quinta-feira, 2 de maio de 2024

Só água na fervura

 

Não basta, sendo inúmeras as bolhas causadas por uma efervescência em estado de permanência atrevida e delinquente.

Parabéns ao governo

O governo foi claro, sensato, firme e cortou este disparate a tempo. Terá cortado este mal — isto é, esta doença woke — pela raiz? Talvez não totalmente, mas pelo menos pôs muita água na fervura.

JOÃO PEDRO MARQUES Historiador e romancista

OBSERVADOR, 29 abr. 2024

Entre as surpreendentes, embaraçosas e deslocadíssimas declarações de Marcelo Rebelo de Sousa no contexto de um jantar com jornalistas estrangeiros, sobressaem, do meu ponto de vista, o compromisso de assumir “total responsabilidade” pelos “crimes”, coloniais cometidos e o de “pagar os custos” a eles inerentes, compromissos políticos que já tive ocasião de criticar. Mas alguns dias volvidos, o PR decidiu clarificar essas suas declarações e, ao fazê-lo, tornou-as ainda mais graves e surpreendentes. Efectivamente, durante a inauguração do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, em Peniche, no passado sábado, Marcelo declarou que Portugal tem a “obrigação” de “liderar” o processo de reparação às ex-colónias, sob pena de perder “capacidade de diálogo” com as mesmas. Disse, entre outras coisas, que o nosso país tem a “obrigação de pilotar, de liderar, este processo”. Ou seja, Marcelo, que nesta questão dos pedidos de desculpa e de reparações já estava a pôr o carro à frente dos bois e a sangrar-se em saúde, parece estar agora em clara fuga para a frente e fala dessas reparações como se elas fossem um facto consumado, o que é extremamente grave.

Há dias Miguel Sousa Tavares considerou Marcelo Rebelo de Sousa um incontinente verbal fora de auto-controlo. Eu não discordo dessa caracterização, mas há uma outra que me parece mais ilustrativa da situação que estamos a viver e mais compatível com aquilo que nos chega do Palácio de Belém. De facto, os ingleses têm uma expressão que usam com frequência na discussão e na crítica política e que se adequa a este caso. Quando querem dizer que alguém é imprevisível e um perigo para os seus próprios amigos e aliados usam a expressão “a loose cannon”, isto é, um canhão solto. É uma imagem excelente. Imaginem, num campo de batalha ou no interior de um navio de guerra, um canhão não travado ou não amarrado que, por isso, dispara em direcções imprevistas e que, ao fazê-lo, recua, esmaga e atinge os seus próprios militares. Marcelo parece ser, neste momento, e nesta matéria, um “loose cannon”, alguém que se comporta de uma forma inesperada e susceptível de causar problemas a outras pessoas, ao governo da sua própria área política e ao país.

E perante esse comportamento eu confesso que durante uns dias me surpreendeu e inquietou o silêncio do governo. Eu percebo o embaraço de Luís Montenegro e dos ministros das pastas potencialmente comprometidas por esta aventura woke do PR, mas era imperioso que o país soubesse o que os nossos governantes pensavam e o que tencionavam fazer sobre esta matéria.

Pois bem esse silêncio terminou e o país já o sabe. Na sequência destas mais recentes declarações de Marcelo, em Peniche, o governo reagiu depressa e bem. Em nota enviada à comunicação social, veio afirmar que, nessa matéria, “se pauta pela mesma linha dos governos anteriores” e que não esteve nem está em causa nenhum processo de reparações. Lembrou, também, que Portugal “tem tido gestos e programas de cooperação de reconhecimento da verdade histórica com isenção e imparcialidade” e garantiu, e muito bem, que esses gestos e cooperação prosseguirão. Na referida nota o governo assegurou que o “aprofundamento das relações mútuas, respeito pela verdade histórica e cooperação cada vez mais intensa e estreita, assente na reconciliação de povos irmãos” é “e será sempre a sua linha”. Reparações, não.

Parabéns ao governo. Foi claro, sensato, firme e cortou este disparate a tempo. Terá cortado este mal — isto é, esta doença woke — pela raiz? Talvez não totalmente, mas pelo menos pôs muita água na fervura e, quem sabe, talvez tenha mesmo voltado a amarrar o canhão solto. É claro que o Bloco de Esquerda e o Livre já vieram anunciar iniciativas tendentes a prosseguir a agitação em torno dessas questões, mas isso não é novidade, é apenas o que têm vindo a fazer, com pouco sucesso, desde 2017. Aliás, nenhum desses partidos é um “loose cannon”, nem quanto ao calibre nem quanto à imprevisibilidade. São apenas armas ligeiras que disparam sempre na mesma direcção, uma direcção estereotipada que, acrescente-se, Portugal conhece bem.

O que ainda não conhecia era a posição do governo da AD. Fico agora a conhecê-la e, espero eu, a apoiá-la.

COLONIALISMO    MUNDO    PRESIDENTE MARCELO    POLÍTICA

COMENTÁRIOS (de 46):

Lúcio Monteiro: Como introdução a este comentário, começo por definir o conceito de impeachment, de acordo com o dicionário Infopédia: ”Impeachment (português brasileiro) ou destituição (português europeu), também chamado de deposição ou impedimento, é um processo político-criminal que visa destituir alguém de um cargo governativo em países com modelos de governo presidenciais, por grave delito ou má conduta no exercício de suas funções”. E a que propósito aparece aqui esta definição? Ainda duvida? É isso mesmo. É chegada a hora de a ideia de impeachment, visando o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ser discutida pela Assembleia da República. As suas últimas declarações, sobre a peregrina ideia de algum tipo de reparação, por Portugal, às suas ex-colónias, denotam que o actual detentor do cargo presidencial já não reúne os requisitos intelectuais, morais, e sobretudo, de bom senso, para continuar a ocupar o seu actual cargo. A primeira questão que se coloca é seguinte: a que propósito resolveu Marcelo trazer para a ribalta tamanha estultícia? Mais: qual a prática comum, nesta matéria, dos países mais desenvolvidos? Qual tem sido a prática de países, como os Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Canadá, entre muitos outros? Por outro lado, tudo indica que Marcelo se esqueceu de que as suas sonsas ideias, além de destituídas de qualquer ponta de bom senso, são também impraticáveis, atendendo a que, de acordo com os dados publicados pela autoridade monetária nacional, a dívida pública portuguesa concluiu o ano com um valor de 263.043 milhões de euros, o que corresponde a 98,7% do PIB. Feb 1, 2024. Com que dinheiro é que as tais reparações seriam custeadas? Se a peregrina proposta de Marcelo fosse implementada, Portugal atingiria o estado de falência económico-financeiro irreversível. Mas não é por ser inexequível que a tola tese de Marcelo é abjecta, mas sim por não conter qualquer argumento minimamente ajustado à realidade. Conclusão: Julgo que chegou a hora de a nossa Assembleia da República ponderar incluir na sua agenda, com carácter de urgência, a discussão de uma possível destituição – ou o impeachment, se preferirem – do actual Presidente da República, embora eu desconheça se a nossa Constituição prevê essa possibilidade. O fundamento, de uma possível destituição de Marcelo, seria por incapacidade de avaliação da realidade e de declarações irresponsáveis, lesivas para o bom nome de Portugal.                 Rui Lima: Um presidente que fala mais do que pensa é uma desgraça para Portugal .               Maria Nunes: Muito bem, JPM. Gostei muito do seu contributo, assim como o de Paulo Núncio, num programa da RTP, esta semana. Quanto a Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, devia já ter percebido a revolta dos portugueses em relação aos dislates que disse.                   Carlos Chaves: Por tudo o que tem acontecido desde que tomou posse, parece que finalmente voltámos a ter governo! Caríssimo João Pedro Marques, muíto obrigado por não calar a sua voz denunciando as políticas “wokistas” que nos querem impor, até donde menos se esperavam!               Antonio C.: Quem não cumpre os seus deveres no cargo que ocupa, entre os quais o dever de proteger os seus concidadãos e a sua nação, deve ou não ser afastado? Marcelo está a tornar-se um caso sério de psicologia (já o era, parcialmente) mas estas últimas declarações são de todo inaceitáveis.              Alberico Lopes > Américo Silva: Ele se calhar até sabe do que fala pois o pai foi governador de Moçambique e com isso até safou este pobre demente de ir para a guerra Uma tristeza este palerma idiota                Américo Silva > Américo Silva: Os países africanos conheceram o alfabeto, foram vacinados, têm universidades, fazem parte do mundo, por tudo isto não creio que tenham ficado a perder, e sobretudo, não precisam dum idiota para os tutelar.                 Alexandre Arriaga e Cunha: O Livre e o BE não chegam a ser uma simples fisga… quanto muito, um pequeno corta-unhas. Parabéns ao governo. Quando se discute com um louco só se confirma que há dois. O mais adequado é deixá-lo a falar sozinho                   Vitor Batista: Os Britânicos também têm outra expressão:"a loose screw "....                  Américo SilvaAmérico Silva: Não vamos varrer para debaixo do tapete, Portugal deu origem a Brasil, Angola, Moçambique, Guiné, querem ser indemnizados por terem nascido? têm-se em tão pouca conta? os brasileiros só têm que deixar o Brasil aos índios, podemos fornecer o transporte, e quem teve escravos que lhes pague com retroactivos.                 Liberales Semper Erexitque > Eduardo L: Deve ser isso, a AD fechou as portas do governo à Chaga, mas agora é um joguete ao sabor das suas ameaças. Faz muito sentido! Os seus comentários costumam ser bem melhores, quando o li inicialmente pensei que estivesse a gozar!                  Carlos Chaves > Maria Nunes: E na SIC notícias, a jornalista Brasileira foi/é uma autêntica comissária "wokista"!                    Francisco Almeida: Para além do quadro geral, já bem discutido nesta caixa de comentários, acredito que o incidente que despoletou a crise (seja ela do foro da sanidade mental ou da estratégia política) foi a divulgação do nome de Sebastião Bugalho, quando Marcelo já tinha dado a entender telefonicamente a Rui Moreira que iria ser o cabeça de lista. Viu publicamente exposta a sua irrelevância e a isso não resistiu. Como se diz popularmente, saltou-lhe a tampa.                Américo Silva: Marcelo pode pensar e dizer o que quiser, o presidente da república portuguesa é que não, só pode agir dentro da sua legitimidade jurada, temos um problema que não joga com o baralho todo, que acredita que os seus antepassados são delinquentes coloniais, e que aqueles cujos nunca foram a áfrica, ou foram obrigados, têm que pagar.                     Liberales Semper Erexitque: Volto a apontar a ironia imensa que é o garante do "regular funcionamento das instituições", jurista e professor catedrático de Direito, ele mesmo, violar repetidamente os seus deveres e a separação de poderes, violando quer as leis quer o seu espírito, e com elas o Estado de Direito. Se isto não são motivos para a sua destituição, então o que será? Não precisamos sequer de ir buscar expressões estrangeiras para descrever o que se passa com o presidente da república, podemos dizer mais portuguesmente que "o rei vai nu"!              Alberico Lopes > Maria Nunes: Ó Maria Por favor nunca mais chame excelência a tal besta                   Eduardo Gomes: Ainda bem que existe um partido chamado CHEGA.              Antonio Sennfelt > Lúcio Monteiro: Não posso estar mais de acordo! O processo de destituição deveria ser imediatamente encetado! Caso contrário este perigosíssimo canhão à solta ainda afunda a nossa velha nau com todos nós lá dentro!                  GateKeeper: Caro JPM, tornou-se um hábito ler as suas crónicas. Desta vez, porém, não passei da "intro". Eu explico: Dar os "parabéns" por alguém que se limitou a "empurrar com a barriga" uma tolice maldosa de um órgão do poder que nem exerce, mereceria, da parte de um Governo a sério, um claro, assumido e contundente repúdio em nome dos Portugueses e de Portugal. Um Governo a sério e que ousou propagandear uma "mudança" do nosso triste e miserável Estado da Nação, devia ter assumido, na pessoa do seu PM uma atitude inequívoca de recusa e repulsa. Coisa que o pm não fez, de todo. Assim, não alinho nos seus entusiásticos "parabéns", como compreenderá. Os meros separam sempre dois lados. A grande questão que se coloca ao comum dos mortais é, sempre e também, se o lado onde está é o certo ou o errado, tendo em conta as envolventes de um lado e do outro. E os muros, tal como as fronteiras e as "linhas vermelhas" sempre fizeram parte da História da Humanidade. Boa semana.                 bento guerra: Governo:"não é comigo, que pague o cómico"                 Pedro Manuel Moço Ferreira: Dr JPM , excelente contributo para a discussão e contrariar as narrativas únicas de gentinha muito ignorante. O saber dá muito trabalho e o presidente da república dá sinais, nestes tempos pós-modernos, de ter falta de conselheiros. Se ele me ler, acredito que sim, devia chamá-lo para conselheiro, para o ajudar a terminar o mandato com dignidade. Bem-haja.                    Francisco Almeida > GateKeeper: O seu ponto de vista está certo mas ignora a necessidade política deste ou de qualquer outro governo, de manter, se não boas relações, pelo menos relações institucionais com o PR. Dito de outra maneira, "partir a loiça" teria custos políticos demasiado elevados. O governo fez o que seria expectável de Montenegro, o que preconiza é o que seria expectável de André Ventura. Eu não votei AD mas tenho de reconhecer e aceitar que a AD teve mais votos do que o Chega.                 Eduardo L: Mas terá ouvido a declaração de Ventura, ou antes, um aviso ao governo. (?) Ventura foi muito claro: se o governo ousasse sequer entreter a ideia (reparações e afins) a moção de censura entraria nesse mesmo dia e o governo cairia…pum. Não admira que o governo tenha vindo esclarecer o assunto. 

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