Telúricas. Assustadoras, também para
nós, portugueses pequenos, que ainda temos o Tejo como rio principal, com os seus
poderes, que um dia serão vistos dos espaços como possíveis apenas, sem já,
talvez, o conhecido poema de Alberto Caeiro a pontificá-lo, nas transformações
poderosas que o tempo traz. Fixemo-lo, antes que se vá, como os afluentes do
Nilo, transportadores de pedra, já no tempo recente do Homem sobre a Terra, ao
que parece:
«O Tejo é mais belo
que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes
navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de
Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para
o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia
não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Alberto Caeiro
A descoberta (vista do espaço) que pode
mudar a história das pirâmides do Egipto: o curso de água que as liga
a todas
A partir do espaço, uma equipa de
investigadores viu o que estava debaixo do deserto e descobriu um braço
subterrâneo (seco) do Nilo, que poderá explicar uma das grandes incógnitas das
pirâmides.
OBSERVADOR, 21
dez. 2023, 17:08 1
▲As 38
pirâmides teriam algo em comum: estavam todas ligadas ao Ahramat, um braço do
rio Nilo MOHAMED HOSSAM/EPA
Terá chegado ao fim o grande enigma da
construção das pirâmides do Egito? A partir de imagens captadas por satélite,
uma equipa de investigadores descobriu um rio que passava por 38 pirâmides do
Egito.
Liderado pela geóloga
egípcio-norte-americana Eman Ghoneim, o grupo apresentou o resultado do seu
trabalho The discovery of the Ahramat Nile Branch: a hidden
ancient waterway of the pyramid chain of Egypt (a descoberta do braço Ahramat do Nilo: um antigo e escondido curso de
água da cadeia piramidal do Egipto, em tradução livre para português)
recentemente no 13º congresso internacional de egiptólogos que
decorreu nos Países Baixos.
Se se confirmar que o rio existia no tempo da construção das pirâmides,
esta pode ser uma revolução na história do Mundo Antigo com a resposta que há
muito se busca: como foi possível os egípcios transportarem todos os materiais
— mais de dois milhões de blocos de pedras, com entre duas a dez toneladas —,
para o local onde estes monumentos gigantes nasceram.
A investigação descobriu, a partir da
análise de imagens de satélite e de potentes radares capazes de estudar o
subsolo, que o Nilo,
rio que nasce na Etiópia e no Sudão, tinha vários afluentes que se estendiam
desde a região de Fayum, no sul, até o planalto de Gizé, rota que atualmente
integra as 38 pirâmides. Este
canal, então perfeitamente navegável, teria quase 100 quilómetros de
comprimento e um quilómetro de largura (a mesma que o Nilo tem atualmente,
refere Eman Ghoneim ao IFL Science site
de ciência ), ligando as pirâmides.
“Sabemos que havia um caminho fluvial, uma ‘autoestrada’ que os antigos
egípcios usavam mas ninguém sabe onde está. Qual o tamanho desse braço do Nilo?
Onde está exactamente? Quão perto estava da actual localização das pirâmides”,
perguntou-se a investigadora.
Para tentar responder, Ghoneim e a sua equipa usaram dados de
radares de satélite (cujas ondas são capazes de penetrar o solo) para estudar o
vale do Nilo a partir do espaço. E foi assim que tiveram acesso “a um mundo invisível de informação que está debaixo
da superfície”, revelando o leito seco do braço Ahramat (que significa pirâmide
em árabe) do Nilo.
Os
agora extintos canais de água poderão assim ter tido um papel fundamental na
edificação das pirâmides. É provável que tenham sido usados para transportar
rápida e eficazmente os imensos e grandes blocos de pedra bem como os
trabalhadores para edificarem as pirâmides.
“Além disso, os dados de satélite revelaram numerosos afluentes
arenosos enterrados, que alimentam este ramo. Durante a época da construção das
pirâmides, estes afluentes teriam provavelmente funcionado como uma espécie de
lagoas que albergavam portos para atracar e abrigar barcos longe do tráfego
intenso do curso principal do rio”, lê-se no estudo.
Aliás, continua o resumo da
investigação, “a orientação de várias passagens através da água,
perpendiculares ao braço de Ahramat, que partiam das pirâmides e terminavam na
sua margem, implicam que este antigo braço e os seus afluentes estavam
simultaneamente activos na altura da construção das pirâmides durante o Reino
Antigo e o Reino Médio do Egipto”.
Esta descoberta vem confirmar um dado de 2022: uma análise de pólen revelou a existência de vegetação abundante na altura da construção das pirâmides, há mais
de 4.000 anos, indicador de abundância de água.
A investigação da geóloga especializada no processamento de dados de
imagens espaciais produziu o primeiro
mapa do antigo braço do Nilo nesta região, o que “permitirá reunir uma imagem
abrangente da antiga paisagem aquática do Antigo Egito e compreender como as
mudanças no meio ambiente impulsionaram as atividades humanas na região”,
conclui Ghoneim no seu estudo.
Agora, a equipa quer analisar partes do
solo do antigo leito do rio para perceber se ele estava activo ou não durante
aqueles reinos (há 3.700 a 4.700 anos) quando as icónicas pirâmides, uma das
Sete Maravilhas do Mundo, foram construídas.
E
isto poderá não só resolver a grande questão das pirâmides, como abrir portas
para mais estudos arqueológicos do Egipto Antigo. “Ao longo
do tempo, o curso principal do Nilo migrou — nalgumas zonas para leste, noutras
para oeste — porque os rios fazem sempre isso”, disse Ghoneim ao IFL.
“À medida que os ramos desapareciam, as cidades e vilas do Antigo
Egipto também assoreavam e desapareciam, e não temos qualquer pista para as
encontrar”, lembrou. Ora, se seguirem o curso dos antigos cursos de água, os
investigadores têm mais hipóteses de descobrir essas antigas povoações,
sublinhou.
Para
começar, já têm o mapa que elaboraram do Ahramat a partir de imagens que vieram
do espaço.
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