terça-feira, 14 de maio de 2024

E assim se vão fomentando


Os ódios, sob uma capa lustrosa de virtude rastejante - tal como eu já assistira, em África, há cinquenta anos, quando tudo começou … nem vale a pena focar de novo. Nessa altura ainda não se falava na dívida, o presidente de hoje, ao que parece filho de um presidente de ontem, com escrúpulos fervorosos hoje, como anda a difundir e em que a CS faz finca-pé igualmente, tudo “boa gente”, gente de finca-pé, blá-blá….

Mais um engano, mais uma mentira

A versão woke da história da escravatura e da sua abolição assenta numa série de apagamentos selectivos, em premissas falsas (ou não verificáveis) e numa teoria de raiz marxista.

JOÃO PEDRO MARQUES, Historiador e romancista

OBSERVADOR, 13 mai. 2024, 00:1755

Cristina Roldão tem manifesta tendência para subscrever e difundir tudo o que possa servir para denegrir a imagem do Portugal dos tempos coloniais. Os portugueses foram os maiores negreiros da era colonial? Cristina Roldão rejubila com isso — quanto pior melhor — e reforça a dose. Em vez dos 4,5 milhões de escravos que o país efectivamente levou, à sua reponsabilidade política, para a colónia do Brasil através do Atlântico, atribui-lhe 6 milhões. Avisada por diversas vezes de que esse número estava errado e resultava duma tendenciosa soma dos quantitativos de Portugal e do Brasil já independente, e já senhor das suas opções políticas, Cristina Roldão continuou teimosamente a insistir no erro.

No debate que recentemente tivemos na RTP1 também caiu por duas vezes em erros, que aqui não irei referir nem corrigir porque o debate teve o seu próprio espaço e tempo. Fez-se, está feito. Mas no artigo que escreveu no Público, logo na ressaca desse debate, e no qual se insurge contra a resistência portuguesa a aceitar reparações — e anseia por uma salvífica directiva europeia ou da CPLP que venha forçar Portugal a aceitá-las —, Cristina Roldão voltou a transmitir ideias completamente erradas e tendentes a apoucar a memória que o país tem do seu passado. Escreveu, a respeito da demora ou relutância dos actuais portugueses em aceitar as referidas reparações, que tudo isso lhe faz lembrar uma história já vista quando “Portugal foi obrigado (sic) a abolir a escravatura”. Ora isto é completamente falso, como se explica detalhadamente nas páginas 43 e 44 deste livro e já foi abordado num artigo no Observador no contexto de uma réplica a Francisco Bethencourt.

Portugal foi de facto coagido, por pressão britânica, a actuar contra o tráfico transoceânico de escravos. Esse tráfico era um problema internacional, que se processava num espaço aberto a todas as nações — o Atlântico — e que envolvia vários países. Os ingleses podiam pressionar e coagir Portugal a que resolvesse depressa essa questão porque, entretanto, o nosso país assinara vários tratados e assumira, nesse âmbito, vários compromissos com a Inglaterra. Num desses compromissos — o tratado de 22 de Janeiro de 1815 — o governo português obrigara-se, até, a fixar, em futuro acordo com a Grã-Bretanha, o período em que o tráfico haveria de cessar totalmente nos seus domínios. Essa e outras estipulações em tratados e convenções forjaram uma apertada rede de compromissos que Portugal cumpriu mal ou não cumpriu de todo, e que levaria a uma medida de força por parte da Inglaterra (a lei de Palmerston), a partir da qual, então sim, Portugal começou efectiva e eficazmente a combater o tráfico negreiro.

Mas quanto à abolição da escravatura — isto é, do estado de escravidão — a que Cristina Roldão se refere, Portugal não assinara tratado algum nem tinha qualquer compromisso político com os britânicos. Nem Londres tinha qualquer pretexto ou alavanca legal para interferir num assunto que era estritamente nacional, inteiramente interno a cada estado. O ritmo que Portugal seguiu na emancipação dos seus escravos coloniais foi aquele que decidiu ou conseguiu seguir. Foi o seu próprio ritmo e as leis que aprovou resultaram da sua própria vontade e dos arranjos políticos internos. A Inglaterra não meteu prego nem estopa nas decisões dos governos e das Cortes portuguesas, nem podia fazê-lo pois não tinha base legal para tanto. O caminho que Portugal seguiu nessa matéria foi um caminho lento, como o de quase todas as outras potências coloniais. Das primeiras propostas de lei até à abolição total passaram-se cerca de 40 anos, mas esse caminho foi percorrido pelos políticos portugueses sem empurrões ou coacções vindas de fora. Portugal não foi forçado. A emancipação dos escravos foi feita degrau a degrau, de forma muito gradual, e foi uma vitória da moral e da política portuguesas, aprovada por aclamação nas Cortes, ainda que o seu resultado final tenha ficado aquém dos objectivos iniciais de Sá da Bandeira, o maior abolicionista português, e um nome que a cultura woke esqueceu ou removeu de cena e que — espero não me enganar — Cristina Roldão nunca referiu nos vários textos que tem escrito sobre este tema.

A versão woke da história da escravatura e da sua abolição assenta numa série de apagamentos selectivos, em premissas falsas (ou não verificáveis) e numa teoria de raiz marxista, estribada nas ideias de que a escravatura transatlântica teria estado na origem de copiosos lucros e na génese do racismo, ideias que ainda há dias critiquei a propósito de um artigo de Miguel Vale de Almeida, um dos arautos ou divulgadores da dita teoria. A versão woke assenta, também, na errada convicção de que o tráfico transatlântico de escravos seria o inigualável pináculo da nocividade, diferente de todos os outros, porque teria supostamente estruturado desigualdades e violências que perduram até ao presente (e basta-nos pensar no sistema de castas indiano para saber que, infelizmente, há vários outros casos de desigualdades e violências, estruturadas no passado, que perduram até hoje). E a versão woke da história da escravatura apoia-se, ainda, em falsidades e deformações como a dos 6 milhões, que já referi acima. Com a ideia de que Portugal teria sido forçado a abolir a escravatura Cristina Roldão acrescentou mais uma mentira à extensa lista de falsificações da história da relação de Portugal com as suas colónias.

Estou certo de que não o fez por astúcia ou má-fé. Terá sido apenas algo que resultou de uma explosiva mistura de militância e de desconhecimento. Cristina Roldão não sabe o suficiente sobre tráfico de escravos, escravidão e respectivas abolições para falar sobre esses assuntos de forma tão categórica. O facto, porém, é que o faz frequente e equivocadamente, e, ao fazê-lo, introduz ruído no circuito e induz os seus leitores em erro.

ESCRAVATURA        SOCIEDADE

COMENTÁRIOS ( de 55)

Maria Paula Silva: Muito bom. Vivemos tempos perigosos em que, não sei porquê (talvez o JPM saiba) se deu e dá palco à ignorância. Premeia-se a mediocridade com muita facilidade. Assusta. Quantas pessoas são (mal) influenciadas? e assim as inverdades vão ganhando cada vez mais terreno. Nunca se canse, JMP. Obrigada.

José Paulo C Castro > João Vaz: Provavelmente, é o que os colegas woke dela lhe dizem: a tese de que foi Portugal o culpado pela ideia de andar a 'descobrir' os outros e colonizar. Deve ter-lhe criado um sentimento de culpa que os vikings ou os romanos nunca tiveram. Os 6 milhões é para igualar aos números do Holocausto. A causa dela não pode ser menor que a dos outros...                     João Vaz: Cristina Roldão, com sorte, ainda há-de descobrir que foram os portugueses que inventaram a escravatura. Antes o mundo era um paraíso, mas depois surgiram os portugueses e tudo mudou. Quanto à fixação da senhora nos 6 milhões, provavelmente é estratégica. Trata-se de um número que, por questões históricas, fica facilmente na mente e demoniza mais do que 4,5 milhões. Esta gente não dá ponto sem nó.             José Pinto de Sá > Rui Lima: Meu caro, deixo as respostas à sua pergunta ao autor (se lhe aprouver), mas há uma comparação sua que não posso deixar de comentar: a dos romanos. É que os romanos apoderavam-se das pessoas dos povos que venciam em guerra e tornavam-nas escravas, mas isso nunca aconteceu com os europeus em África, nem em particular com os portugueses. Os portugueses não faziam escravos de pessoas livres. Os portugueses, e outros europeus depois, compravam escravos, ou recebiam escravos como oferta ou em pagamento de serviços prestados aos reis africanos (do Congo, do Ndongo, etc). Adquiriam escravos que já eram escravos antes, reduzidos a essa condição por outros africanos. Noto que os muçulmanos, que traficaram mais escravos de África do que os europeus, também se apoderavam das pessoas, escravizando-as. Mas não os portugueses, e porquê? Primeiro, porque não tinham força para isso, pois o clima africano era letal e por isso até finais do sec. XIX nunca houve mais que umas poucas centenas de portugueses na África tropical. E segundo porque a moral cristã o proibia. Essa moral e as igrejas cristãs toleravam a manutenção do estatuto escravo de quem era adquirido já escravo, mas não a escravização de pessoas livres.                 Rui Lima: Parabéns por mais um brilhante e oportuno artigo, talvez me possa esclarecer não consigo compreender: tendo o Brasil recebido escravos antes e após a sua independência até 1889 , o seu caso será semelhante ao o dos USA, mas li que o Brasil tem muito dinheiro a receber e os USA muito dinheiro a pagar - qual é a explicação? os 2 casos serão semelhantes ou os 2 têm de receber ou os 2 terão de pagar? Para  Portugal seria 70 vezes o seu PIB segundo esses cálculos . Nas escola aprendi que a colonização romana nos trouxe o desenvolvimento, arte, literatura, arquitectura, direito,urbanismo… porque romanos eram um povo  mais desenvolvidos que os celtas e os iberos .Porque estes princípios não são válidos para África que estava num estado tribal não tinha escrita os europeus levaram-lhe o progresso. Porque hoje só se destacam as partes negativas? Como estariam essas tribos hoje sem a colonização a matarem-se entre elas? ainda num estado primitivo? Os grandes nomes de origem Africana dos desportos, a música, teriam existido? Pelé teria existido? Michael Jackson teria existido ? Se muitos terão sido vítimas muito mais milhões de africanos  ganharam. A cultura woke é uma loucura. Pior voltamos a dividir a humanidade por raças.                      José Paulo C Castro: A raiz marxista é a explicação. Na falta de motivo para tentar criar uma luta de classes no tempo actual, de globalismo e desenvolvimento tecnológico, é necessário criar uma divisão de classes qualquer. Assim, recorre-se à história e a lutas de classes passadas para fazer perdurar o conceito marxista de dividir a sociedade entre opressores e oprimidos. Sem isso, toda a teoria marxista cai por terra. A teoria da interseccionalidade vem depois juntar a esse conceito todo o tipo de minoria. Mas a raiz é marxista. Porquê? Porque o objectivo final é isolar uma categoria mais rica, em termos relativos, e conseguir obter a redistribuição dessa riqueza. Não é outro. Isso explica porque o Brasil recebe, nessas contas, e os Estados Unidos pagam, apesar de terem processos históricos semelhantes.                      João Floriano: Não conhecia a Dra. Cristina Roldão, mas agora essa lacuna está devidamente resolvida porque já a vi várias vezes em programas de debate, o último dos quais na RTP1, onde o Dr João Pedro Marques também participou. Nenhum woke é inocente ou bem- intencionado. Nesse aspecto parecem-se todos, não diferem. E também não diferem no ar simpático, cordato, sorridente que exibem, verdadeiros falinhas mansas, porque é mais do que sabido que com vinagre não se apanham moscas e o que não falta por aí são moscas. A seu favor têm o facto de a opinião pública ser bastante desconhecedora dos factos históricos e aceitar uma versão woke baseada em valores pretensamente humanos mas que são manipulados com um determinado fim. E o grande problema não é haver um grupo bastante numeroso diga-se de passagem de wokes que manipulam a História para atingir um determinado fim, nem sequer que tenham colunas em jornais de referência ou espaço televisivo. O problema está no grande número de políticos a quem demos o poder de decidir em nosso nome e que podem levar-nos para um beco sem saída e hipotecar o nosso futuro nacional, porque estes wokes não querem pedidos de desculpa, nem a devolução das obras de arte(???), querem mesmo dinheiro. se não for  esse o interesse qual o motivo de os nossos amigos brasileiros já terem apresentado uma factura de 20 biliões de dólares e S. Tomé e Principe já ter declarado que vai estudar o assunto e apresentar as contas, ao mesmo tempo que prepara a instalação de bases russas na linha do Equador? Um dos grandes desideratos da Dra. Roldão é que a História seja contada com verdade e não com a perspectiva do opressor. Estou curioso por saber como se vai dar a volta à História quando se chegar àquela parte de serem os reis africanos protagonistas muito importantes no comércio de escravos, já que a «mercadoria humana» era em grande parte fornecida por eles: negros vendendo outros negros e também brancos quando calhava. Para nos convencer a Dra. Cristina Roldão deu-nos o exemplo da Holanda e se não estou enganado de organizações no Reino Unido todas muito empenhadas em extorquir compensações. Como nós somos o país dos observatórios e das fundações, já devem estar a ser criadas várias para dar seguimento ao processo que segundo o nosso original Presidente da República temos de ser nós a liderar. Nesta crónica é dado uma grande destaque à Dra. Cristina Rodão mas o painel de comentadores tinha outras excelsas figuras do wokismo nacional porque dá-se um pontapé numa pedra e aparecem aos magotes.                  Maria Tubucci: Quando uma ignorante utiliza a ignorância com arma para tentar “assaltar” a sociedade onde vive, está tudo dito. Por mais que o Sr JPM lhe tente ensinar a verdade, ela nunca a quererá ver, pois dá-lhe mais lucro ser ignorante, por exemplo, para destilar ódio nas folhas do sinistro público.           Antonio Rodrigues: É de elogiar a sua paciência para conversar com fanáticos dogmáticos. Eu já desisti, estes srs e sras vivem numa realidade diferente da minha e são incompreensíveis.                        Paul C. Rosado: Tem toda a razão. Até há uma década atrás ninguém ligava nenhuma às mentiras dos alucinados de extrema-esquerda. A diferença é que, com a infiltração do wokismo nos media, passaram a ter palco garantido para apresentar alegremente as suas aldrabices, que não passam de ideologia, mal mascarada de história. Obrigado ao autor, pelo excelente trabalho que tem feito, para esclarecer e informar.                     Paulo Silva: Conclusão. Uma coisa é o fim do tráfico trans-atlântico, outra é a abolição da escravatura em si mesma. Cristina Roldão, como académica, tinha obrigação de ser mais séria e rigorosa, mas devido às suas origens compreende-se que seja tolhida pela emotividade. Já outros só se compreende pela má-fé segundo intencionada - Marxismo Cultural, (o wokismo é apenas uma materialização ou um sub-produto desta corrente).                    Nuno Abreu: Muito Bom. Muito Obrigado por desmentir os novos evangelistas da doutrina woke da história, nomeadamente essa presunçosa Cristina Roldão. Estive dez anos em Moçambique. Os meus filhos são Moçambicanos. Durante anos percorri Moçambique de lés a lés dirigindo a montagem de centrais elétricas em vários municípios e fazendo aplicação de motores Catarpillar em embarcações. Vim de lá com uma mão à frente outra atrás. Tudo o que tinha – uma casa mobilada – deixei-a a um empregado moçambicano que me ajudou a criar os filhos.                Velha do Restelo: Uma vez mais, obrigada! Vi o debate, e quem está escravizado (escravizada) é a Cristina Roldão... a ideias erradas...                 Francisco Louro: Já agora quantos Lusitanos foram escravos dos Romanos? Era um dado histórico importante.           Hugo Taxa:O olhar dessa senhora quando o JPM no referido debate a corrigiu uma e outra vez, dizia tudo - ela sente ódio por tudo o que a rodeia. Se calhar era melhor ela procurar um canto no planeta - ou mesmo fora deste - porque por cá não vai conseguir ultrapassar o ódio que a move, e que garantidamente, tão infeliz a torna.                João Floriano > Maria Tubucci: Mais perigoso do que um ignorante, é um conhecedor malicioso como muitos dos nossos wokes.

Nenhum comentário: