Com previsão de idêntico desfecho
punitivo sobre ele, só que provindo do campo chinês, de presidente igualmente sonso
e drástico a castigar, tal como o presidente do campo russo, seu homólogo, de
voz igualmente mansa e olho de fictícia seriedade. Jimmy Lai, herói, por arrostar contra o chefe chinês, que lhe
seguiu a pista, com firmeza paciente, filando-o, enfim. Navalny condenado a
gelar, Jimmy Lay, talvez a arder, os extremos tocando-se, num mundo onde alguns
são heróis a valer
▲Lai
Chee-ying, nome de baptismo de Jimmy Lai, nasceu a 8 de dezembro de 1947 em
plena guerra civil na China
AFP
VIA GETTY IMAGES
Jimmy Lai. O self-made man católico que
enfrentou o regime chinês e que pode ser condenado a prisão perpétua
Cresceu na China de Mao, fugiu para Hong Kong num barco
de pesca aos 12 anos e construiu um império do nada. Multimilionário, Jimmy Lai
fundou um jornal crítico do comunismo e Pequim não perdoou.
BSERVADOR, 25 dez. 2023, 16:017
Índice
Jimmy Lai. O self made man
que fugiu da China e construiu um império
O envolvimento nos media, o
activismo e a religião
As proximidades à direita
norte-americana e as perseguições políticas do regime chinês
No Natal passado, o empreendedor
e político com nacionalidade britânica Jimmy Lai conseguiu
enviar três ilustrações relativas à época festiva para um colégio católico no
estado norte-americano da Virginia. Preso desde 2020 em Hong Kong, o magnata
dos media naquela região especial administrativa chinesa desenhou na cela Jesus Cristo na cruz e também Maria, enviando
os desenhos para os Estados Unidos através de uma das suas maiores aliadas, April Ponnuru. Em compensação, a escola organizou a iniciativa
“Postais para o Jimmy”, em que crianças e adolescentes enviavam mensagens de
apoio ao dissidente. Um ano depois, a situação alterou-se
radicalmente.
Na última segunda-feira arrancou o
julgamento de Jimmy Lai. O homem de
76 anos, que nasceu na China continental e se mudou para Hong Kong num
barco de pesca aos 12 anos, está acusado de conluio com forças
estrangeiras e também de sedição. O porta-voz do Ministério
dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Wenbin, descreveu-o recentemente como
sendo o “cabecilha” de uma rede que organizava “protestos anti-China” e um peão
nas mãos de “agentes anti-China”.
Dono do jornal Apple
Daily, que possuía uma linha editorial que criticava
abertamente o Partido Comunista Chinês (PCC), Jimmy Lai tornou-se uma figura demasiado
incómoda para o regime. Sob
domínio britânico até 1997, Hong Kong passou a ser controlada por Pequim, tal
como aconteceu com Portugal e Macau. E
durante anos beneficiou de uma certa tolerância que era impensável na China
continental, que resultou de um estatuto especial acordado com o Reino Unido.
Não obstante, as autoridades de Pequim foram apertando a malha — e
deixaram de tolerar certas liberdades.
▲ A redação do Apple Daily
antes de ser encerrada BLOOMBERG VIA GETTY IMAGES
A
população de Hong Kong não ficou de braços cruzados perante a supressão de
liberdades. Entre 2019 e 2020, milhares de pessoas saíram às ruas para
protestar contra as últimas decisões do regime. Opondo-se igualmente à
aprovação de uma lei que previa a extradição de suspeitos de crimes para a
China continental, os manifestantes exigiam mais liberdade e algo impensável na
lógica do partido: uma maior autonomia face a Pequim.
O jornal Apple Daily dava cobertura e apoiava a realização de
manifestações, denunciando igualmente o regime chinês. Nada
disto agradava ao Partido Comunista. Em
março de 2021, o diário foi encerrado, aplicando um duro golpe à liberdade de
expressão em Hong Kong. Sete
meses antes, já Jimmy Lai tinha sido detido.
Jimmy Lai. O self made man que fugiu da
China e construiu um império
Lai Chee-ying, o nome de
batismo de Jimmy Lai, nasceu a 8
de dezembro de 1947 em plena guerra civil na China. Oriundo de famílias
endinheiradas da região de Guangzhou, a situação económica no meio em que
cresceu alterou-se radicalmente quando a revolução triunfou e Mao-Tse Tung
chegou ao poder em 1949: os pais acabaram por
perder a fortuna amealhada ao longo de gerações.
▲ A China
atravessa tempos difíceis com o Grande Salto em Frente, impulsionado por
Mao-Tse Tung UNIVERSAL IMAGES GROUP VIA GETTY
Isso obrigou a que Lai Chee-ying
começasse a trabalhar desde muito jovem numa estação de comboios. A sua função
passava por carregar a bagagem dos passageiros. Quando estava a entrar na
pré-adolescência, a China atravessava tempos difíceis com o Grande
Salto em Frente, impulsionado por Mao-Tse Tung. A reforma agrária forçada,
de que fazia parte o plano para transformar a China numa potência económica,
acabou por falhar — e estima-se que cerca de 45 milhões de pessoas tenham
morrido à fome em quatro anos.
Foi neste contexto económico e
politicamente conturbado que Jimmy Lai passou os primeiros tempos da sua vida. Mas tudo mudou um dia, enquanto carregava
bagagens na estação de comboios e um estranho lhe deu um chocolate. O jovem
adorou e perguntou-lhe de onde é que tinha vindo aquele doce. Hong Kong foi a
resposta — e começou aí o interesse de Lai Chee-ying por aquela
localidade, na altura uma colónia do Reino Unido.
Numa autobiografia publicada em 2022,
o magnata recorda que
achava Hong Kong o “céu” — e a sua missão passava por lá chegar. Aos
12 anos o adolescente entrou às escondidas num barco de pescadores e conseguiu
chegar ao destino com que sonhava. Mas não teve uma vida fácil: começou
por trabalhar numa fábrica têxtil em turnos de 14 horas por dia.
▲ Refugiados
chineses em Hong Kong, em 1963 GETTY IMAGES
Ainda assim, tudo espantava o jovem
nascido nos tempos pós-revolução na China continental. Numa entrevista à Association of Mature American
Citizens, Jimmy Lai recordou que chorou ao ver que tinha tantas escolhas
diferentes para comer ao pequeno-almoço. E a dureza do trabalho também
não o assustava; aliás, recordou aqueles tempos iniciais em Hong Kong como
sendo “muito felizes”. “Eu sabia que tinha um futuro”.
Por sua vez, num editorial escrito no jornal canadiano The Globe and Mail,
o filho de Jimmy Lai, Sebastien, relatou os primeiros anos da vida do pai: “Ele entendeu o que era viver numa
autocracia. Ele fugiu da fome e das privações da China comunista nos anos 60 e,
como jovem de 12 anos a viver sozinho em Hong Kong, ele construiu uma vida —
primeiro a trabalhar numa fábrica”. Segundo o filho, isso ainda tem
impacto na saúde do magnata, uma vez que o barulho constante da fábrica fez com
que ficasse “surdo de um ouvido”.
“Ele
disse-nos que, apesar das dificuldades por trabalhar muito quando era miúdo,
nunca se sentiu pobre, porque as liberdades que encontrou em Hong Kong
deram-lhe a oportunidade de viver. Ele sabia que, sem essas liberdades,
ele não tinha nada”, continua Sebastien Lai.
A liberdade económica de que usufruía Hong Kong — contrariamente à
comunista China continental — fizeram com que subisse a pulso. Deixando as máquinas de costura de
lado, Jimmy Lai tornou-se gerente da fábrica onde começou por trabalhar
aos 20 anos. Com um salário mais elevado, investiu ainda na bolsa e começou a
acumular fortuna.
Após ser gerente, passou a
empresário. Em 1975,
comprou uma fábrica têxtil que estava na bancarrota. Isso levou-o a fazer
várias viagens aos Estados Unidos, para tentar vender as camisolas que
produzia. Foi naquele país que teve conhecimento de uma nova realidade — a
do American
Dream. A vida
social intensa que tinha quando viajava para os EUA fez com que
entrasse em contacto com vários homens de negócios. Um deles deu-lhe um
livro que o marcou profundamente: O Caminho para a
Servidão, do economista conservador Friedrich Hayek. A
devoção pelo mercado livre explica que também tenha travado amizade com
Milton Friedman, com quem chegou a fazer uma viagem à China continental.
“Esse livro mudou-me a vida”, confessou Jimmy Lai, que indicou que após a leitura de Hayek decidiu que queria enveredar pelo caminho do
empreendedorismo. Nos Estados Unidos, corria o ano de 1981, decidiu que criar
abrir a sua própria marca de roupa, vendendo a fábrica têxtil de que era
proprietário. Chamou-lhe Giordano, o nome de uma pizzaria a que foi para
tentar matar a fome causada por ter fumado erva, como relatou
a revista Atlantic.
▲ Uma loja da Giordano em
Hong Kong AFP VIA GETTY IMAGES
Apostando na fast fashion, Jimmy Lai entrou no mundo de retalho. Deixou de vender as roupas que
produzia a outros, passando a gerir um negócio que o obrigava a desenhar as
próprias roupas e depois também a vendê-las. Por sinal, a altura em que
fundou a Giordano foi propícia, tendo surgido numa fase de forte crescimento
económico na Ásia. Apesar de algumas dificuldades iniciais em afirmar-se, a
marca ainda hoje existe e tornou-se um grande sucesso, convertendo o empresário
num multimilionário.
O
envolvimento nos media, o activismo e a religião
Muito muda no final dos anos 80. A União Soviética colapsa e o mundo
comunista repensa a sua abordagem. Na China
continental, que Jimmy Lai já abandonara há cerca de 40 anos, antes mesmo da
queda do Muro de Berlim, as fundações do regime chinês tremeram — e milhares de
pessoas saiam à rua em protestos, a que o Partido Comunista respondeu com pulso
firme, tendo ficado para a história o massacre de Tiananmen resultante da repressão.
Jimmy Lai chegou a financiar os protestos contra o regime chinês no
final da década de 80. Ainda que
Pequim tivesse esmagado as manifestações, isso foi o ponto de
partida para o empresário entrar no mundo dos meios de comunicação social. A sua primeira experiência na área é a
criação do seminário Next, sendo que, em 1995, lançou o diário Apple
Daily. A ideia por detrás do nome, confessou o magnata, baseava-se em Adão e Eva, na qual a
macieira era a árvore da sabedoria.
▲ Jimmy
Lai com um jornal da Apple Daily na mão em 1995 - SOUTH
CHINA MORNING POST VIA GET
Ganhando o estatuto de tabloide — não eram raras as manchetes com
escândalos sexuais —, o Apple Daily cedo adoptou um tom crítico
relativamente ao regime chinês, ao mesmo tempo que elogiava o modo de vida do
Ocidente, em particular o capitalismo. No entanto, apesar de na altura Hong
Kong ainda estar sob controlo do Reino Unido, os empresários e as elites
políticas temiam que o jornal acabasse por prejudicar as relações com
Pequim, como relatou o New York Times.
O desconforto ainda ficou mais
patente em 1997. Naquele ano, o Reino Unido concordou transferir a
soberania de Hong Kong para a China. Contudo, pouco mudou nos primeiros
tempos. Pequim comprometeu-se com Londres a adoptar o lema “um país, dois sistemas”, governando a região
com uma administração especial.
1997
também foi o ano em que se tornou católico — e a sua conversão está relacionada
com a entrega de soberania de Hong Kong à China. Com um
percurso laico, foi baptizado uma semana antes da transferência de soberania
pelo cardeal de Hong Kong, Joseph Zen. O seu padrinho de baptismo foi
William McGurn, um dos autores dos discursos do antigo Presidente dos Estados
Unidos, George W. Bush.
Ao Wall Street Journal, William McGurn recordou o dia de baptismo
do seu afilhado. “Eu confesso que
olhei para ele e me perguntei o quanto ele acreditava [em Deus]. Havia tantas
razões para ele se converter. Muitos dos seus amigos eram católicos. Mesmo
quando não era crente, ele admirava as religiões e o bem com que tinham
contribuído para a sociedade”.
▲ William
McGurn, escritor dos discursos do antigo Presidente George W. Bush, foi o
padrinho de batismo de Jimmy Lai
Quem também contribuiu para a conversão ao catolicismo de Jimmy Lay
foi a sua actual mulher, Teresa, que recebeu uma educação católica. O
casal conheceu-se em 1989, mas manteve a relação sempre longe dos
holofotes, não sendo conhecidos grandes detalhes.
As proximidades à direita
norte-americana e as perseguições políticas do regime chinês
Defensor
do modo de vida do Ocidente e do capitalismo, Jimmy Lay tinha a utopia de
transformar Hong Kong numa espécie de paraíso liberal — com poucos impostos,
mas com um débil Estado social. Essas ideias políticas aproximaram-no do
Partido Republicano norte-americano, principalmente da facção dos libertários.
Recorde-se que o seu padrinho de baptismo era republicano e homem de confiança
de George W. Bush.
Outro
dos encontros que teve foi com John Bolton, ex-conselheiro de segurança nacional do antigo
presidente americano Donald Trump, e que também foi embaixador dos Estados
Unidos nas Nações Unidas. O diplomata recordou à revista Atlantic o momento
em que conheceu o empresário. ▲ "Fiquei
incrivelmente impressionado pelo Jimmy. Ele tinha uma visão para Hong
Kong", disse John Bolton, político próximo de Donald Trump GETTY IMAGES
Num contexto de aumento de tensão
entre a China e os Estados Unidos, as relações entre republicanos, que têm adoptado
uma retórica cada vez mais dura contra o regime chinês, e Jimmy Lai geravam apreensão em Pequim. E
estas ligações foram bastante importantes em 2019, quando irromperam os primeiros
protestos nas ruas de Hong Kong. O magnata foi recebido, em julho daquele ano, por várias figuras
importante das administração Trump: o ex-vice-presidente, Mike Pence, o
ex-conselheiro nacional John Bolton, o ex-secretário de Estado Michael Pompeo e
os senadores republicanos Ted Cruz, Cory Gardner e Rick Scott.
Apoiando e financiando os protestos
contra Pequim, o regime chinês queria travar que Jimmy Lai tentasse
reunir apoio dos Estados Unidos e doutros países com que mantinha relações
tensas. Por isso, a China elaborou e aplicou uma nova lei em Hong Kong — a
da Segurança Nacional —, que incluía penas de prisão perpétua por “actos de secessão, subversão, terrorismo e
conluio com forças estrangeiras para pôr em risco a segurança nacional”.
É à luz desta legislação que, em agosto
de 2020, Jimmy Lai foi detido por “conluio com forças estrangeiras”. O
projeto do jornal é meses depois desmantelado.
▲ Os protestos em Hong Kong
JEROME FAVRE/EPA
Tendo em conta a lei da Segurança
Nacional, Jimmy Lai deverá ser condenado à prisão perpétua. O
dissidente político esteve detido enquanto aguardava por julgamento, que
começou na passada segunda-feira. Vai agora, num processo que deverá demorar
quase três meses, comparecer perante três juízes especialmente nomeados para
julgar casos de segurança nacional, mas sem júri, o que representa um
grande afastamento do costume dos processos judiciais da cidade.
Os Estados Unidos, a União Europeia e o Reino Unido já apelaram à
libertação de Jimmy Lai, acusando a China de levar a cabo uma perseguição
política. Em resposta, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros
chinês considerou estas tomadas de posição como “irresponsáveis”, sendo contra
o “espírito do Estado de direito, do direito internacional e das básicas normas
das relações internacional”. E Wang Wenbin garantiu que o processo judicial
não é “politicamente motivado”.
Durante
os três anos em que esteve detido, o seu padrinho de baptismo contou que a fé
ocupou um grande espaço na sua vida. “Durante muitos dias, o Jimmy passou muito
do seu tempo a cultivar a sua nova vocação enquanto artista cristão”, refere
William McGurn. “Ele é bastante bom, mesmo estando limitado a desenhar com
lápis em papel normal.”
William McGurn, padrinho de batismo
de Jimmy Lai, sobre a sua rotina na prisão:
“Ao longo do tempo, as
autoridades [chinesas] perceberam que isto podia simbolizar uma ameaça e, por
isso, já não lhe permitem partilhar a sua arte com os visitantes e
correspondentes”, lamentou William McGurn. Este ano, Jimmy Lai não pôde
decerto enviar desenhos festivos para os Estados Unidos — e é provável que as
suas liberdades sejam ainda mais restringidas no derradeiro momento em que for
declarado culpado.
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COMENTÁRIOS (de 7)
Jota Mamba: Esta é a China do Bloco de Esquerda, PCP e toda a
esquerdalha... Mas a
esquerdalha não pode dizer isso, primeiro tem que parecer fofinha e defender os
desprotegidos, os sem-abrigo (mesmo os que o são por opção própria), os
desviados mentais (leia-se com tara sexual), as etnias... etc etc... Depois,
num depois que esperemos que não aconteça, se tivessem o poder transformavam
Portugal numa Coreia da Morte... transformar numa China era fofinho demais... Pertinaz: A União Europeia tem por obrigação impor taxas
aduaneiras fortíssimas enquanto a repressão dictatorial continuar… Nuno A: A China com
Hong Kong demonstra que tb. não cumpre acordos e contratos. É um regime vil. É
outra China, a do poder.
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