Digo, o tribunal… Não haveria o perigo da retaliação imediata exigida pelo
senhor presidente, adiada por motivos de atraso sine die, outros casos fazendo bicha prioritária, nas histórias da
nossa história judicial. Confiemos no nosso atraso judicial, entre os mais.
A história não é um tribunal
Não sou especialista em história
colonial mas estudei história o suficiente para saber duas coisas: os conflitos
sobre a história obedecem a motivações políticas do presente e normalmente
acabam mal.
JOÃO MARQUES DE ALMEIDA Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 02 mai.
2024, 07:5139
Os
países ocidentais estão em guerra sobre a sua história. Portugal não é excepção.
Ora, o Presidente da República, em vez de apaziguar, inflamou as discussões
sobre a nossa história, defendendo “reparações” às antigas colónias pelos
crimes cometidos durante a colonização. Com a sua habitual irresponsabilidade,
Marcelo Rebelo de Sousa não disse quais seriam as reparações e como seriam
feitas.
Não sou especialista sobre a história
colonial, mas estudei história o suficiente para saber duas coisas: os conflitos sobre a história obedecem a
motivações políticas do presente; e normalmente acabam mal. Antes de
exibirmos uma enorme ligeireza sobre a compreensão da história, e de fazermos
afirmações categóricas, que nada têm de análise histórica, mas sim de luta
política, devíamos ter consciência sobre as fracturas que estamos a cavar e as
suas consequências. Não duvido das boas intenções de alguns (onde não incluo o
Presidente da República), mas são de uma ligeireza e mesmo de uma inocência
graves. Como se diz habitualmente, e com razão, o inferno está cheio de boas
intenções.
Não vou entrar nos pormenores da
história do colonialismo, a qual é muito complicada, e seguramente não se
divide entre diabos e anjos. Mas há um ponto fundamental. De onde vem a
legitimidade daqueles que se querem tornar os juízes do passado? Que mandato
receberam, e de quem, para julgar o que foi feito há 500, há 400, há 300, há
200 e há 100 anos? Por que razão,
acham que é válido recorrer a valores contemporâneos para julgar comportamentos
de sociedades que viviam com categorias normativas e morais absolutamente
diferentes? É extraordinário que a visão punitiva do passado vem de pessoas
progressistas. O julgamento do passado com categorias do presente constitui
precisamente a negação do progresso.
A
arrogância de quem considera que tem o poder e a legitimidade para julgar o passado
significa um dos exemplos mais poderosos, e negativos, do comportamento
“superhumano” de Nietzsche, que renuncia totalmente à humildade e dá a si
próprio os poderes supremos de tudo julgar e de tudo condenar de acordo com a
sua experiência particular. Veja-se um exemplo. Muitos que condenam o “imperialismo
ocidental”, que quer impor os valores liberais a outros povos e outras
culturas, praticam uma espécie de “imperialismo do presente”, impondo os seus
valores a todo o passado.
Mas as guerras culturais sobre a
história não acontecem por acaso agora. Vivemos um período da política
global onde há uma aliança entre a Rússia, a China e o Irão que procura
enfraquecer os países ocidentais. Semanalmente,
Putin, Xi e os líderes espirituais de Teerão acusam os países ocidentais de
colonialismo (como sabemos muito bem a Rússia, a China e o Irão nunca
conquistaram impérios) e de crimes históricos. A rejeição
da história é fundamental para enfraquecer identidades nacionais e os países
ocidentais. Os nossos juízes da história são aliados
objectivos das estratégias da China, da Rússia e do Irão de enfraquecer os
países ocidentais, a maioria sem ter qualquer consciência disso, mas alguns
sabem muito bem o que estão a fazer. Cada vez
que se ataca a nossa história com a violência com que o Presidente o fez,
reforça-se o poder daqueles que nos países de língua portuguesa se querem aliar
à China e à Rússia e não aos países ocidentais. Terão Putin e Xi acrescentado
Marcelo à lista dos seus aliados no Ocidente?
Obviamente, a história deve continuar a
ser discutida e interpretações diferentes do passado são bem-vindas. Mas
interpretar, criticar não significa julgar tempos diferentes com os nossos
quadros mentais e normativos, como se
estivéssemos a colonizar o passado com as ideologias contemporâneas.
Mas há outra questão relevante. O conceito de responsabilidade
colectiva é muito polémico. Há muitos portugueses que se recusam a aceitar
responsabilidade pelo que aconteceu no Império português. Nas democracias
liberais e pluralistas, por regra, a responsabilidade individual deve
prevalecer sobre a responsabilidade colectiva. Desconfio que a maioria dos portugueses não sente responsabilidade
individual pelas políticas coloniais do passado. Só em circunstâncias
absolutamente excepcionais é que a responsabilidade individual deve estar
subordinada à responsabilidade colectiva. E, para que isso aconteça, é
necessário um consenso nacional muito forte. No caso das “reparações” às antigas colónias parece-me que estamos
muito longe de um consenso nacional. Pelo contrário, parece ser uma questão
fracturante que só irá dividir ainda mais o país.
HISTÓRIA CULTURA COLONIALISMO MUNDO
COMENTÁRIOS (de 39)
Carlos Quartel: Marcelo levanta estas lebres só para procurar
protagonismo e, neste caso, desviar atenções da história das gémeas. A história
da espécie é a história da conquista, da guerra, do roubo, da violação do
genocídio. E Marcelo
sabe-o bem Era bonito pedirmos desculpa aos marroquinos por os ter expulsado,
ou pedirmos compensações aos franceses pelos roubos e desmandos das invasões
napoleónicas. Até os nórdicos tinham que pagar pelos roubos e comércio de
escravos dos vikings. É preciso que alguém diga isto, em voz alta, de modo a
convencê-lo que não vamos na conversa dele. Já chega de patetices . Afonso
Soares: Não sinto
responsabilidade nenhuma. Sinto-me VITIMA por cerca de trinta meses em que
estive na guerra colonial. O PR deve sentir culpa pelos anos em que o PAI dele
esteve em Moçambique como Governador-Geral de 1968/70 e Ministro do Ultramar de
1973/74. Portanto o PR deve pagar porque foi um dos beneficiados. Vivemos
tempos estranhos governados por gente estranha. Francisco
Almeida: Muito bom
artigo. Vai sendo tempo de denunciar e lutar efectivamente contra os que
objectivamente, atentam contra a nossa civilização ocidental, sejam eles
intelectuais, arruaceiros ou presidentes da República. Isabel
Amorim: A história
desta história só tem a ver com uma coisa: desviar a atenção do caso das
gémeas, mais nada! Não tem a ver com caso nunhum profundo, simplesmente desviar
as atenções. Carlos
Marques: A criatura
com os disparates que disse só está a tentar desviar as atenções dos casos que
envolvem a família. Investiguem a fundo o caso da santa casa. João
Floriano: Excelente
crónica, cheia de sensatez. Este assunto é sobretudo uma questão de bom senso.
Ainda não conseguimos perceber (eu pelo menos não consegui e agradeço que
alguém que já tenha chegado a um entendimento, me informe) sobre as verdadeiras
motivações de Marcelo Rebelo de Sousa que com as suas insistentes declarações
veio provocar acentuado mal-estar e alarme social. A crónica motivou-me outra
reflexão: se a sociedade portuguesa já tem uma larga componente de cidadãos com
proveniência africana e brasileira, já aqui nascidos ou vivendo aqui há muitos
anos, se tem igualmente um largo número de imigrantes vindos dos países a
compensar, então essa multidão estará também a contribuir através dos seus
rendimentos para o bolo da compensação. Penalizados no passado (de acordo com a
teoria woke), sê-lo-ão agora no presente porque economicamente não se
compreende como as compensações serão feitas se não forem em dinheiro. As
autoridades dos países a compensar estão-se borrifando para estátuas de madeira
de pénis alterados. querem mesmo dinheiro. Tenho sempre resistido a teorias da
conspiração que existem paralelamente à evolução da NOM, que a mim me parece
óbvia : impérios caem, outros lhe tomam o lugar. O que eu não compreendo é
haver no mundo ocidental quem alimente a destruição do nosso modo de vida e
faça o jogo dos nossos inimigos. antonyo
antonyo: O que é
curioso é que o Brasil, tão rápido agora a fazer prova de vida , só 50 anos
após a independência é que aboliu a escravatura ! bento
guerra: Um masoquismo
de idiotas, mal resolvidos com a sua própria história Alexandra Azevedo: Excelente-comentário. Em-relação-ao-MRS-acho-que-lançou-este-assunto-para-tentar-esquecer-o-assunto-das-gémeas. Joana Fernandes: Excelente, como sempre! JMA tal como Miguel Morgado
são dos poucos pensadores políticos actuais que não seguem a torrente e se
destacam pela clareza de conceitos e princípios tão importantes para colocar as
discussões nos devidos limites. Onde é que isto nos leva? Não podemos ser juízes
da história! Boa ou má, a história é o que foi e só nos resta estudá-la para
não cometermos os mesmos erros e antecipar outros. Num mundo cada vez mais
imprevisível, o “story telling” é essencial para se poder ter o máximo de
imagens e ideias do que pode acontecer… se vamos agora censurar a história o
que nos resta para olharmos o futuro?? José Carvalho: "há 500, há 400, há 300, há 200 e há 100
anos?"
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