Ninguém deixa ir, por isso racha sempre, e todos nós contribuímos, com
os muitos bentos da nossa guerra, não dando hipótese a quem, pelo menos,
pretende “salvar a pátria”, sem, todavia, ter em conta de que por aqui não se
sabe o que isso é…
Se acordos discretos com o Chega já eram difíceis agora ficaram-no
mais. De modo que de reformas estamos conversados
JOSÉ MEIRELES GRAÇA Convidado da Oficina da Liberdade
OBSERVADOR, 17 mai. 2024, 00:158
Diz-se que a fragmentação política
implica a recomendação para entendimentos que os eleitorados, na sua superior
sapiência, fazem; e que na Europa são cada vez mais os governos de coligação.
Cada caso é um caso mas se a tendência é
generalizada (naqueles países em que os sistemas eleitorais não são da
variedade que afunila os resultados por as circunscrições serem do tipo quem
ganha ganha tudo, como no Reino Unido, ou outra combinação que remeta partidos
pequenos para as franjas da opinião) isso carece de interpretação. A qual
consiste num crescente mal-estar num continente a envelhecer, invadido por
hordas de jovens e famílias que vão constituir guetos por vezes de difícil, ou
impossível, integração, com o pano de fundo difuso de a Ásia e os EUA (estes
desmentindo a decadência que vozes sábias periodicamente lhes anunciam) a
crescerem como há muito por cá não se vê e a ameaça, para a qual a UE não está
(nem poderia estar) preparada, mas os países que a constituem também não,
viciados no tradicional chapéu americano da OTAN, de uma guerra generalizada.
Chegam
também modas de pensamento, quase todas sob a égide do pujante marxismo do séc.
XXI: onde dantes
havia o proletariado explorado há agora uma minoria qualquer (ou maioria, se
forem mulheres) alegadamente oprimida cuja vanguarda mora nas universidades e
nos partidos da extrema-esquerda, a qual se veio associar, e em parte
substituir, à tradicional.
Sucede que o caso português tem, como
não podia deixar de ser, particularidades: a Europa em retrocesso relativo no
plano mundial é o Eldorado dos empregos bem remunerados que cá não há; os que
se criam, sobretudo na estância turística que hoje o país é, são crescentemente
preenchidos por imigrantes com menos formação do que os emigrantes; e uma
grande fatia do eleitorado é hoje uma massa de velhos sentados à mesa da
Segurança Social para a sua sobrevivência, enquanto jogam sueca no café, ou no
jardim quando o tempo está bom.
Este é o resultado de mais de 20 anos de doutrina socialista, em que
pese o PSD ter tibiamente, quando a oportunidade surgiu, tentado reverter o
processo. Que processo é esse? O da dependência da esmola europeia para
um módico de investimento e funcionamento de uma administração aliás pletórica;
a cativação para a dependência do Estado de uma mole de eleitores; uma
comunicação social falida repetindo os puídos motes da gesta de Abril como se
esta, depois de um parto difícil, pudesse dar por si, além da democracia
razoavelmente consolidada, desenvolvimento; e uma classe política cansada
repetindo o mesmo jogo, que é o único que o eleitorado consente, com novos
actores porque os outros se reformaram, foram reformados ou morreram.
O problema de atraso relativo que nos
acompanha há mais de 200 anos (e que foi
interrompido durante o Estado Novo, sobretudo na sua última década, mas cujo
preço alto, sob a forma de autoritarismo e atropelo de direitos, é hoje
impensável) não está em vias de solução prospectiva; e a propaganda
da magra convergência com a média europeia resulta apenas das dificuldades da
RFA e da Itália, que puxam a média para baixo.
Tudo isto, e mais, é sabido. A AD ganhou as eleições porque, sem
ofender nenhum benefício dos que o Estado outorga a quem outorga (pelo
contrário, prometendo reforçá-los modestamente) pareceu mais capaz de oferecer
algum crescimento e a eficácia dos SNS e outros serviços na qual o PS, para lá
da barragem da sua eficaz propaganda, falhou. O
PS perdeu porque não se pode enganar toda a gente o tempo todo; e aquela
vitória da AD, por previsivelmente exígua, criou um problema inteiramente novo,
que é o da ingovernabilidade.
Disse
antes das eleições, aqui
e aqui, que as linhas
vermelhas em torno do Chega eram um erro estratégico; e, depois das eleições, que
com o PS não se podem fazer as reformas que este nunca fez, nem sabe ou quer
fazer.
Sucede que no tempo já decorrido o Chega,
livre de peias, tem asneirado com abundância: a acusação de traição à Pátria
contra Marcelo, além de uma aberração jurídica (o Presidente é apenas réu do crime de querer agradar a qualquer
plateia que tenha pela frente e ser um depositário acrítico, como sempre foi,
de patetices que imagine consensuais), é uma oportunista confusão entre
assuntos de natureza política e criminal; a aliança com o PS na
abolição de portagens nas SCUTs é, objectivamente, uma participação num conluio
perigoso para pendurar ao pescoço da AD a
derrapagem nas contas públicas; e
a inacreditável entrevista do putativo
conspiracionista e anti-Judeu cabeça de lista às Europeias, o embaixador Tânger
Correia, é uma ilustração penosa da falta de quadros do partido. É
certo que aquele tentou, e em parte conseguiu, em nova entrevista, desta vez à TVI, corrigir o tiro. E no debate de quarta-feira passada na RTP3 pareceu um modelo de
sensatez e equilíbrio. Mas no resto da mesa estavam Paupério e Fidalgo,
respectivamente do Livre e do PAN, que têm opiniões com acne e toilettes retóricas
de arco-íris; e Catarina Martins, mais polida nos delírios sobre uma Europa na
versão do capitalismo anticapitalista que o BE defende, e que todavia não
conseguiu (nem sequer se esforçou) disfarçar o genuíno ódio que nutre pelo que
considera ser o partido que o promove contra os imigrantes.
Se acordos discretos com o Chega já eram difíceis agora ficaram-no
mais.
De modo que de reformas (as quais, por
definição, desagradam sempre a uma parte do eleitorado) estamos conversados.
Resta esperar que o Governo não caia na esparrela de ficar mal na
fotografia da comparação com o PS, que com algumas moscambilhas de permeio, as
cativações à sorrelfa e a ajuda da inflação, se apresentou como o campeão da
redução da dívida pública. E se o preço dessa defesa de um módico de
racionalidade tiver de ser entregar as chaves de S. Bento a Belém, que
Montenegro não hesite, informando o senhor Presidente: Não fui eleito para
desgovernar.
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores
dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela
totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma
posição da Oficina da Liberdade sobre
os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que
querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam,
porém, na melhor forma de lá chegar.
COMENTÁRIOS (de 8)
bento guerra:
A direita enxotou a esquerda, depois
de 8 anos de governação Costa. Conseguiu um total de 138 deputados, uma maioria
esmagadora. Mas, os estrategas do PSD decidiram que um milhão e duzentos mil
votantes ,mereciam um "NÃO!", para acabar num governo minoritário. Que
alguém me venha explicar, se este governo de dirigentes tacanhos, não tem de
ser corrido?
Nenhum comentário:
Postar um comentário