A História que Jaime Nogueira Pinto nos traz é de tal modo ampla, abrangendo os
princípios, as sequências da história, tanto as históricas como as literárias,
com a seriedade da sua própria estatura, moral e mental, que só me resta dizer,
como os diversos comentadores, igualmente maravilhados: “Obrigada, Jaime
Nogueira Pinto”. E desejar-lhe um Natal possível em bondade, lembrando com
carinho, Maria José Nogueira
Pinto, uma MULHER autêntica, que igualmente admirei.
Breve história do Natal
Entre as coloridas e fartas festas
inclusivas de coisa nenhuma, todos precisamos de contemplar o presépio.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 23
dez. 2023, 00:2027Descobrir
Por estes dias chegam notícias de que
várias companhias multinacionais, no estrito cumprimento das novas regras para
uma “quadra festiva” mais vazia, colorida e inclusiva, ordenaram o cancelamento do presépio ou a sua exclusão das
instalações.
A perseguição a Cristo e aos cristãos não é uma bandeira nova, nem
sequer neste canto do mundo, mas não deixa de ser curioso que a sanha
anti-cristã, hasteada pelos velhos maçons e jacobinos da Terceira República
francesa – e da nossa Primeira República –, seja agora agitada pelos
accionistas bilionários e os executivos milionários do grande capital
globalista em nome da “inclusão”.
A primeira tentativa séria e
organizada de cancelar o presépio
deu-se logo à nascença, quando o rei Herodes, ferido na sua sensibilidade e
majestade, ordenou a matança dos inocentes, esperando eliminar esse outro “rei
dos Judeus” que, supunha, lhe iria roubar a coroa. Mas o Menino escapou e
cresceu em graça e sabedoria, para que a Encarnação se cumprisse em Redenção.
As primeiras narrativas
As primeiras narrativas do Natal estão nos Evangelhos de S. Lucas
(Lc 2, 1-14) e de S. Mateus (Mt 1, 1-25). O
Evangelho de Mateus começa com a genealogia de Jesus Cristo, filho de David que
“da mulher de Urias, gerou Salomão”. A genealogia tem 14
gerações, de Abraão a David, outras 14 de David até ao desterro da Babilónia e
mais 14 do desterro da Babilónia a Cristo. A
mulher de Urias era Betsabé e David, além de a roubar ao marido, mandou-o para
a frente de combate para lhe apressar a morte. É esta a linha
genealógica de “José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo”. É também Mateus que narra a perplexidade
de José, que ao saber da gravidez de Maria decide “repudiá-la em segredo” – até
que um anjo do Senhor lhe aparece em sonhos para lhe revelar o mistério da
Encarnação.
José, S. José, é uma criatura de silêncio e de bastidores. Nunca
fala, aceita a vontade de Deus, cumpre sem comentários. Bossuet e Charles de
Foucault admiravam-no por isso; e até o
improvável Sartre, em Barioná, contempla o seu silêncio:
“[N]ão sei o que dizer de José e
José não sabe o que dizer de si mesmo. Adora e está feliz por adorar, mas
sente-se um pouco em exílio. Creio que sofre sem o admitir. Sofre porque vê o
quanto a mulher que ama se parece com Deus, o quanto ela já está perto de Deus.
Pois Deus rebentou como uma bomba na intimidade desta família. José e Maria
estão separados para sempre por esse incêndio de claridade. E toda a vida de
José, imagino, será para aprender a aceitá-lo.”
Já S. Lucas conta o Natal começando por dar notícia do recenseamento
do Império, ordenado por Augusto, que leva José e Maria, de Nazaré, na
Galileia, a Belém, a “cidade de David”. Aí se narra o nascimento do Menino, com
a manjedoura, os animais, os anjos, os pastores.
Em nenhum destes textos encontramos
referências, directas ou indirectas, que apontem para o dia 25 de Dezembro como
a data do nascimento de Cristo. O 25 de Dezembro só aparece em documentos da transição do século IV para o século V,
como “natus Christus in Betleem
Judea”. O dia 6 de Janeiro, doze dias depois, é então dado como o dia
da Epifania, da chegada ao presépio de
“uns magos vindos do Oriente”. Mas as origens da fixação da data continuam envoltas
em mistério e polémica. Há quem
diga que se deve unicamente à cristianização de uma festa pagã, a festa do Sol
Invictus, fixada no dia 25 de Dezembro pelo imperador Aureliano, em 274.
Os pagãos do Norte da Europa também
celebravam o sol no solstício de Inverno e sabemos que o Papa Gregório, o
Grande, nos princípios do século VII, defendia a cristianização das festas e
dos templos pagãos, quase tão aplicadamente, convenhamos, como agora se regula
e se induz a laicização do Natal.
Também
sabemos que em 1223, há 800 anos, S. Francisco de Assis inaugurou a
representação do presépio, em Greccio, encenando, com os camponeses locais, o
nascimento de Jesus numa gruta/curral (“presépio” vem do latim praesaepium,
que quer dizer estábulo ou curral). Assim, assistido por toda a criação, debaixo das estrelas e dos
anjos, entre animais, pastores e magos, se reencenava o nascimento do Menino
Deus na periferia e nos bastidores de tudo.
As reencenações do Natal
A grande pintura europeia ilustraria
copiosamente este humilde e silencioso início da nossa era: Fra Angelico pintava uma Anunciação;
Philippe de Champagne, O Sonho de José; van der Goes, Maria e José a
caminho de Belém, viagem que Bruegel, o Velho, retrataria no meio das gentes,
numa paisagem de pequena cidade europeia com neve. A riqueza da Adoração
dos Magos, de Boticcelli, contrastava com a austeridade da Adoração
dos Pastores de Gaddi ou de Giorgione, e é difícil imaginar maior aparato
do que na Procissão dos Reis-Magos, do florentino Benozo Gozzoli.
Também a pintura portuguesa celebraria o Natal, com a Adoração dos Pastores, de Gregório Lopes,
e a Adoração dos Reis Magos, de Vasco
Fernandes, em que o
artista imagina o tradicional rei negro Baltazar como um chefe índio do Brasil.
A adoração dos magos, a epifania universal do nascimento de Cristo, vindo para
todos e para cada um dos homens e dos povos, foi também tratada por Francisco de Campos, o maneirista do século XVI, e por
Domingos Sequeira já no século XIX.
Há quem diga que Charles Dickens veio
depois reinventar o Natal, em 19 de Dezembro de 1843, ao publicar A
Christmas Carol. Ou que o veio devolver à verdade original.
Dickens estava no coração da
Londres vitoriana, da Londres do capitalismo selvagem, das crianças exploradas,
daquele mercantilismo aristocrático-liberal desregulado em que, a par de um
discurso oficial cristão, a vida era dura, muito dura, para a grande maioria.
Uma sociedade onde as crianças pequenas trabalhavam na Indústria, os devedores iam
para a prisão até pagarem a dívida e as classes operárias não tinham direitos. O escritor
dos Pickwick Papers já tinha publicado, além dos Papers, Oliver Twist, Nicholas
Nickleby e The Old Curiosity Shop. A Christmas Carol levara-lhe
seis semanas a escrever, e escrevera-o para o Natal. Iria vender seis mil
exemplares em seis dias.
As criaturas do outro mundo estavam na moda entre os românticos (Byron e Robert Southey importavam os
vampiros orientais dos românticos alemães) e os
fantasmas do Natal de Dickens não destoariam num tempo em que, da Alemanha, com
o Príncipe Alberto, marido da rainha Vitória, também chegavam as árvores de
Natal.
Chesterton chamaria a Dickens o “porta-voz dos pobres”, mas George Orwell
achá-lo-ia pouco rigoroso na descrição da classe operária e, sobretudo, pouco
revolucionário. E talvez Dickens, na sua Londres vitoriana, estivesse
mesmo mais preocupado com o Bem e com o Mal dos homens do que com a sociologia
e a luta das classes.
Dickens era filho de um “naval clerck”
que em 1824 fora preso na Marshalsea Debtor’s Prison por uma dívida de 40
libras a um padeiro. John Dickens, que o filho descreverá como um “oportunista
jovial e sem noção do dinheiro” era chefe de uma família numerosa. Charles,
então com 12 anos, não iria para a prisão com o resto da família, mas teria de
trabalhar na Warren’s Blacking Factory, onde ganharia o sentido de orfandade e
de humilhação que aparece em alguns dos seus jovens heróis. Nessa primeira
metade do século XIX inglês, as prisões de devedores, reguladas pelo Act
for the Relief of Insolvent Debtors in England de 1813, estavam cheias.
Dickens contribuiria com os seus para a abolição do sistema, que só aconteceria
em 1869.
O Natal dos pobres e das crianças
Mas se Dickens, em Dezembro de 1843
reinventava um Natal particularmente virado para as crianças, um ano antes, na
Itália por unificar, já um sacerdote caminhava pelas ruas de Turim, com um
bando de rapazes, entoando cânticos de Natal.
Tal como o Anjo aparecera em sonhos a
José para que tratasse de Maria e do Menino, assim também a Don Bosco, lhe
viria pedir que tratasse dos miúdos da rua. A grande referência de Don Bosco,
de S. João Bosco, era um outro santo, S. Francisco de Sales. E foi com o seu
nome que baptizou o primeiro Oratório onde recolheu os jovens, bem como a Ordem
que fundou, os salesianos. Francisco de Sales vivera na transição do século XVI
para o século XVII e tinha uma grande frase sobre o Dinheiro: “O Dinheiro –
dizia – pode ser um bom servidor, mas é sempre um mau senhor”. E sobre o Natal
tinha escrito em carta a Santa Joana Francisca de Chantal:
“Pareceu-me
ver Salomão no grande trono de marfim, dourado e esculpido, que não tinha igual
em reino algum, como dizem as Escrituras; ver, em suma, aquele rei que não
tinha igual em glória e magnificência. Mas prefiro cem vezes ver o querido
pequeno Menino na manjedoura do que todos os reis nos seus tronos”.
Entre as coloridas e fartas festas inclusivas de coisa nenhuma, todos
precisamos de contemplar um presépio cada vez mais silenciado e ignorado, lembrando
o que até Jean Paul Sartre soube dizer aos prisioneiros franceses para quem
escreveu e encenou o seu auto de Natal:
“Como
hoje é Natal, tendes o direito de exigir que vos seja mostrado o presépio.”
Um Santo Natal.
RECOMENDAMOS
Reino Unido. Acordam com conta bancária congelada
Um street racer matou Rodrigo. E pode cumprir pena
Mendes: AD garante 2 a 4 deputados ao CDS
Candidatura anti-Putin para presidenciais travada
A SEXTA
COLUNA HISTÓRIA CULTURA NATAL SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (de 27)
Elizabeth Coelho: Obrigada. Um Santo Natal. Maria
Luthgarda: Natal sem Jesus que é a sua razão de ser, não pode ser Natal. O politicamente correcto faz o seu caminho com
sucesso, todos parecem concordar, e o descristianizar a sociedade é um dos seus
objectivos: a fé dos crentes é substituída pelos ídolos do consumismo. Santo Natal para todos. Com presépio!
Rui Lima: Sabe bem ler este artigo sobre o Natal e desejar um
Santo Natal a todos , não é hoje politicamente Correcto fazê-lo , mas gosto de
o fazer ‘ Agora o que chega ao meu ao meu
correio não importa a língua é isto: “Desejamos umas boas festas de fim
de ano” Eu próprio em certos meios não posso desejar bom Natal estamos numa
Europa em que temos vergonha de tudo o que fomos, dizem-me que devo respeitar
os outros com outras crenças , acredito de no final do século quem o faça seja
perseguido tal o ritmo a que os europeus estão a ser substituídos . Meio
Vazio: Natal de Cristo sem o mesmo é
como festa de aniversário sem o aniversariante. E é isso que por cá, desde
1910, com as "Boas Festas" e a "Festa da Família" a
jacobinagem pretende - com algum sucesso, convenhamos. Maria
Melo: Reina a Hipocrisia e o Wokismo! Não se pode fazer um Presépio, mas temos de aceitar as
Mesquitas e as mulheres “todas entrapadas” no Hijab, aqui no Ocidente… O que é
isto! Inadmissível! Sempre vi o Presépio no Natal. É um símbolo. Quem quer
olha, acredita e reza; quem não quer ignora. Eu fui baptizada em bebé, mas
nunca fui católica praticante. Não me afecta absolutamente nada que haja
presépios no Natal. É uma tradição para quem acredita. E até é bonito. O Futuro
não é auspicioso em relação à Liberdade. Falam de Liberdade e Democracia, mas é
tudo falso. Maria
Correia: Que maravilha! Muito obrigada e um Santo Natal para o Jaime Nogueira
Pinto. Disse tudo e fechou com chave de ouro - "quem tem ouvidos que
oiça" Fernando
CE: Sempre excelente, como todas as suas crónicas. Feliz natal para todos e
distribuam algum amor e bens materiais pelos mais pobres. Ana Luís
da Silva: Maravilhosa prosa sobre o Natal. Que o Menino que veio renovar todas as coisas à face
da Terra, possa nascer neste Natal com os seus dons divinos da esperança e da
paz em todos os lares; que seja o centro nas festividades das famílias
portuguesas, à revelia das vozes laicizantes e ocas deste mundo. Muito obrigada
a Jaime Nogueira Pinto a quem retribuo os votos de Santo Natal. Maria
Nunes: Muito obrigada por este lindíssimo texto. Um Santo
Natal, também para si, JNP. Rafael
Pelote: Maravilhosa e inspiradora prosa. Muito obrigado.
Bem-haja e um Santo Natal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário