terça-feira, 12 de dezembro de 2023

A escola da adequação


No artigo de Eduardo Sá, propõem-se mudanças escolares na questão das competências que se exigem hoje e repito os axiomas postos pelo psicólogo , de resto, colocados em índice introdutório: «Impõe-se que nos perguntemos se a escola, hoje, se adequa aos adolescentes que temos. Às fontes de informação a que recorrem. Ao modo como pensam. Às matérias e métodos de ensino com que as aprendem.»

Apesar das verdades contidas ao longo de um raciocínio claro sobre as perversões do actual ensino – pese embora a omissão da referência à indisciplina escolar de falta de regras de educação estatuídas pela doutrina educativa ministerial convenientemente democrática e tolamente permissiva – eu julgo que não se deve pôr tanto em causa a função actual da escola, aparentemente entorpecida nos métodos e saberes inadequados às competências exigíveis hoje. Como se o conhecimento não fosse tão importante hoje como ontem, cada vez mais acrescido de informação, é certo, mas em todos os tempos exigindo bases e regras que ajudam ao fortalecimento dos saberes e das personalidades! O que a mim parece, é que se deve exigir competência e exigência nos professores e nas suas matérias de ensino - de que, de resto, os livros escolares são geralmente boa demonstração - que não deve ser escamoteada ou largada para o lixo - como o fez o tal professor do “Clube dos poetas mortos”, rasgando – e fazendo os alunos rasgar - os compêndios de literatura, a pretexto dessas patacoadas sobre o paralelismo entre os saberes e experiências dos livros e dos professores, com os mesmos dos alunos - teoria posta em prática já nos meus tempos de estágio.

Ser moderno no ensino, um convite, sim, à palhaçada grevista arruaceira reivindicativa, de uma permissividade justificativa disto em que nos tornámos – um povo de arruaça, diversão e inércia. Felizmente que ainda há famílias e professores cuja missão não vai nessas propostas que os Mários Nogueiras do ripanço docente vão impondo aos mesmos docentes de boas pernas para descer as avenidas da nossa reivindicação pessoal, de pandeireta e apito – em justa causa, talvez, mas de tão repetitiva, tornada inócua, embora nos envergonhe, pela falta de dignidade, na indiferença que os professores grevistas revelam pelo seu papel de pedagogos, e no paralelismo com os mais grevistas, angariadores de melhores ordenados ou de melhores condições de trabalho…

E já que é de um Sá o texto pedagogo, lembrei-me dos conselhos que o amigo Bieito dá ao pastor Gil na écloga Basto do nosso “bom Sá” (de Miranda, este), que já por vezes referi, na proposta de Bieito ao amigo misantropo Gil, arredio nos montes, em história adequada ao “Maria vai com as outras” que ele reivindica para o amigo e que de resto é muito do nosso âmbito, como o provérbio demonstra, e que convém seguir, mesmo só em greve, não de diversão molhada, mas levando apito e pandeiro como as mais…:

«Dia de Maio choveu:
a quantos a água alcançou
o miolo revolveu;
houve um só que se salvou,
que ao coberto se acolheu.
 
Dera vista às semeadas,
as que tinha mais vizinhas;
viu armar as trovoadas,
acolhe-se às bem vedadas
das suas baixas casinhas.
 
32
Ao outro dia um lhe dava
piparotes no nariz,
vinha outro que o escornava;
aí também era o juiz,
que se de riso finava.
 
Bradava ele: - Homens, estai!
iam-lhe c’o dedo ao olho.
Disse então: - E assi que vai?
Não creio logo em meu pai,
se me desta água não molho.
 
33
Apaixonado qual vinha,
achou num charco que farte;
o conselho havido o tinha:
molhou-se de toda a parte,
tomou-a como mezinha.
 
Quantos viram, lá correram:
um que salta, outro que trota,
quantas graças i fizeram!
Logo todos se entenderam:
ei-los vão numa chacota.»

De chacota, é o que tudo isto significa, neste nosso mundo cão (sem ofensa para o cão).

A escola e o futuro

Impõe-se que nos perguntemos se a escola, hoje, se adequa aos adolescentes que temos. Às fontes de informação a que recorrem. Ao modo como pensam. Às matérias e métodos de ensino com que as aprendem.

EDUARDO SÁ Psicólogo

OBSERVADOR, 10 dez. 2023, 20:113

Quase depressa demais, a relação entre a pandemia e a escola deixou de ser um assunto de primeira página. Apesar disso, os directores escolares foram sempre reclamando mais recursos para promoverem as recuperações de aprendizagens. Os computadores e a banda larga para todos perderam o seu ímpeto inicial.  As entrevistas sobre o sucesso da escola na pandemia tornaram-se mais frequentes. E, em Outubro deste ano, afirmava-se que as médias dos alunos do 5.º ao 9.º não só não tinham baixado durante a pandemia como “na esmagadora maioria das disciplinas, os resultados mantiveram-se idênticos ou subiram ligeiramente”. Por mais que um relatório do Conselho Nacional de Educação tivesse afirmado que os efeitos da pandemia se iriam prolongar no tempo, com consequências graves a nível do abandono e do insucesso escolares.

Entretanto, há já alguns dias, os resultados do programa PISA da OCDE vieram demonstrar que os alunos portugueses de 15 anos registaram uma queda de resultados sem precedentes. Sendo esses resultados os piores desde 2006! Enquanto alguns responsáveis políticos associavam esta queda à pandemia, o próprio relatório da OCDE recordava que o decréscimo do resultados já se vinha a verificar, em termos globais, há vários anos. Referindo-se à queda dos apoios-extra dos professores aos seus alunos, desde há 10 anos. O modo como a origem sócio-econômica dos alunos interfere nestes resultados, o que nos questiona sobre a função de “elevador social” da própria escola. E a falta, meses a fio, de docentes, em muitas disciplinas (à data de hoje, mais de 32 mil continuarão sem professor a, pelo menos, uma disciplina). Enquanto isso, o meu colega João Marôco recordava que “não se aprende mais ensinando menos”. Sobretudo quando, comparados com os resultados de 2018, nos confrontamos que os alunos de 15 anos terão frequentado menos um ano lectivo em 2022.

Chegados aqui, impõe-se que nos perguntemos se a escola, hoje, se adequa aos adolescentes que temos. Às fontes de informação a que recorrem. Ao modo como pensam. Às matérias e aos métodos de ensino com que as aprendem. Ao confronto entre um ensino tradicional e as novas tecnologias, e ao recurso, banalizado, à inteligência artificial para a elaboração de relatórios e de trabalhos. À ausência de métodos de estudo e de pesquisa que evidenciam. Aos tempos dedicados à escola e às aprendizagens. Aos métodos obsoletos de avaliação. Ao recurso, quase obsceno, a explicações, que os impede de serem autónomos e proactivos. À pressão que colocamos sobre os seus resultados, todos os dias. Aos professores que têm. Ou ao modo como está organizada a escola. E não sendo nada disto novo ou surpreendente, pergunta-se o que tem feito a escola para se reinventar. Sendo certo que mais escola não será melhor escola, menos aprendizagens serão, por inferência, pior futuro.

ADOLESCENTES     SOCIEDADE    ESCOLAS     EDUCAÇÃO

COMENTÁRIOS:
bento guerra: Com professores em conflito permanente, a escola não pode andar bem. O Ministério da Educação é uma fonte permanente de intromissão e conflito. A única coisa estável e garantida, é o Mário Nogueira                    Lily Lx: Quando a ideologia se sobrepõe à função da escola; quando a escola é depósito de crianças e vencimento de professores... Porque deixou a escola de ser um espaço de saber e de competência para oferecer um futuro às crianças? Porque deixou de ser um espaço de brincadeira nos recreios?      Domingas Coutinho: Sem dúvida que tudo evoluiu muito depressa e os jovens de hoje também acham que sabem tudo mas o que me parece é que o quadro docente está envelhecido, desmotivado e a função de professor não é atractiva para pessoas com potencial. Muitos professores actuais não estão a acompanhar as mudanças e andam na rua há meses em negociações e protestos. Além disso cada Ministro que vem é pior do que o anterior.

Nenhum comentário: