Eu sempre ouvi falar no contributo russo
para as descolonizações, natural é a devolução dos favores, dos sãotomenses e
dos mais. O resto, as tais concertações, como a CPLP não passarão de
saudosismos nossos, afadistados que somos. De Olhão também, ao que se diz. Mas
de olhão somos todos, até mesmo os são tomenses, que não são de fados, mas de
vantagens próprias, naturalmente. E têm bué apoiantes, por cá. A rir-se, e a
amar de paixão.
Portugal, São Tomé, a Rússia e o futuro
Seria uma ilusão pensar que Portugal
ficará imune ao que se passa num Mundo mais perigoso.
BRUNO CARDOSO REIS
Historiador e especialista em segurança internacional
OBSERVADOR, 17 mai. 2024, 00:19
O
Mundo está mais competitivo e mais conflituoso. Isso é tragicamente evidente na
Ucrânia, mas seria uma ilusão pensar que Portugal ficará imune ao que se passa
num Mundo mais perigoso para se dedicar apenas a casas, escolas e hospitais. Estamos para já a viver um período de transição de
poder que historicamente resultou sempre em: mais tensões, mais conflitos, mais
guerras, em suma mais perigos para pequenas potências como Portugal. Também é verdade que a par de mais riscos
podem surgir oportunidades para explorar rivalidades e obter concessões de
diferentes potências. É esse o jogo que São Tomé e Príncipe decidiu
jogar. Fê-lo nos últimos anos com Taiwan e a China. Fê-lo agora com a Rússia. Dizer que
isso significa um falhanço de Portugal ou da CPLP é não perceber o Mundo em que
estamos, o nosso real peso ou a natureza da CPLP.
O que quis Portugal com a CPLP?
A CPLP, criada em 1996, não é
um novo nome para o império português. O final da Primeira Guerra Fria, em 1991,
facilitou esta formalização da comunidade de cooperação lusófona. Uma Segunda
Guerra Fria será um teste à sua resiliência e utilidade. Felizmente a
CPLP nunca foi uma aliança militar, nem pretendeu ser um bloco exclusivo. É uma organização intergovernamental voluntária de
países plenamente soberanos espalhados pelos cinco continentes. Países que,
fazendo parte de diferentes regiões, naturalmente aderiram a diferentes
organizações regionais económicas e de segurança. É umas das suas mais valias.
A CPLP foi o culminar do esforço de sucessivos governos de direita e
esquerda do Portugal, pós-25 de abril de 1974, para normalizar e intensificar a cooperação com as antigas colónias.
Isso foi feito frequentemente ignorando os diferentes alinhamentos dos países lusófonos
no quadro de uma Guerra Fria Global que tinha voltado a intensificar, a partir
de 1975, nomeadamente em África. O
Presidente Ramalho Eanes que muito se empenhou nesse processo – por exemplo, com a cimeira de Bissau de julho de
1978 – justificava essa opção ao embaixador britânico lembrando que, nessa
época e no continente africano, não havia propriamente grande escolha de
democracias multipartidárias alinhadas com o Ocidente. Estaremos a regressar a uma
situação semelhante? Na altura, Portugal e as antigas colónias africanas, todas
elas com regimes marxistas, puseram de lado contenciosos históricos e
diferentes alinhamentos na Guerra Fria, para melhor virar a página em nome de uma cooperação de interesse
mútuo, inclusive no campo da defesa.
Portugal e São Tomé
Afirmar que Portugal falhou em
São Tomé porque não consegue impedir que este país faça acordos com grandes
potências como a China ou a Rússia é não ter a noção desta realidade
internacional ou da nossa capacidade de influência. Se
algum país poderia ter essa ambição seriam os EUA. O Presidente Joe Biden tem
procurado recuperar algum do terreno perdido em África depois de enormes
oscilações no grau de interesse dos EUA no continente, atingindo um ponto
especialmente baixo com Donald Trump. Mas o responsável máximo da diplomacia norte-americana, Anthony
Blinken, tem deixado claro que os EUA não
pretendem exigir aos países africanos acordos exclusivos. O Brasil, o Estado da CPLP de maiores dimensões e peso até
esboçou a criação de uma zona de influência exclusiva no Atlântico Sul. Desde
1986 que ocasionalmente tem apostado na chamada ZOPACAS, uma zona de paz e
segurança no Atlântico Sul. Isso justificaria, na leitura do
presidente Lula que os países ribeirinhos limitassem a cooperação militar com
grandes potências exteriores à região. Mas isso nunca aconteceu. Os países africanos há décadas que deixam
claro, a quem os quiser ouvir, que não fazem um balanço positivo dos
blocos da Guerra Fria e preferem maximizar oportunidades de investimento,
comércio e cooperação com diferentes parceiros. Não faria qualquer sentido que Portugal tivesse como objectivo um
exclusivo que nem os EUA, nem o Brasil conseguiram alcançar.
Soberanias
O governo são-tomense diz com
razão que qualquer país soberano tem o direito de cooperar e se aliar com quem
lhe convém. Não menos evidente é que a cooperação militar não é igual às
demais. E que certas opções de cooperação e aliança podem ter consequências
negativas nas relações com outros Estados. Ser amigo de todos soa bem, mas, por
vezes, não é muito realista, sobretudo em período de conflito.
Curiosamente a propósito deste acordo muitos putinistas descobriram que
qualquer país pode escolher livremente cooperar ou aliar-se militarmente com
quem quiser, desde que seja com a Rússia e não com os EUA ou a NATO.
Claro que a mesma lógica se aplica a
Portugal. O nosso país tem tanto direito quanto São Tomé de escolher com quem
quer cooperar mais ou menos, em que áreas, e em função dos seus interesses e
valores. É legítimo e importante perguntar se Portugal deve cooperar
militarmente com os países lusófonos, façam que alianças fizerem, e seja que
regime e política interna e externa tenham? Devemos ajudar a afiar espadas usadas para dar golpes de Estado? Não
me parece, embora nas últimas décadas muitas vezes pareceu haver um alinhamento
automático com os demais países lusófonos. Claro que um corte total ao
primeiro problema também não faz sentido. Mas é legítimo Portugal
sinalizar em público e privado que esta aproximação a um país como a Rússia que
ameaça a nossa segurança na Europa e viola de forma flagrante e reiterada o
direito internacional é preocupante. É legítimo ponderar o conteúdo e as implicações do acordo e de uma
maior presença militar da Rússia em São Tomé. É mesmo indispensável fazê-lo em
relação à segurança operacional da presença militar portuguesa no país do Golfo
da Guiné. Se a aproximação à Rússia vier a significar golpismo,
violação de direitos fundamentais, hostilidade aos interesses e valores
europeus isso deverá ter consequências na cooperação portuguesa, a começar pela
militar, mesmo que não tenha de levar a um corte total. Fá-lo-ia com ponderação e discrição.
Exigir publicamente exclusivos parece contraproducente. Exploraria alternativas
inclusive de cooperação delegada da UE, ou trilateral, por exemplo, com os EUA.
Até porque a Rússia não é propriamente conhecida pela fiabilidade no
cumprimento dos compromissos assumidos. Moscovo prometeu a paz e o respeito
pelas fronteiras de Ucrânia em troca de receber as respectivas armas nucleares,
e sabemos o que realmente aconteceu. São Tomé faria bem em o ter em conta ao
lidar, legitimamente, com a Rússia de Putin.
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