A de ontem, de coragem, da autêntica, a
de hoje, de caliça nos camarões. Provavelmente, mais violenta, a da caliça, não
se pode condenar o da Nu cATRINETA, e a sua rápida reacção de recuo e raiva. Afinal,
nem só de armas vive o homem. Os camarões são sagrados, sobretudo para quem
tanto lutou para os poder comer … fora do seu país, em luta heroica, para quem sempre
sobrou mês na sua pátria, propícia a aventura extraterritorial.
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO10.12.23
ou
UM LISBOETA NA FAIXA DE GAZA
«Lá
vem a Nau Catrineta
Que
tem muito que contar
Ouvide
agora, Senhores
Uma
história de pasmar
(…)»
* * *
Nos idos do século XVII, o
lisboeta Filipe de Brito e Nicote foi
eleito Rei da Birmânia, governou durante 12 anos e morreu à frente do
seu exército em defesa do seu povo contra a invasão do vizinho cobiçoso; com um
nome por mim indizível, a sua memória
ainda hoje é recordada pelos birmaneses.
Fernão Mendes Pinto foi o primeiro europeu a chegar ao Japão,
foi o Padre António de Andrade que
descobriu o Tibete, em Ushuaia, no
extremo sul da América do Sul, há uma portuguesa que tem um jardim infantil,
na Noruega, em Allesund, a meio caminho
do Cabo Norte, há um cemitério com terra de Portugal e o meu amigo Ricardo
Louro foi fazer turismo na Faixa de Gaza.
Eu conto:
- Lisboeta do Paço do Lumiar, o Ricardo
era caixeiro numa loja de tecidos na Baixa da cidade, mas sempre lhe sobrava mês no fim do dinheiro. Certa vez,
notando-o preocupado, uma cliente
arranjou-lhe trabalho numa empresa americana de construções metálicas que viera
a Portugal recrutar pessoal para construção de pipelines na Argélia a que se
seguiu o mesmo tipo de trabalho na Arábia Saudita.
Findos
estes trabalhos seguiu-se a construção de uma base militar no sul de Israel
junto à fronteira do Sinai.
Instalados e rotinados, decidiram os
membros da equipa de trabalho a que o Ricardo pertencia passarem as folgas na
praia mais próxima. E aí estão eles a
caminho da Faixa de Gaza…
Escolheram
o sítio onde o primo de um beduíno instalara uma tasca onde servia almoços. O
camarão era grande, bom e barato pelo que foi só o Ricardo ensinar o primo do
beduíno a cozinhar ao nosso modo e comer até fartar.
Com a instalação desta rotina nas
folgas, a história podia acabar aqui, mas – e lá vem o tal «mas» que sempre
baralha a escrita – houve um dia em que, estando todos a almoçar depois de uns
quantos mergulhos no Mediterrânio, salta de um qualquer lugar um obus que
estrondeia perto da tasca do primo do beduíno e um bocado da caliça do tecto cai mesmo dentro do prato do Ricardo.
Esparramado molho e camarões na camisa e calções, o Ricardo deu um salto que
fez a cadeira ir parar às urtigas, declamou afirmações que não reproduzo aqui e
jurou nunca mais voltar à Faixa de Gaza. É que, enfim, obuses são coisas normais
numa praia de aventureiros, mas caliça nos camarões é que é inadmissível.
Nunca mais voltaram à Faixa de Gaza.
E escolheram Eilat como alternativa, mas
ali os camarões já tinham sido comidos pelos tubarões do Mar Vermelho. Naquelas
praias nem os primos dos beduínos mergulham afoitos.
Entretanto, o trabalho na base militar
chegou ao fim e o meu amigo Ricardo Louro passou-se para a Fonte da Telha onde
os camarões não são servidos com caliça.
*
A «Nau Catrineta» é a história da nossa
diáspora e, olhando com atenção, facilmente concluímos que, afinal, a Epopeia
dos Descobrimentos foi apenas o dealbar da Lusitânia Armilar. Sim, a
universalidade portuguesa continua a ser uma realidade a que sobram escribas,
mas faltam cronistas.
Dezembro de 2023
Henrique Salles da Fonseca
Carlos Antolin
Teixeira 10.12.2023 09:15: Só
quem não correu mundo não deu por estas coisas. Totalmente de acordo. Venham
mais cronistas.
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