sábado, 23 de dezembro de 2023

Transformações


Telúricas. Assustadoras, também para nós, portugueses pequenos, que ainda temos o Tejo como rio principal, com os seus poderes, que um dia serão vistos dos espaços como possíveis apenas, sem já, talvez, o conhecido poema de Alberto Caeiro a pontificá-lo, nas transformações poderosas que o tempo traz. Fixemo-lo, antes que se vá, como os afluentes do Nilo, transportadores de pedra, já no tempo recente do Homem sobre a Terra, ao que parece:

 

«O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro

A descoberta (vista do espaço) que pode mudar a história das pirâmides do Egipto: o curso de água que as liga a todas

A partir do espaço, uma equipa de investigadores viu o que estava debaixo do deserto e descobriu um braço subterrâneo (seco) do Nilo, que poderá explicar uma das grandes incógnitas das pirâmides.

OBSERVADOR: Texto

OBSERVADOR, 21 dez. 2023, 17:08 1 

As 38 pirâmides teriam algo em comum: estavam todas ligadas ao Ahramat, um braço do rio Nilo MOHAMED HOSSAM/EPA

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Terá chegado ao fim o grande enigma da construção das pirâmides do Egito? A partir de imagens captadas por satélite, uma equipa de investigadores descobriu um rio que passava por 38 pirâmides do Egito.

Liderado pela geóloga egípcio-norte-americana Eman Ghoneim, o grupo apresentou o resultado do seu trabalho The discovery of the Ahramat Nile Branch: a hidden ancient waterway of the pyramid chain of Egypt  (a descoberta do braço Ahramat do Nilo: um antigo e escondido curso de água da cadeia piramidal do Egipto, em tradução livre para português) recentemente no 13º congresso internacional de egiptólogos que decorreu nos Países Baixos.

Se se confirmar que o rio existia no tempo da construção das pirâmides, esta pode ser uma revolução na história do Mundo Antigo com a resposta que há muito se busca: como foi possível os egípcios transportarem todos os materiais — mais de dois milhões de blocos de pedras, com entre duas a dez toneladas —, para o local onde estes monumentos gigantes nasceram.

A investigação descobriu, a partir da análise de imagens de satélite e de potentes radares capazes de estudar o subsolo, que o Nilo, rio que nasce na Etiópia e no Sudão, tinha vários afluentes que se estendiam desde a região de Fayum, no sul, até o planalto de Gizé, rota que atualmente integra as 38 pirâmides. Este canal, então perfeitamente navegável, teria quase 100 quilómetros de comprimento e um quilómetro de largura (a mesma que o Nilo tem atualmente, refere Eman Ghoneim ao IFL Science site de ciência ), ligando as pirâmides.

“Sabemos que havia um caminho fluvial, uma ‘autoestrada’ que os antigos egípcios usavam mas ninguém sabe onde está. Qual o tamanho desse braço do Nilo? Onde está exactamente? Quão perto estava da actual localização das pirâmides”, perguntou-se a investigadora.

Para tentar responder, Ghoneim e a sua equipa usaram dados de radares de satélite (cujas ondas são capazes de penetrar o solo) para estudar o vale do Nilo a partir do espaço. E foi assim que tiveram acesso “a um mundo invisível de informação que está debaixo da superfície”, revelando o leito seco do braço Ahramat (que significa pirâmide em árabe) do Nilo.

Os agora extintos canais de água poderão assim ter tido um papel fundamental na edificação das pirâmides. É provável que tenham sido usados para transportar rápida e eficazmente os imensos e grandes blocos de pedra bem como os trabalhadores para edificarem as pirâmides.

“Além disso, os dados de satélite revelaram numerosos afluentes arenosos enterrados, que alimentam este ramo. Durante a época da construção das pirâmides, estes afluentes teriam provavelmente funcionado como uma espécie de lagoas que albergavam portos para atracar e abrigar barcos longe do tráfego intenso do curso principal do rio”, lê-se no estudo.

Aliás, continua o resumo da investigação, “a orientação de várias passagens através da água, perpendiculares ao braço de Ahramat, que partiam das pirâmides e terminavam na sua margem, implicam que este antigo braço e os seus afluentes estavam simultaneamente activos na altura da construção das pirâmides durante o Reino Antigo e o Reino Médio do Egipto”.

Esta descoberta vem confirmar um dado de 2022: uma análise de pólen revelou a existência de vegetação abundante na altura da construção das pirâmides, há mais de 4.000 anos, indicador de abundância de água.

A investigação da geóloga especializada no processamento de dados de imagens espaciais produziu o primeiro mapa do antigo braço do Nilo nesta região, o que “permitirá reunir uma imagem abrangente da antiga paisagem aquática do Antigo Egito e compreender como as mudanças no meio ambiente impulsionaram as atividades humanas na região”, conclui Ghoneim no seu estudo.

Agora, a equipa quer analisar partes do solo do antigo leito do rio para perceber se ele estava activo ou não durante aqueles reinos (há 3.700 a 4.700 anos) quando as icónicas pirâmides, uma das Sete Maravilhas do Mundo, foram construídas.

E isto poderá não só resolver a grande questão das pirâmides, como abrir portas para mais estudos arqueológicos do Egipto Antigo. “Ao longo do tempo, o curso principal do Nilo migrou — nalgumas zonas para leste, noutras para oeste — porque os rios fazem sempre isso”, disse Ghoneim ao IFL.

“À medida que os ramos desapareciam, as cidades e vilas do Antigo Egipto também assoreavam e desapareciam, e não temos qualquer pista para as encontrar”, lembrou. Ora, se seguirem o curso dos antigos cursos de água, os investigadores têm mais hipóteses de descobrir essas antigas povoações, sublinhou.

Para começar, já têm o mapa que elaboraram do Ahramat a partir de imagens que vieram do espaço.

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