segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Realidades de hoje


Analisadas por um grande HISTORIADOR. Os partidos de direita a pretender dar a volta, na Europa e na América, com algumas esquerdas a rodar ainda, de que o nosso país é exemplo virtuoso e o nosso irmão brasileiro é outro, mas com a faca e o queijo na mão…

De Buenos Aires a Haia

Quando em 15 Estados da UE os partidos de “extrema-direita” têm mais de 20% do eleitorado, o alarme volta a soar na Holanda, com a vitória de Wilders, e nas Américas, com a do argentino Xavier Milei.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 09 dez. 2023, 00:1827

A eleição de Xavier Milei para Presidente da Argentina e a vitória do partido de Gert Wilders nas eleições parlamentares holandesas são sinais de que qualquer coisa de novo e profundo está a acontecer no mundo euro-americano.

A reviravolta na Europa e nas Américas começou com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos fez agora sete anos –   e prosseguiu com o triunfo de Bolsonaro; enquanto na Europa Central se mantinham e renovavam os governos nacionais-conservadores de Viktor Orbán, na Hungria, e dos polacos do Lei e Justiça. Depois veio a vitória de Giorgia Meloni, que começou a vida política, ainda adolescente, na Frente da Juventude do MSI e fez todo o trajecto do partido de Almirante até aos Fratelli d’Italia e à coligação de direita que agora governa a Itália (passando pela Alianza Nazionale, com Fini, e depois pela coligação com a Forza Italia de Berlusconi).

Hoje, em 15 Estados da União Europeia os partidos a que alguns media chamam de “extrema-direita”, dos Democratas Suecos ao Rassemblement National francês (“União Nacional” em português), têm mais de 20% do eleitorado. A Esquerda, as esquerdas, o Centro, os centros e até as “direitas moderadas” dizem-se alarmados com semelhante tendência, mas têm dificuldade em explicá-la nos termos tradicionais, isto é, recorrendo à tese da ligação “Fascismo-Grande Capital” ou detectando na ascensão da Direita, ou melhor, da extrema-direita, o dedo invisível do imperialismo. Infelizmente, o “Grande Capital”, o capital tentacular, globalista, financeiro, tende hoje a alinhar com emoção e carinho no mundialismo, no multiculturalismo, no wokismo – as agendas pós-neo-marxistas que sucederam às tradicionais, organizadas em torno de notórios benfeitores da Humanidade como Trotsky, Mao ou Lenine. Quanto ao imperialismo – americano, supõe-se –, tanto quanto se sabe está ao serviço da Administração Joe Biden-Kamala Harris, uma Administração eminentemente progressista quando não francamente wokista.

As causas das coisas

Mas, maniqueísmos e teorias da conspiração à parte, o que é que realmente há de comum em todas estas vitórias ou subidas da “extrema-direita” e seus caudilhos?

A primeira característica comum é que exprimem uma rejeição do que está, recusando a alternativa, muito particularmente nas bipolarizações em eleições presidenciais: em 2016, nos Estados Unidos, Trump era alternativa a Hillary Clinton, uma representante do establishment liberal chic da Costa Leste, de onde, de resto, vinha o próprio Trump, que, entretanto, aparecia como a voz dos descontentes do Sul profundo e do Nordeste desindustrializado, bem como de outros “deploráveis”.

O globalismo teve esse efeito: procurando espaços geopolíticos de mão de obra barata e com poucos direitos, contando com a cumplicidade dos políticos dos partidos tradicionais, já sem União Soviética nem China fechadas ao investimento, com a bênção do capital financeiro mais ou menos anónimo, as indústrias debandaram para as periferias baratas, graças também à total indiferença dos políticos norte-americanos e europeus em conter a debandada. E do mesmo modo que permitiram e até encorajaram a desindustrialização, permitiram e encorajaram a entrada de imigrantes oriundos de culturas dificilmente assimiláveis e que, por isso, foram criando comunidades estranhas aos países de acolhimento.  O alheamento ou o divórcio destes governantes, ou das “elites”, da realidade vivida pelo povo e os casos de compadrio e corrupção tornados públicos acirraram a hostilidade popular.

Foi este o fenómeno que levou à subida em flecha das votações na “extrema-direita” em países como a Suécia, a Finlândia, a Suíça e agora os Países Baixos.

A sensação de perda de identidade ou de “chão”, a descaracterização do território de enraizamento ou pertença causada pela imigração não integrada, tem também, em Espanha, expressão na ameaça à integridade do território nacional causada pelos separatismos. E a reacção pouco firme do leque político tradicional às pretensões separatistas é, ali, uma das principais causas da ascensão de um partido nacionalista como o Vox.

Por outro lado, também as forças políticas tradicionais, num reflexo de defesa perante a perda progressiva de eleitorado, tendem a reagir emocionalmente e atavicamente – disparando teses conspiratórias desfasadas, alertando para os perigos das novas formas de comunicação, do populismo, da manipulação, e até propondo “cortar a liberdade aos inimigos da liberdade” para pôr fim ao “discurso de ódio”, “salvar a democracia” e impedir “o regresso do fascismo”.

Não seria a primeira vez que em Portugal, a Esquerda, paladina oficial das liberdades, recorria a métodos de supressão da liberdade para defender a Liberdade ou de cancelamento da democracia para defender a Democracia: fê-lo ao longo da Primeira República democrática e voltou a fazê-lo já na Terceira República, entre 28 de Setembro de 1974 e 25 de Novembro de 1975.

De Buenos Aires a Haia

Não deixa de ser curioso o desaparecimento da Direita da narrativa jornalística. Subitamente, como no jogo do Monopólio, passa-se do Centro, ou quando muito do centro-direita, à extrema-direita, sem passar pela “casa da Partida”. A Esquerda (que não tem extremos) quando ganha, ganha sempre à “extrema-direita”, e quando perde, perde sempre para a “extrema-direita”, perigosa horda iliberal e anti-democrática sufragada por um povo manipulado por “populistas”.

As últimas perdas deram-se na Argentina e nos Países Baixos. Na Argentina, com a vitória de um académico excêntrico, arqui-liberal e libertário.  Xavier Milei é, de certo modo, um discípulo de Murray Rothbard, o economista da Escola Austríaca que, nos anos 70, fundou nos Estados Unidos o Libertarian Party, dirigiu o Libertarian Forum e foi co-fundador, com o bilionário Charles Koch, do Cato Institute.

Milei, também ele economista e defensor das teses do Estado minimalista, um Estado restrito às funções da soberania – Defesa, Negócios Estrangeiros, Segurança e Justiça –, encontrou uma janela de oportunidade no caos económico da Argentina, governada no século XXI por Nestor Kirchner, presidente de 2003 a 2007, e Cristina Kirchner, presidente de 2007 a 2015 e vice-presidente de 2019 a 2023.

Os Kirchner, Nestor e Cristina, proclamavam-se peronistas. A etiqueta peronista, na Argentina, tem servido para quase tudo, com peronistas de esquerda, de direita, de extrema-esquerda, de extrema-direita e até do centro. Peron foi Presidente de 1946 a 1955 e a sua primeira mulher, Eva, Evita, foi decisiva na construção da sua imagem de caudilho popular, capaz de trazer esperança aos “descamisados”. Depois de derrubado pelos militares, Peron viveu no exílio em Madrid. Regressou à presidência em 1973 e morreu em Julho de 1974; também fizera da segunda mulher, Maria Estela, vice-Presidente e fora ela que lhe sucedera até ser derrubada pelos militares no golpe do general Videla em Março de 1976.

Desde a restauração democrática, em 1983, só dois presidentesRaul Alfonsin e Fernando de la Rua, ambos do Partido Radical – não foram peronistas. E também nenhum dos dois terminou o mandato em tempo normal.

Nestor e Cristina Kirchner adoptaram a moda dos casais e das dinastias democráticas, na senda da famosa frase de Bill Clinton na campanha presidencial de 1992: “Buy one, get one free” (referindo-se às qualidades políticas de Hillary que, supostamente, o ajudaria a governar).

O casal Kirchner governou a Argentina com uma geringonça ideológica de peronismo e progressismo de esquerda na coligação Frente para La Victoria, que deixou o país na miséria e no caos económico. Por isso Milei ficou à frente em 21 das 24 províncias argentinas e foi, em 40 anos de pós-ditadura militar, o vencedor com maior margem numa eleição presidencial: 55,65% dos sufrágios contra os 44,35%  de Sergio Massa, o peronista vencido.

Bem vai precisar dessa maioria para enfrentar um Congresso maioritariamente hostil e para legitimar as reformas radicais que quer levar por diante. Milei é um ultra-liberal em economia, mas um conservador em valores: é anti-aborto e anti-eutanásia. Como é também simpatizante declarado de Trump e de Bolsonaro, Biden e Lula declinaram estar presentes na sua posse, a 10 de Dezembro, que promete ser um happening das direitas nacionais e libertárias (que não são uma nem a mesma coisa). Entretanto, apesar de Milei, na campanha, ter tratado de modo grosseiro o Papa respondendo a uma crítica do Sumo Pontífice, Francisco não hesitou em telefonar-lhe a felicitá-lo pela eleição. Falaram cerca de dez minutos, numa “conversa amena” sobre a pobreza na Argentina e os planos do Presidente eleito na área social.

A fragmentação holandesa

A vitória de Wilders e do seu Partido da Liberdade nos Países Baixos traduziu-se em 37 dos 150 lugares do Parlamento. O Partido da Liberdade é crítico da imigração muçulmana incontrolada. Entretanto, para governar, Wilders precisa de conseguir uma aliança com outras forças políticas de direita e centro-direita.

Num parlamento como o holandês, muito dividido e subdividido em partidos, as negociações para a formação do Executivo costumam ser demoradas: Mark Rutte, em 2021, levou 299 dias a negociar a coligação governativa. Para chegar à maioria absoluta (76 deputados), além dos votos de 11 deputados de outros partidos de direita identitária, Wilders espera conseguir o apoio do Partido Popular para a Liberdade e Democracia, de Dilan Yesilogz, e do recém-formado Partido do Novo Contrato Social, de Peter Omtzigt. Nestas negociações, que devem ser longas, Wilders – que já manifestou a sua vontade de ser “líder de todos os holandeses” (e não “só dos holandeses de bem”)terá de deixar cair algumas das suas pretensões, como a proibição de mesquitas no país, medida manifestamente anticonstitucional, ou a realização de um referendo sobre a saída dos Países Baixos da União Europeia.

Irá Wilders, inspirando-se no dito de Henrique IV de França e III de Navarra, dizer que “o governo da Holanda vale bem uma mesquita” e negociar? Tudo leva a crer que sim, que o “exacerbado líder radical de extrema-direita” desista de “instaurar o fascismo” na Holanda e se renda às alegrias da moderação e ao pragmatismo da cedência democrática.

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COMENTÁRIOS (de 27)

Rui Lima: Só tem  20%, porque  a imprensa e o poder fazem um grande trabalho diário a espalhar o medo  dizendo que o fascismo está de volta e censurando tudo o que possa dar votos  a esses partidos , a verdade sobre  atentados e facadas. (Até 2017 havia divulgação eram 120 por dia França  hoje  é segredo de Estado).  É verdade que estes  partidos vivem do medo, sabendo  que 40% das crianças até 4 anos em França tem origens fora da Europa, que democracia será possível no futuro?  Sabemos que esse povo tem valores opostos aos europeus serão a maioria dentro de algum anos o que vai acontecer as nossas democracias a liberdade religiosa , já não falo de liberdade  que perdemos, ir a um mercado de Natal na Europa é ver polícia por todo o lado sentimos que há perigo. A qualidade da democracia na Dinamarca não é igual à da Guiné e isso é consequência dos povos que habitam nesses países. A Europa com europeus em minoria não será mais Europa ‘ O IFOP um instituto de líder de sondagens desde 1938 publicou nesta sexta-feira um novo estudo sobre a relação da comunidade muçulmana francesa com o secularismo.  Esta pesquisa mostra, que 31% dos alunos muçulmanos educados no ensino médio ou superior não condenam  a morte  professor Dominique Bernard em Arras. Já o mesmo tinha acontecido com o professor  Samuel Paty a quem cortaram o pescoço. A pesquisa também indica que 78%, 20 anos após sua aplicação, opõem-se maciçamente à lei de 2004 que proíbe sinais religiosos,  vêem  na laicidade um ataque à sua religião. 75% dos muçulmanos franceses também são a favor da autorização de usar “coberturas religiosas “para  atletas do sexo feminino durante as Olimpíadas de Paris. Penso que estes números assustam qualquer amante da liberdade.                   Rui Lima: Estou curioso para ver em que partido vão votar os habitantes desta aldeia  perto da terra dos perfumes. “A provação dos habitantes da aldeia de Pré du Lac, em Châteauneuf-Grasse, começou em março, quando o Hotel Campanile, localizado no coração da terra , alugou parte de seus quartos a uma associação de ajuda aos migrantes.   Era o único hotel nesta aldeia nos Alpes-Maritimes com 3600 habitantes, na fronteira com Grasse. Nove meses depois, ele não recebe mais nenhum cliente e seus funcionários ficaram sem emprego …” Pesquisar a notícia e ler na totalidade é assustador, viver em paz numa pequena aldeia e depois ter o inferno … o governo quer espalhar o terror pelo país.  Le Figaro: "Immigration: comment l’État diffuse le problème dans toute la France" OBS: São “menores”? sexo masculino  não acompanhados que chegam às dezenas de milhares incontroláveis custo por cada perto de 5 000 euros mês , fora os estragos que fazem ver números em certas áreas 50% do crime é de menores .                João Floriano: Nas vésperas da segunda volta das eleições argentinas, tudo parecia apontar para a vitória de Massa, o candidato da esquerda. Mas Milei ganhou e surpreendeu os que já davam a sua derrota como um dado adquirido sobretudo depois de Francisco ter metido a «colher» contra Milei. Depois pensou melhor e chegou à conclusão que não era do interesse do Vaticano estar de mal com o Presidente Milei, até porque os argentinos não tiveram em grande conta o seu apoio a Massa. Outro que também sai mal é Lula, que pretende ser para já o lider da América do Sul. Para além da Argentina, agora Maduro também quer ser o Putin do continente, anexando parte da Guiana. Talvez que a surpresa se venha  a repetir em Portugal a 10 de março. Tal como muitos países da Europa e do mundo que se voltam para governos de direita, estamos fartos de bandalheiras e de governos de esquerda em estertor fim de ciclo.                       Kakuri Kanna: Está tudo lá neste artigo, Jaime Nogueira Pinto é um historiador e analista sem par. O Observador mudou muito há cerca de 2 meses se tanto, ora dos comentários mais votados, apenas coloca um e tenho dúvidas se não há censura nisto. Vi a entrevista a Avilez e a posição de 2 jornalistas com a mesma opinião, Fernandes e Avilez, um triste contributo, não assimilam o mal que o PS e PSD têm feito ao país, o PSD um partido do "status quo", que Rio destruiu, e irados o par, com o ódio que destilaram ao Chega e que se adivinhou nessa "entrevista" foi "ad nauseam", nada contra o PS/PCP e BE, o Chega e quem vota nele são "burros". Pois espero que aumentem no número, o Chega já não é um partido de protesto há muito e só a cegueira e o ódio que os movem apoiados na censura, só tem cura no confessionário.                 Maria Nunes: Obrigada JNP,  por mais uma brilhante análise da actual situação política. Aos sábados, leio sempre com imenso gosto os seus  artigos.                    L Faria: Se for de maneira a varrer o socialismo da Europa, que venham mais partidos radicais de direita. Chega desta fantochada que provocou a miséria moral dos povos.                  João Floriano > Rui Lima: Quem vai a Paris faça um exercício muito simples: suba  a escadaria do Sacré Coeur. Vai ser uma grande aventura, com algumas surpresas pouco agradáveis desde receber insultos em línguas desconhecidas, ser abordado fisicamente por grupos, as mulheres são particularmente visadas e importunadas. Quando chegar ao topo da escadaria, sem outros dissabores, sente-se a descansar e observe o que se passa com os que estão  a subir. Eu agora uso o ascensor para grande pena minha porque é um dos locais que mais me agradam  na cidade que um dia já foi a cidade Luz.                   Carlos Chaves: É sempre um prazer aceder a estas pequenas lições de história política, obrigado pela partilha Jaime Nogueira Pinto. Irá Portugal ser um dos próximos países a entrar no grupo dos que irão expulsar do poder os responsáveis da miséria que estamos a viver? Portugal nas mãos do socialismo, permitiu (e permite) a imigração descontrolada, fenómeno indesejável que todos nós sabemos ser uma das causas para as alterações políticas a que estamos a assistir. Serão estes partidos de “extrema direita” capazes de responder aos desequilíbrios criados pelos “moderados” e pela esquerda wookista e de causas da moda?                    José Miranda: É um prazer ler Jaime Nogueira Pinto. Conhecimento e elegância.        bento guerra: O erro é chamarem de extrema-direita  a partidos que querem acabar com o desnorte dos instalados. Exemplo melhor é o do Chega, um partido que pode ter perto desses 20 por cento, não ser considerado pelos outros e pelos papagaios "analistas" como merecedor de influenciar a governação                    José Ramos: Uma excelente análise daquilo que se passa no mundo. O real, não o da Fada Sininho, no qual os patetas do wokismo talvez acreditem, mas os seus cínicos chefes com certeza que não. E assim, continuamos a ver a jovem Greta a apoiar o Hamas e o "excelente" povo palestiniano - na realidade árabes da Judeia-Palestina, muitos deles de recente importação - berrando palavras de ordem disparatadas e sem um nexo de lógica e os patetas do bando do genro do dr. Louçã a colar-se às coisas, a destruir ou danificar propriedade e a causar desacatos. Impunes até agora, começando pelo extremoso genro.              Miguel Seabra: Excelente artigo, gostei muito! Educativo, interessante e muito bem escrito. Na República Checa ganhou um socialista, mas como não engoliu totalmente a cartilha dos “valores europeus”, foi rapidamente catalogado como populista e expulso do grupo socialista europeu.                Tristão >Miguel Seabra: A República Checa nem sequer já existe…foi na Eslováquia, não confundir com a Chéquia. 🙂

 

 

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