Os ódios, sob uma capa lustrosa de
virtude rastejante - tal como eu já assistira, em África, há cinquenta anos, quando
tudo começou … nem vale a pena focar de novo. Nessa altura ainda não se falava
na dívida, o presidente de hoje, ao que parece filho de um presidente de ontem,
com escrúpulos fervorosos hoje, como anda a difundir e em que a CS faz
finca-pé igualmente, tudo “boa gente”, gente de finca-pé, blá-blá….
Mais um engano, mais uma mentira
A versão woke da história da
escravatura e da sua abolição assenta numa série de apagamentos selectivos, em
premissas falsas (ou não verificáveis) e numa teoria de raiz marxista.
JOÃO PEDRO MARQUES, Historiador e romancista
OBSERVADOR, 13 mai. 2024, 00:1755
Cristina Roldão tem
manifesta tendência para subscrever e difundir tudo o que possa servir para
denegrir a imagem do Portugal dos tempos coloniais. Os portugueses foram os maiores negreiros da era colonial? Cristina
Roldão rejubila com isso — quanto pior melhor — e reforça a dose. Em vez dos
4,5 milhões de escravos que o país efectivamente levou, à sua reponsabilidade
política, para a colónia do Brasil através do Atlântico, atribui-lhe 6 milhões.
Avisada por diversas vezes de que esse número estava errado e resultava duma
tendenciosa soma dos quantitativos de Portugal e do Brasil já independente, e
já senhor das suas opções políticas, Cristina Roldão continuou teimosamente a insistir no
erro.
No debate que recentemente tivemos na
RTP1 também caiu por duas vezes em erros, que aqui não irei referir nem
corrigir porque o debate teve o seu próprio espaço e tempo. Fez-se, está feito.
Mas no artigo que escreveu no Público,
logo na ressaca desse debate, e no qual se insurge contra a resistência
portuguesa a aceitar reparações — e anseia por uma salvífica directiva europeia
ou da CPLP que venha forçar Portugal a aceitá-las —, Cristina Roldão voltou a
transmitir ideias completamente erradas e tendentes a apoucar a memória que o
país tem do seu passado. Escreveu, a respeito da demora ou relutância dos
actuais portugueses em aceitar as referidas reparações, que tudo isso lhe faz
lembrar uma história já vista quando “Portugal
foi obrigado (sic) a abolir a escravatura”. Ora isto é completamente
falso, como se explica detalhadamente nas páginas 43 e 44 deste livro e já foi abordado num artigo no Observador
no contexto de uma réplica a Francisco Bethencourt.
Portugal
foi de facto coagido, por pressão britânica, a actuar contra o tráfico transoceânico
de escravos. Esse
tráfico era um problema internacional, que se processava num espaço aberto a
todas as nações — o Atlântico — e que envolvia vários países. Os ingleses podiam pressionar e coagir
Portugal a que resolvesse depressa essa questão porque, entretanto, o nosso
país assinara vários tratados e assumira, nesse âmbito, vários compromissos com
a Inglaterra. Num desses
compromissos — o tratado
de 22 de Janeiro de 1815 — o
governo português obrigara-se, até, a fixar, em futuro acordo com a
Grã-Bretanha, o período em que o tráfico haveria de cessar totalmente nos seus
domínios. Essa e outras estipulações em tratados e convenções forjaram uma
apertada rede de compromissos que Portugal cumpriu mal ou não cumpriu de todo,
e que levaria a uma medida de força por parte da Inglaterra (a lei de Palmerston), a partir da qual, então sim, Portugal começou
efectiva e eficazmente a combater o tráfico negreiro.
Mas
quanto à abolição da escravatura — isto é, do estado de escravidão — a que
Cristina Roldão se refere, Portugal não assinara tratado algum nem tinha
qualquer compromisso político com os britânicos. Nem
Londres tinha qualquer pretexto ou alavanca legal para interferir num assunto
que era estritamente nacional, inteiramente interno a cada estado. O
ritmo que Portugal seguiu na emancipação dos seus escravos coloniais foi aquele
que decidiu ou conseguiu seguir. Foi o seu próprio ritmo e as leis que aprovou
resultaram da sua própria vontade e dos arranjos políticos internos. A
Inglaterra não meteu prego nem estopa nas decisões dos governos e das Cortes
portuguesas, nem podia fazê-lo pois não tinha base legal para tanto. O caminho
que Portugal seguiu nessa matéria foi um caminho lento, como o de quase todas
as outras potências coloniais. Das
primeiras propostas de lei até à abolição total passaram-se cerca de 40 anos,
mas esse caminho foi percorrido pelos políticos portugueses sem empurrões ou
coacções vindas de fora. Portugal não foi forçado. A emancipação dos escravos foi feita
degrau a degrau, de forma muito gradual, e foi uma vitória da moral e da
política portuguesas, aprovada por aclamação nas Cortes, ainda que o seu resultado final tenha
ficado aquém dos objectivos iniciais de Sá da Bandeira,
o maior abolicionista português,
e um nome que a cultura woke esqueceu ou removeu de cena e que — espero
não me enganar — Cristina Roldão
nunca referiu nos vários textos que tem escrito sobre este tema.
A versão woke da história da escravatura e da sua abolição assenta
numa série de apagamentos selectivos, em premissas falsas (ou não verificáveis)
e numa teoria de raiz marxista, estribada nas ideias de que a escravatura
transatlântica teria estado na origem de copiosos lucros e na génese do
racismo, ideias que ainda há dias
critiquei a propósito de um artigo de Miguel Vale de Almeida, um dos arautos ou divulgadores da dita teoria. A
versão woke assenta, também, na errada convicção de que o tráfico
transatlântico de escravos seria o inigualável pináculo da nocividade,
diferente de todos os outros, porque teria supostamente estruturado
desigualdades e violências que perduram até ao presente (e basta-nos pensar no
sistema de castas indiano para saber que, infelizmente, há vários outros casos
de desigualdades e violências, estruturadas no passado, que perduram até hoje). E a versão woke da história da
escravatura apoia-se, ainda, em falsidades e deformações como a dos 6 milhões,
que já referi acima. Com a ideia de que Portugal teria sido forçado a abolir a
escravatura Cristina Roldão acrescentou mais uma mentira à extensa lista de
falsificações da história da relação de Portugal com as suas colónias.
Estou certo de que não o fez por astúcia
ou má-fé. Terá sido apenas algo que resultou de uma explosiva mistura de
militância e de desconhecimento. Cristina Roldão não sabe o suficiente
sobre tráfico de escravos, escravidão e respectivas abolições para falar sobre
esses assuntos de forma tão categórica. O facto, porém, é que o faz frequente e
equivocadamente, e, ao fazê-lo, introduz ruído no circuito e induz os seus
leitores em erro.
COMENTÁRIOS ( de 55)
Maria Paula Silva: Muito bom. Vivemos tempos perigosos em
que, não sei porquê (talvez o JPM saiba) se deu e dá palco à ignorância.
Premeia-se a mediocridade com muita facilidade. Assusta. Quantas pessoas são
(mal) influenciadas? e assim as inverdades vão ganhando cada vez mais terreno. Nunca
se canse, JMP. Obrigada.
José Paulo C Castro > João Vaz: Provavelmente, é o que os colegas woke dela lhe dizem:
a tese de que foi Portugal o culpado pela ideia de andar a 'descobrir' os
outros e colonizar. Deve ter-lhe criado um sentimento de culpa que os vikings
ou os romanos nunca tiveram. Os 6 milhões é para igualar aos números do
Holocausto. A causa dela não pode ser menor que a dos outros... João Vaz: Cristina Roldão, com sorte,
ainda há-de descobrir que foram os portugueses que inventaram a escravatura.
Antes o mundo era um paraíso, mas depois surgiram os portugueses e tudo mudou.
Quanto à fixação da senhora nos 6 milhões, provavelmente é estratégica.
Trata-se de um número que, por questões históricas, fica facilmente na mente e
demoniza mais do que 4,5 milhões. Esta gente não dá ponto sem nó. José Pinto
de Sá > Rui Lima: Meu caro, deixo as respostas à sua pergunta ao autor
(se lhe aprouver), mas há uma comparação sua que não posso deixar de comentar:
a dos romanos. É que os romanos apoderavam-se das pessoas dos povos que venciam em
guerra e tornavam-nas escravas, mas isso nunca aconteceu com os europeus em
África, nem em particular com os portugueses. Os portugueses não faziam
escravos de pessoas livres. Os portugueses, e outros europeus depois, compravam
escravos, ou recebiam escravos como oferta ou em pagamento de serviços
prestados aos reis africanos (do Congo, do Ndongo, etc). Adquiriam escravos que
já eram escravos antes, reduzidos a essa condição por outros africanos. Noto
que os muçulmanos, que traficaram mais escravos de África do que os europeus,
também se apoderavam das pessoas, escravizando-as. Mas não os portugueses, e
porquê? Primeiro, porque não tinham força para isso, pois o clima africano era
letal e por isso até finais do sec. XIX nunca houve mais que umas poucas
centenas de portugueses na África tropical. E segundo porque a moral cristã o
proibia. Essa moral e as igrejas cristãs toleravam a manutenção do estatuto
escravo de quem era adquirido já escravo, mas não a escravização de pessoas
livres. Rui Lima: Parabéns por mais um brilhante
e oportuno artigo, talvez me possa esclarecer não consigo compreender: tendo o
Brasil recebido escravos antes e após a sua independência até 1889 , o seu caso
será semelhante ao o dos USA, mas li que o Brasil tem muito dinheiro a receber e
os USA muito dinheiro a pagar - qual é a explicação? os 2 casos serão
semelhantes ou os 2 têm de receber ou os 2 terão de pagar? Para Portugal seria 70 vezes o seu PIB segundo
esses cálculos . Nas escola aprendi que a colonização romana nos trouxe o
desenvolvimento, arte, literatura, arquitectura, direito,urbanismo… porque
romanos eram um povo mais desenvolvidos
que os celtas e os iberos .Porque estes princípios não são válidos para África
que estava num estado tribal não tinha escrita os europeus levaram-lhe o progresso.
Porque hoje só se destacam as partes negativas? Como estariam essas tribos hoje
sem a colonização a matarem-se entre elas? ainda num estado primitivo? Os grandes
nomes de origem Africana dos desportos, a música, teriam existido? Pelé teria
existido? Michael Jackson teria existido ? Se muitos terão sido vítimas muito
mais milhões de africanos ganharam. A
cultura woke é uma loucura. Pior voltamos a dividir a humanidade por raças. José Paulo C Castro: A raiz marxista é
a explicação. Na falta de motivo para tentar criar uma luta de classes no tempo
actual, de globalismo e desenvolvimento tecnológico, é necessário criar uma
divisão de classes qualquer. Assim, recorre-se à história e a lutas de classes
passadas para fazer perdurar o conceito marxista de dividir a sociedade entre
opressores e oprimidos. Sem isso, toda a teoria marxista cai por terra. A
teoria da interseccionalidade vem depois juntar a esse conceito todo o tipo de
minoria. Mas a raiz é marxista. Porquê? Porque o objectivo final é isolar uma
categoria mais rica, em termos relativos, e conseguir obter a redistribuição
dessa riqueza. Não é outro. Isso explica porque o Brasil recebe, nessas contas,
e os Estados Unidos pagam, apesar de terem processos históricos semelhantes. João
Floriano: Não conhecia a Dra. Cristina Roldão, mas agora essa lacuna está devidamente
resolvida porque já a vi várias vezes em programas de debate, o último dos
quais na RTP1, onde o Dr João Pedro Marques também participou. Nenhum woke é
inocente ou bem- intencionado. Nesse aspecto parecem-se todos, não diferem. E
também não diferem no ar simpático, cordato, sorridente que exibem, verdadeiros
falinhas mansas, porque é mais do que sabido que com vinagre não se apanham
moscas e o que não falta por aí são moscas. A seu favor têm o facto de a
opinião pública ser bastante desconhecedora dos factos históricos e aceitar
uma versão woke baseada em valores pretensamente humanos mas que são
manipulados com um determinado fim. E o grande problema não é haver um
grupo bastante numeroso diga-se de passagem de wokes que manipulam a História
para atingir um determinado fim, nem sequer que tenham colunas em jornais de
referência ou espaço televisivo. O problema está no grande número de
políticos a quem demos o poder de decidir em nosso nome e que podem levar-nos
para um beco sem saída e hipotecar o nosso futuro nacional, porque estes wokes
não querem pedidos de desculpa, nem a devolução das obras de arte(???), querem
mesmo dinheiro. se não for esse o interesse qual o motivo de os nossos
amigos brasileiros já terem apresentado uma factura de 20 biliões de dólares e
S. Tomé e Principe já ter declarado que vai estudar o assunto e apresentar as
contas, ao mesmo tempo que prepara a instalação de bases russas na linha do
Equador? Um dos grandes desideratos da Dra. Roldão é que a História seja
contada com verdade e não com a perspectiva do opressor. Estou curioso por
saber como se vai dar a volta à História quando se chegar àquela parte de serem
os reis africanos protagonistas muito importantes no comércio de escravos, já
que a «mercadoria humana» era em grande parte fornecida por eles: negros
vendendo outros negros e também brancos quando calhava. Para nos convencer a
Dra. Cristina Roldão deu-nos o exemplo da Holanda e se não estou enganado de
organizações no Reino Unido todas muito empenhadas em extorquir compensações. Como
nós somos o país dos observatórios e das fundações, já devem estar a ser
criadas várias para dar seguimento ao processo que segundo o nosso original
Presidente da República temos de ser nós a liderar. Nesta crónica é dado
uma grande destaque à Dra. Cristina Rodão mas o painel de comentadores tinha
outras excelsas figuras do wokismo nacional porque dá-se um pontapé numa pedra
e aparecem aos magotes. Maria
Tubucci: Quando uma
ignorante utiliza a ignorância com arma para tentar “assaltar” a sociedade onde
vive, está tudo dito. Por mais que o Sr JPM lhe tente ensinar a verdade, ela
nunca a quererá ver, pois dá-lhe mais lucro ser ignorante, por exemplo, para
destilar ódio nas folhas do sinistro público. Antonio Rodrigues: É de elogiar a sua paciência
para conversar com fanáticos dogmáticos. Eu já desisti, estes srs e sras vivem
numa realidade diferente da minha e são incompreensíveis. Paul C.
Rosado: Tem toda a razão. Até há uma década atrás ninguém ligava nenhuma às mentiras
dos alucinados de extrema-esquerda. A diferença é que, com a infiltração do
wokismo nos media, passaram a ter palco garantido para apresentar alegremente
as suas aldrabices, que não passam de ideologia, mal mascarada de história. Obrigado
ao autor, pelo excelente trabalho que tem feito, para esclarecer e informar. Paulo
Silva: Conclusão. Uma coisa é o fim do tráfico trans-atlântico, outra é a abolição
da escravatura em si mesma. Cristina Roldão, como académica, tinha obrigação de
ser mais séria e rigorosa, mas devido às suas origens compreende-se que seja
tolhida pela emotividade. Já outros só se compreende pela má-fé segundo
intencionada - Marxismo Cultural, (o wokismo é apenas uma materialização ou um
sub-produto desta corrente).
Nuno Abreu: Muito Bom. Muito Obrigado por desmentir os novos
evangelistas da doutrina woke da história, nomeadamente essa presunçosa
Cristina Roldão. Estive dez anos em Moçambique. Os meus filhos são
Moçambicanos. Durante anos percorri Moçambique de lés a lés dirigindo a
montagem de centrais elétricas em vários municípios e fazendo aplicação de
motores Catarpillar em embarcações. Vim de lá com uma mão à frente outra atrás.
Tudo o que tinha – uma casa mobilada – deixei-a a um empregado moçambicano que
me ajudou a criar os filhos. Velha
do Restelo: Uma vez mais, obrigada! Vi o debate, e quem está escravizado (escravizada)
é a Cristina Roldão... a ideias erradas... Francisco Louro: Já agora quantos Lusitanos
foram escravos dos Romanos? Era um dado histórico importante. Hugo Taxa:O olhar dessa senhora quando o
JPM no referido debate a corrigiu uma e outra vez, dizia tudo - ela sente ódio por tudo o que a rodeia. Se calhar era melhor ela
procurar um canto no planeta - ou mesmo fora deste - porque por cá não vai
conseguir ultrapassar o ódio que a move, e que garantidamente, tão infeliz a
torna. João
Floriano > Maria Tubucci: Mais perigoso do que um ignorante, é um conhecedor
malicioso como muitos dos nossos wokes.
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