacionar o carro na
garagem, de ter as ideias e a clarividência onde gastar uns 500 euros que a
família vai recebendo de quando em vez, de uma tia por afinidade idosa que vive
na Alemanha. Como precisa de ajuda para as obras, acolheu uma família de 20
homens imigrantes no barracão do jardim, onde já dormiam os filhos adultos, que
entretanto tiveram que se fazer à vida e ir trabalhar para o estrangeiro. Infelizmente,
a mãe teve um esgotamento nervoso, porque as duas filhas menores eram
assediadas sempre que saíam ou entravam em casa, o jardim fora transformado
numa mesquita ao ar livre e o ordenado deixara de conseguir pagar as despesas
com a saúde e a educação de toda a gente. Com o caos a instalar-se o pai
percebeu que tinha que fazer alguma coisa com a máxima urgência. Reuniu a
família que ainda lhe restava e que incluía os avós e a tia idosa (a qual para
não pagar mais impostos no seu país de origem se mudara de malas e bagagens
para a única suite existente na casa da família numerosa, que também já não era
tão numerosa assim…), e anunciou solenemente: - Tenho um plano para resolver
todos os nossos problemas! Vamos ampliar a garagem para receber os primos que
vivem no estrangeiro (descendentes da tal tia dos 500 euros), e sobretudo vamos
construir uma garagem ainda maior de 5 lugares, para que venham mais e mais
primos e primas cá para casa passar férias… pois sempre que vêm trazem doces e
prendas para manter os mais novos entretidos.
F. Mendes: Excelente artigo, mas faço o seguinte comentário: Teria gostado de ler isto, se o assunto não fosse
extremamente sério: caso esta loucura vá para a frente, ficaremos com o futuro
hipotecado. A entrevista ao actual ministro do sector, é simplesmente
arrepiante: o Pinto Luz ignorou o facto de a avaliação ambiental poder dar um
parecer negativo (ou extremamente oneroso em termos de medidas de mitigação);
nada disse de concreto sobre a terceira travessia; as projecções sobre o
tráfego aéreo são delirantes, como o próprio sabe, e reconheceu; o
financiamento terá que ser negociado, não se sabendo o que vai dar; justificou
Alcochete por permitir aumentar as receitas dos espaços comerciais no
aeroporto; e terminou em beleza, dizendo que as razões da não consideração de
Santarém teriam que ser perguntadas à CTI. E isto foi o que consegui ouvir
antes de desligar, por agoniado. Isto é tão mau, que CH e PS ainda fazem considerações
mais irrealistas. Uma desgraça de gente aos comandos do que sobra da Nação.
Talvez esta decisão se explique pelo facto de termos eleições à porta. O pior
vai ser a pressão que futuros governos sofrerão para avançar mesmo com estes
disparates. Maria Paula
Silva: e a gente tem
espaço para isso tudo? cá pra mim...
isso são teorias da conspiração. Lol
este país cansa-me e os governos
enjoam-me. vou pra Marte, ouvi dizer que já lá andam a plantar árvores.
Eduardo Cunha: Excelente artigo. Parabéns. Antonio Serrano: Li com um sorriso divertido! Bem apanhado este
aeroporto Luís de Camões. Nos meus 81 anos estou ansioso por agarrar o TGV -
vai passar-me à porta - e apanhar o avião para Faro. Para Madrid irei de TGV.
Repito, aqui mesmo à porta, no Pinhal Novo, que há de ser a capital de
distrito, que já não existe.
Clavedesol: Grande Alberto Gonçalves! Sempre
certeiro! Uma tradição
mais antiga que o “Eurofestival”
Nenhum comentário:
Postar um comentário