Com sol ou sem. Excelente análise. Há muito que ardemos e ninguém quer saber. Salvo alguns destemidos. Como Maria João Avillez, no precioso e no preciosismo das suas crónicas inteligentes.
Um pouco mais de sol, e eu era brasa
Montenegro diz não ser uma “obsessão”
uma coligação pré-eleitoral. Sucede que uma frente eleitoral produz uma onda,
que cria um impulso que desagua numa vontade que remata num voto.
MARIA JOÃO AVILLEZ Jornalista, colunista do Observador
OBSERVADOR, 06 dez. 2023, 00:2228
1Uma das coisas politicamente mais interessantes, as eleições de
Março, é a de saber o acolhimento eleitoral que terá o PSD. Durante décadas não
se lhe questionava a hegemonia nem o lugar – alternados com o PS – nos destinos
políticos do país. PSD e PS eram os fundadores da democracia e os sempre ditos
pilares do regime. Um e outro chefiavam governos a sós ou em coligação.
Costumava ser assim.
As coisas mudaram, o universo político também, nasceram partidos, e
sobretudo o entendimento que alguns têm – e cultivam – do que é servir a
política também mudou. Muito.
2Enquanto
o PSD esteve tragicamente mal entregue com Rio Rio – recusou
uma coligação pré-eleitoral, fez sumir o CDS dos radares parlamentares, deu a
maioria absoluta ao PS – o abocanhamento – desculpem
a horrenda palavra – o horrível
abocanhamento do Estado pelos socialistas foi um triunfo: a
hegemonia do PS não foi beliscada: uma número avassalador de portugueses
dependem do Estado e acham natural depender. O poder foi-lhes sempre dando mimos
e meios. Hoje vivem num misto de instalação em porto seguro de onde não se saia
para o mar, e de uma opção pelas águas paradas. E sentem-se bem. Não há
sobressaltos mas também não há ambição de melhor futuro (ou sequer de futuro, mas esse é um dado que já sabemos de cor,
a falta de ambição portuguesa vem nas estatísticas). O efeito é
aliás bilateral: face a portugueses resignados mas aparentemente não infelizes
vir alguém falar-lhes em reformismo talvez não valha muito a pena: para quê interpelá-los
para reformas ou incomodá-los com “mudanças” se depois não gostam e… não votam?
Ou falar-lhes de mérito e brio se ignoram um e pouco praticam o outro?
3Em resumo: as
deploráveis núpcias entre o PS que trocou o país pela fidelidade do funcionalismo
público e esses milhares de adeptos do grande clube do Estado, podem estar para
durar: a deliquescência do “hoje” torna muito mais difícil o combate contra a
instalação, a torpeza dos dias, o abandono de ideais, a ausência de sentido da
palavra nação. E torna
talvez mesmo impossível usar da mais interpeladora pergunta que se pode fazer a
um votante: “não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta-te a ti
mesmo o que podes fazer ele”. É isto: haverá ou não a
responsabilidade dessa pertença? A transformação do voto numa resposta a um
país? O responder à chamada de uma pátria necessitado? Ambicionar mais?
Não se sabe.
4O PSD será indiscutivelmente
(nem era preciso o advérbio), o único receptáculo possível do voto indicador da
vontade de mudar. E aqui o
embaraço é a escolha: mudar de exigência, de vontade, de decência, de atitude,
de protagonistas políticos mas também de decisores, mas também de prioridades,
de escolhas, de programa. E de ar do tempo (não são palavras alinhadas
e alinhavadas a eito, podem parecer mas não são: sinalizam
simplesmente a salubridade que será indispensável reencontrar para levar por
diante o vislumbre de “outra coisa”. Ao menos o vislumbre, seria já um princípio
possível).
O
PSD será capaz da empreitado e do fôlego que ela exige? De se libertar do
perímetro partidário e abrir uma janela, escolhendo, convidando, acolhendo;
alargando horizontes, escutando o país e não só ouvindo-o (não é o mesmo);
levantando voo sobre a família partidária e pousando em Portugal. Capaz da exibição de autoridade – a sua,
própria e intransmissível – na escolha dos deputados, recusando uma bancada
feito do exclusivo da prata do PSD e enriquecendo-a com candidatos a deputados
fora de casa?
Entretanto Luís Montenegro diz-nos
que não é uma “obsessão” a procura ou a realização de uma coligação
pré-eleitoral.
Pois
bem, devia ser. Não uma obsessão (o substantivo parece-me desadequado)
mas uma prioridade, a primeira prioridade. Uma
frente eleitoral cria uma onda, que cria um impulso que desagua numa vontade
que remata num voto.
Em resumo: o tempo e as coisas pedem
outras núpcias. Um
casamento não de conveniência mas de convicção entre a capacidade de
convocatória do PSD e eleitorado de centro direita e direita no dia 10 de
Março? Olhando para o PSD como o único timoneiro capaz de conduzir outros
vice-timoneiros atrás de si? Apesar do evidente downgrading – e por
isso mesmo! – sofrido pelo modus faciendi político dos últimos longos
anos ,alguém terá que acudir à política portuguesa. Os
assombrosos recursos do PRR um dia esgotar-se-ão. Pergunto: quem nos reorganizará
economicamente para que o país não tropece na sua condenação á pobreza, no baço
sumiço da classe média, na via sacra dos baixos salários, na fuga de jovens
para melhores paragens, no total fracasso da administração publica. Trabalhos
de Hércules. Vivemos de esmolas chamadas “fundos” – um dia acabam; do turismo –
por definição os turistas cansam-se dos sítios; de algumas heróicas exportações
mas o sector privado vinha em modestíssimo lugar na lista das prioridades do
PRR (cartão de visita mais que eloquente que este do governo socialista é
difícil)
Trabalhos de Hércules, sim. Sobretudo se admitirmos que haja talvez
parte considerável de portugueses disponíveis para o repto da mudança. De
Hércules, sim.
Só uma coisa interessa: ambicionar mais.
5A candidatura de José Luís Carneiro tem como um dos seus
ex-libris a expressão “continuidade”. Um convite à “continuidade”. Ninguém achará a
expressão no mínimo desadequada? Continuidade daquela tralha, daquelas
escolhas, daqueles “casos” duvidosos que se cavalgam uns nos outros?
Continuidade daquela inoperância, daquela falta de respeito acintosa pelos mais
frágeis com urgências hospitalares que necessitam de calendário prévio?
Daqueles casos que se cavalgam uns nos outros? Continuidade?
Pedro
Nuno Santos o
desenvolto, também arranjou uma palavra fetiche, desta feita um adjectivo: tudo
é “radical” no PSD e no espaço do centro-direita. O adjectivo é modestíssimo e
sobretudo disparatado: como argumento não se percebe bem a fundamentação mas
talvez o candidato publicamente tão bem amado não perceba algumas coisas.
Uma campanha aquém.
PS. A solidão tem destas coisas: atrai
mais solidão. Pela
primeira vez desde o início do seu primeiro mandato, o Presidente da República
surgiu ao país quase nu: as imagens de segunda-feira exibiam ainda mais que
mostravam um homem totalmente só, melancolicamente só, aflitivamente só. Numa
espécie de arrecadação do Palácio de Belém, tratando o seu filho por dr., não
sabendo o que fazer com o olhar, não sabendo o que fazer com as mãos, não
sabendo se se sentava ou levantava, não sabendo se havia de ter um papel na
mão, de o ler ou de o pousar numa mesa vazia de mais, grande demais e feia de
mais, estava ali a solidão esculpida nele próprio.
Como
o cidadão acha — não é de hoje — que não precisa de se aconselhar, de ouvir, de
discutir, de analisar, de ponderar, de escolher, o Presidente que levou para
Belém o cidadão nunca ouve ninguém. Faz muito mal e todos sabemos isso. Na
segunda-feira também não ouviu. O resultado foi dramático. Tal como a escolha
do cenário, obteve o efeito contrário: estranhou-se tudo em vez de tudo se ter
dissipado.
Claro que falta contar mais de metade, a procissão ainda não saiu de
Belém, mas…
Mas há isto: conheço Marcelo Rebelo de
Sousa há anos, sei a massa de que é feito e sendo desbocado, prolixo e
abusador no verbo não o é na ética. Pese
embora que o filho se tenha atrevido a mandar um mail para a Presidência, que o
Presidente da Republica se tenha esquecido e depois lembrado — porquê agora? —
do que fez e disse ou mandou fazer e dizer; que haja zonas sombrias e buracos
na história desta história, no que toca a Presidência, preciso de mais luz e
menos poços de ar para culpar o Chefe de Estado por causa do cidadão.
E os outros? Ou só há um nesta
seriíssima questão? Alertas activos
COMENTÁRIOS (de 28):
bento guerra: O PSD é a direita fofa, que não
pode governar sem o apoio do Chega. Caíram na armadilha do PS e dos seus amigos
da Comunicação e agora estão entalados. O Chega não é só o Ventura, mas
centenas de milhares de portugueses, que estão fartos desta fantochada "de
esquerda". Ou percebem, ou vai continuar...
Francisco Almeida: Contrastando com a da semana
anterior esta crónica ficou aquém. A Senhora (a maiúscula é intencional e não
derisória) está triste e isso percebe-se. Mas não vejo novidades. António Costa vingou-se de
Marcelo, sem se incomodar com mais os socialistas que sairão queimados, ao que
se suspeita a começar por Lacerda Sales, um dos muito raros que tinha boa
opinião pública. Marcelo revelou-se e tal como Costa, entregou todos,
desde o filho ao chefe da Casa Civil. Onde está a novidade? Não leu Balsemão? Não se
lembra de Marcelo doente com gripe quando os irmãos se despediam do pai que
partia para o exílio? Não viu o professor de direito constitucional a ignorar
supressões de direitos constitucionais por despacho administrativo? E o
elefante? A realidade? A aritmética? A escolha que conta? Não se tira o PS do poder sem o
Chega. E há que ter a coragem de falar nisso, independentemente de gostos e até
de convicções pessoais. Uma crónica política que o ignora, é sempre aquém.
Rui Lima: PSD é um partido medroso,
António Costa , governo e PS têm vergonha da Bandeira Nacional por isso mudaram
o símbolo do governo, por onde anda o PSD neste caso para falar alto
explicando que o PS detesta Portugal , quer substituir a bandeira e
os portugueses .
JOHN MARTINS: Perante, o vai ou racha,
ou ainda, se não vai a bem, vai a mal, encontra-se o PSD, actualmente. Logo a tal
frente, a que a MJ. se refere é mais do que necessária. Inventem-na. Façam
um esforço extra, para que possamos dizer no dia 10 de março: finalmente,
estamos livres desta corja socialista, que para além de ter levado o país a
sistémicas bancarrotas, nos traz a uma profunda crise social e política, que
tem desde já um popularucho beneficiário. Não
querem aventureiros. Estão fartos do sistema. DEIXO O AVISO...
Maria Luthgarda: Infelizmente e por sua própria
culpa, o PR está completamente descredibilizado perante a opinião pública. O pior é que arrasta consigo o
descrédito da instituição que representa. Depois
de tantos "favores" ao PS e ao PM (e do PM ao PR?) a harmonia
quebrou-se - como era previsível - e o partido ainda no poder actualmente, e,
se calhar no futuro, se encarregará de o enterrar ainda mais. Sim, porque os "amigos" apenas servem
como barreira de protecção até ao momento em que são descartados sem
apelo nem agravo. Os exemplos até agora conhecidos são a prova disso.
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