Os populismos de hoje - dos tempos do
Rousseau, também, mas era coisa mais do seu foro pessoal, sensível, que se
expandiu, contudo, a ponto de descambar em revolução e crime, lá pela França,
onde o povo realmente ordenou, ao contrário daqui, onde são os novos, do palrar
facundo, que são levados em rajada piedosa a defender teorias que lhes chegam
por várias vias de rápida aquisição, sem necessidade de muito esforço de
leitura – nem de empunhamento de armas, felizmente, - para defenderem as nobres
causas da sua conveniência, quantas vezes ela própria de intimidade sentimental
escondida sob a longa sigla das suas devoções populistas – egotistas também,
não queiramos ser mais papistas que o papa antigo, já que o actual se revela
também bondosamente populista no sentimento da aceitação multilateral, sintoma
de um mundo alargado em conceito, sem preconceito ultrapassado. Por aqui, essa
coisa do “povo é quem mais ordena”, do nosso altruísmo populista, serve apenas
para destacar mais os próprios que o cantam, sujeitos da enunciação, não o do
enunciado, o tal povo valorizador, isso sim, dos que virtuosaente o projectam.
Mas leiamos antes o estudo histórico dos
factos, estudo verdadeiramente sapiente e brilhante, como é apanágio deste
nosso HISTORIADOR – “bem real” (eu diria mesmo “régio”, no seu saber e clareza
corajosa) - JAIME NOGUEIRA PINTO:
Populismo: uma doença crónica da velhice
democrática?
A ideia de que o populismo é uma
“gripezita” das sociedades políticas ocidentais, que as respectivas classes
políticas poderão corrigir e superar desde que se decidam a fazê-lo, é um
equívoco.
JAIME NOGUEIRA
PINTO Colunista do Observador
OBSERVADOR, 16
dez. 2023, 00:1830
O 25 de Abril, que vai fazer
cinquenta anos no ano que vem, tinha como metas programáticas três Dês – Democratizar,
Descolonizar, Desenvolver. A Democratização
está aí e, entre escândalos de gabinete e cunhas malparadas, recomenda-se; a Descolonização
deverá agora ser avaliada mais pelos descolonizados do que pelos
descolonizadores; quanto ao Desenvolvimento, um bom princípio é olhar para a economia portuguesa
de há meio século e para o seu lugar relativo entre as outras economias
europeias do tempo e ver onde agora estamos. O
livro de Nuno Palma sobre As
causas do atraso português é um bom guia para o exercício.
Os quatro Dês
Mas agora há outros Dês, os quatro Dês que Roger
Eatwell e Matthew Goodwin identificaram em 2019 em Populismo: A revolta contra a democracia liberal e
que correspondem às quatro causas ou às quatro “alterações sociais” que estão na base da viragem dos eleitores
euro-americanos para o nacional-populismo. São eles
a Desconfiança, a Destruição,
o Despojamento e o Desalinhamento. Assim
apresentados parecem não dizer muito; há, por isso que especificá-los, seguindo
os autores.
Por Desconfiança, Eatwell e Goodwin entendem a atitude de muitos eleitores perante “a natureza
elitista da democracia liberal”. As
classes políticas tradicionais dos Estados Unidos e da União Europeia
afastaram-se de grande parte dos eleitores, encerrando-se numa bolha de
interesses e representações do mundo alheia às preocupações dos seus
representados. Parecem querer coisas que os representados
não querem, ou querê-las de um modo que os eleitores não entendem. Por isso, os
representados desconfiam dos representantes.
A Destruição prende-se, para os autores, com os ataques
às comunidades nacionais, às suas identidades étnico-históricas, aos seus modos
de vida. Em muitos países a imigração descontrolada é sentida como uma ameaça pelas comunidades
nacionais, perante a indiferença dos políticos do sistema, movidos por
interesses económicos sectoriais e excessivamente confiantes na sabedoria dos
mercado, o que leva os nacionais a buscar alternativas.
O Despojamento seria também o resultado destas
políticas, com determinados grupos, como os trabalhadores
industriais, privados dos seus empregos tradicionais e a viverem pior – um
retrocesso que, em sociedades habituadas à ideia de progresso geracional (a
esperança de que os filhos vivam melhor que os pais) resulta num choque
profundo.
Finalmente, e como consequência dos
três fenómenos, o último Dê: o Desalinhamento das massas populares em relação aos partidos tradicionais, tidos
como incapazes de perceber a realidade e as suas mudanças.
O livro é de 2019 e desde então
acentuaram-se estas tendências, embora, em alguns casos, a chegada ao poder de
líderes anti-sistémicos, como Donald
Trump e Jair Bolsonaro, não tenha depois sido reconfirmada nas urnas. Também
na Polónia, os nacionais populistas
perderam agora o poder.
Mas ainda que a variante
nacional-populista tenha perdido a chefia do Estado nas duas grandes nações
americanas, os Estados Unidos da América e o Brasil, continua a ser a variante
mais importante e poderosa das famílias populistas, de direita ou de esquerda.
Não é difícil perceber o porquê deste
progresso: num mundo que se pretende governado por ideais de globalismo, a
nação e o nacionalismo são a última protecção das massas populares e da classe
média. As
esquerdas militantes, nas suas novas devoções identitárias, abandonaram as classes
trabalhadoras e os seus interesses por todo um outro folclore reivindicativo. Do mesmo
modo, as elites europeias e a burocracia de Bruxelas, que procuram avançar sempre na integração
federalizante, veem com receio a subida eleitoral destes movimentos
“populistas”, a que procuram colar, com
alguma dificuldade, a etiqueta anti-democrática. De um modo geral, quer a Esquerda, quer a
“direita liberal” têm procurado arrumar o populismo nascente ou na prateleira
das doenças fatais, na secção do fascismo ou até do nazismo, ou na das doenças
maçadoras, na secção dos movimentos primitivos, acéfalos, básicos,
oportunistas, sem dignidade ideológica – mas passageiros.
Populismo, cesarismo, democracia
Será
assim? Uma das
dificuldades de caracterização do populismo é que, à força de o termo ser usado em sentido
pejorativo pelos seus inimigos e por uma comunidade mediática dominante,
aqueles que poderiam, legitimamente, endossar o qualificativo não se afirmam
como tal. Um termo assim usado, sem qualquer critério ou intenção que não seja
o labelo insultuoso e pejorativo, não é fácil de definir, já que os populistas,
de esquerda ou de direita, não se podem reconhecer nele. Podemos
recorrer às caracterizações históricas, identificando populismos, por exemplo,
na América Latina dos anos 30, 40 e 50 do século passado, com caudilhos como Getúlio Vargas, no Brasil, ou Juan Domingo Perón, na Argentina. Mas
até que ponto é que o fascismo italiano não apresenta também aspectos de
caudilhismo popular, com o culto de personalidade de Mussolini? E se o populismo
está num endeusamento de um “chefe” capaz de interpretar mais e melhor que
ninguém os sentimentos e vontades do povo soberano, do verdadeiro povo, a
doutrina nacional-socialista do Führer Prinzip, do chefe como intérprete
vivo e permanente da comunidade, também poderá qualificar-se como populismo.
Bem como a doutrina comunista da “vanguarda esclarecida”, como supremo
intérprete e guia do proletariado.
Sem dúvida que haverá no populismo reminiscências dos cesarismos,
como quebra da ordem e das magistraturas da República romana, vistas como
perturbadoras da autenticidade e da verdade da comunidade. Na ultrapassagem dos
quadros médios e sua mediação, o populismo acaba por ser um cesarismo, um
mono-arquismo, que pode verificar-se em regimes muito diversos: Luís XIV, Rei
Absoluto, encarnava o Estado para o povo francês; como Robespierre, nos meses
do Terror, ou Bonaparte depois de Austerlitz. Se Hitler e o nacional-socialismo
foram formas de cesarismo popular, então também o foi Estaline, que
representava o povo russo, ultrapassando e subordinando, pelo carisma e pelo
Terror, as estruturas do Partido Comunista – o Comité Central e o Bureau
Político. Assim, o
populismo estende-se para lá das ideologias ou pode coexistir com quase todas
as ideologias, com exclusão de um conservadorismo ou liberalismo aristocráticos
à Chateaubriand ou à Tocqueville, desconfiado dos chefes e das massas. Se Getúlio e Perón foram caudilhos populistas, que
dizer de Castro e de Chávez, apesar da cientologia marxista? Patrice Lumumba,
Samora Machel, Jonas Savimbi, foram populistas africanos. E Nasser foi o
populista da Renascença árabe.
Mas o princípio mono-árquico casava-se com a representação popular sem a mediação do voto, o que não acontece agora.
O populismo, sobretudo o
nacional-populismo, tem a vantagem de conciliar uma realidade politicamente
determinante na modernidade – a comunidade nacional – com a base de
legitimidade euroamericana da soberania popular. Tem também a vantagem de
arrumar e neutralizar como “oligarquias” as classes altas mediadoras, os
“notáveis” do dinheiro, da sociedade, da política, da cultura.
Será
o populismo uma doença crónica da velhice democrática? Será que a dificuldade de impedir o mimetismo
globalizante das classes políticas das democracias liberais, a sua
funcionalização de interesses, a sua dependência da cultura e da narrativa
dominantes, não as condenaram a chamar e a sofrer a reacção populista?
A
ideia de que o populismo é uma reacção circunstancial, uma “gripezita”
das sociedades políticas ocidentais, que as respectivas classes políticas
poderão corrigir e superar desde que se decidam a fazê-lo, é um equívoco. O chamado “momento
populista” corresponde a um fenómeno de fundo de reacção a
situações que se tornaram insuportáveis para largas franjas da população das
sociedades euroamericanas. Os quatro Dês de Roger Eatwell e Matthew
Goodwin pretendem catalogar e definir essas causas, mas na reacção, os
movimentos chamados populistas estão a reencontrar valores republicanos que
nada têm que ver com o discurso político dominante.
São
valores de nação, mais do que quaisquer outros; mas também de realismo político
perante as ideologias da nova esquerda ligadas aos
pânicos climáticos, à manipulação e abstração do género, às práticas
inquisitoriais e intimidatórias que promovem e protegem novas e particularmente
delirantes utopias.
Todas as grandes correntes
ideológicas nasceram da negação
do status quo; numa
primeira fase como antítese, depois buscando sínteses. A
política e as ideias políticas são reactivas: o
liberalismo reagiu ao Ancien Régime; o marxismo e o marxismo-leninismo
reagiram ao capitalismo; o nacionalismo social procurou unir a nação e os seus
valores à justiça no trabalho e ao solidarismo das classes. O populismo ou o neo-populismo nacional
começou por ser uma reacção, mas embora já paire de outra forma sobre a Europa,
os seus líderes ainda encarnam a negação das oligarquias dominantes.
O avanço dessa reacção, a revisão histórica e política que vai
trazer, acabará, no exercício da negação, por redescobrir e renovar as bases e
a essência dos valores de afirmação, os valores estruturantes das sociedades
euro-americanas. Nem de outro modo poderia ser.
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curto
A SEXTA
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INTERNACIONAIS
COMENTÁRIOS (de 30)
klaus muller: JNP tem toda a razão no que escreve neste seu artigo. Mas não devemos fugir à questão principal relativamente
à origem de movimentos populistas na Europa: a imigração muçulmana. Eu não
posso admitir que se bloqueie uma rua de Lisboa porque, não cabendo todos numa
mesquita, os muçulmanos resolvem vir para a rua e não deixam passar ninguém. Carlos
Real: Como sempre uma análise inteligente e bem fundamentada. Eu sou talvez um
bom exemplo de eleitor populista. Nunca me identifiquei cegamente por nenhum
partido, e tendo vivido o PREC nunca militei em nenhum. Tive amigos
importantes, mesmo de casa, como o Cansado Gonçalves, afastado por Cunhal por
ser trotskista, pessoas dirigentes desde o MRPP até ao PRD do Eanes. Sou um liberal
com consciência social e por isso a social-democracia nórdica é a minha matriz.
Sou um ateu profundo, e recomendo vivamente para todos, a leitura do Segredo de
Espinosa do José Rodrigo dos Santos. Vou votar Chega porque estou farto dos
políticos do sistema. Mentem com todos os dentes. Veja-se o descaramento do
Montenegro. Depois de meses sem saber como se relacionar com o Chega, agora diz
que NAO e não. Depois do que fez nos Açores e na Madeira todos sabemos que se
precisar dos deputados do Chega, a justificação mentirosa vai sair
imediatamente. Só querem o poder. É confrangedor assistir a Marta Temido que
não indica uma única medida na área da saúde, e tentar desviar a discussão para
outros temas (ver o último Expresso da Meia Noite na SIC). Estou farto de uma
União Europeia que não tem vergonha nem princípios. As negociatas com o
feirante Orban são o último exemplo. Estou enojado com o wokismo, em que a
censura intelectual e de costumes é muito preocupante. Agora na publicidade é
preciso colocar o negro, o gay, qualquer dia o trans e o béu béu. Estou cansado
de ver gente como o Goucha, ou o Ricardo Araújo Pereira defenderem tanto os
amigos da Ana Gomes, mas eu convidaria a fazerem a experiência de receber gente
comum por 24 horas nas suas casas. Eu que vivo numa aldeia alentejana, sei que
salvo raras excepções são pessoas anti-sociais que poluem a atmosfera. Por tudo
isto sou um pré-histórico analfabeto, que não conhece o mundo, e deseja
ardentemente a miséria económica e social do salazarismo. klaus
muller > Lúcio Monteiro: Oh Lúcio, eu não te critico por
seres um esquerdalho desclassificado; critico-te por fingires ser aquilo que
nós somos, ie, democratas. vitor Manuel: Portugal precisa urgentemente de J.N.P. e de
outros como ele. Não é possível que a criminosa canalha instalada consiga os
objectivos de destruição por si programados, desde há quase meio século. Maria
Augusta Martins: As repúblicas populares de babuínos que se seguiram á descolonização estão
aí para se saber quem os coloniza agora. Pois com tanta democracia as
populações fogem dos babuínos que os governam. Jose Marques >
Lúcio Monteiro: Ó Luci(o)fer, quem é que te
julgas para sequer te atreveres a comentar a vasta cultura histórico/filosófica
derramada semanalmente nas crónicas de Jaime Nogueira Pinto? Remete-te à tua
dimensão de metralha esquerdopata e compulsivo e.. já agora, dá de frosques que
é tempo de advento! Meio Vazio: Excelente lição. João Ramos:
Aquilo a que por
cá chamam de populismo não passa de uma sã reacção à incúria e à falta de «
espinha dorsal » das políticas maioritariamente de esquerda que nos têm
(des)governado e nos têm imposto este « plano inclinado » em que Portugal se
tem afundado! vitor Manuel > Lúcio Monteiro: Correcto, embora os portugueses
a quem foram prometidos médicos de família pelo "não populista" que
mesmo perdendo as eleições acabou por manter o emprego não concordem
assim tanto... Tim do Á: Muito esclarecedor e
transparente. Clarinho como água. Parabéns por mais um artigo a reler. Maria
Nunes: Excelente, como sempre. AGOSTINHO
MACEDO > Carlos Real: Excelente texto, Parabéns! Também
vou votar Chega. Até dia 10 de Março. José B. Dias: Mais claro seria difícil e só
não entende quem não o quiser ... Antonio Berberan: Eu alinho mais numa definição
mais prosaica de populismo que observei aplicada por António Costa sem
quaisquer escrúpulos, em grande profundidade e com maior sucesso: chega ao
poder quem ganha as eleições, ou seja, quem tem mais votos (mesmo que se tenha
que geringonçar). Portanto só há é que dirigir-se e prometer benesses à maioria
da população para conquistar os votos que levam ao poder. Quanto mais
dependente de subsídios (ou seja, quanto maior a pobreza) e menos letrada (ou
seja, ensino a não funcionar seja por facilitismo ou por falta de professores)
for essa maioria, tanto melhor. O populismo de Costa é muito mais eficaz que o
de Marcelo ou do Bloco de Esquerda.
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