Angústias do dia-a dia, pelos mundos
vividas. Mas esta, “demográfica” que é, com o seu carácter de universalidade nestes
países do ocidente europeu, provar-se-á que, a não se pôr cobro ao fenómeno
migratório, arrasará as próprias civilizações, à la longue, que ficarão como
modelos, talvez, como foi o caso das civilizações clássicas da Antiguidade
greco-romana, pese embora as diferenças culturais dos povos invasores de hoje.
A angústia demográfica
Como Mounk assinala, o incómodo com a
imigração não depende de uma percentagem entendida como demasiado alta, mas
prende-se antes com mudanças demográficas demasiado rápidas.
PATRÍCIA FERNANDES Professora na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho
OBSERVADOR, 25 mar. 2024,
06:5626
“Será que a estabilidade passada da democracia resultou de condições que
já não existem?”, pergunta Yascha Mounk em Povo vs. Democracia. O
politólogo identifica três elementos que corresponderiam a essas condições
– crescimento económico, homogeneidade étnica e centralização da
comunicação de massas – e considera que a actual crise dos modelos democráticos liberais resulta de estas
condições se terem deixado de verificar.
Na semana passada, debruçámo-nos sobre o
primeiro desses elementos, nomeadamente o
facto de a legitimidade dos regimes democráticos ter decorrido, em grande
parte, da sua capacidade de gerar bons resultados económicos para a maioria da
população. Este argumento, que parece legítimo, deixa-nos com uma
penosa reflexão entre as mãos: significa
isto que o apoio à democracia não resulta de uma convicção sincera quanto aos
valores democráticos, mas meramente da satisfação com os resultados económicos
que ela produz? Regressaremos ao tema noutro momento.
Por agora, importa recordar como Mounk
assinala a questão das expectativas, o mesmo é dizer, o modo como o futuro e a angústia perante
a incerteza futura influenciam a participação política dos cidadãos. Seria essa
a razão por que é mais provável que os
eleitores de Trump tenham um grau académico inferior (não é que sejam mais
estúpidos, têm é mais razões para temer a globalização e a automatização) e
provenham de comunidades com piores recursos de saúde, menor mobilidade social
e menos capital (sentem que a sua comunidade está a regredir). É nas regiões em que a degradação
económica é mais notória que os resultados de Trump são mais positivos, e onde
as “mortes por desespero”, como mostraram Angus Deaton e Anne Case, se revelam. Em democracias, o receio
pelo futuro revela-se um poderoso factor.
Ora, o mesmo raciocínio vale para o
segundo dos elementos identificados por Mounk e que nos faz confrontar um
tópico sobre o qual, por razões insondáveis, a classe política parece não
conseguir falar: as rápidas e profundas alterações demográficas que a
maior parte dos países ocidentais tem sofrido.
O argumento de Mounk não é novidade: os
regimes democráticos, antigos e modernos, surgiram sempre em contextos de
homogeneidade étnica e cultural, que constituem condições necessárias para um
regime que procura determinar um destino colectivo com a participação da
população. Para que a tomada de
decisões possa decorrer de acordo com o espírito democrático, é necessário que
a comunidade apresente um grau elevado de coesão, garantida pelo cimento social
oferecido pela língua, uma história comum e elementos culturais partilhados.
O mesmo é dizer: é necessário um passado comum para se pensar um
futuro comum. A nossa
identidade a um grupo depende dessa relação, como o historiador Tony Judt diz
em O chalet da memória: “Sou judeu porque tenho uma dívida de
responsabilidade para com o passado.”
Se as sociedades forem culturalmente muito díspares, torna-se
difícil tomar decisões colectivas pela dificuldade em reconhecer o outro como
meu semelhante (parte do problema da polarização política actual, muito
assente na questão das lutas culturais, revela exactamente essa dificuldade). É essa a razão pela qual os regimes
democráticos modernos foram historicamente precedidos da construção (quase
sempre artificial) da nação: precisamos
de um terreno anterior comum. E é
também essa a razão pela qual, quando os territórios são vastos e as
referências culturais múltiplas, temos impérios e não democracias.
Ao contrário do que acontece nos
impérios, a cidadania democrática é muito mais do que um estatuto a
que se tem direito. Tem
de compreender deveres e dívidas, para com o passado, para com a história, para
com a memória, e nisso se baseia o compromisso com o futuro
(particularmente importante quando se fala tanto hoje em como temos de
abandonar o paradigma da paz e preparamo-nos para um paradigma de guerra).
Neste
sentido, ser cidadão, ser membro da comunidade, não se pode limitar a uma
espécie de relação contratual, traduzida em linguagem fria, burocrática e
económica como “pagar impostos” e “garantir a sustentabilidade da segurança
social”. Conseguimos imaginar (com alguma aflição), uma sociedade na qual o que
une os “cidadãos” é este tipo de modelo – mas quem quereria viver numa
sociedade assim?
Tratar-se-ia, na verdade, de uma sociedade às avessas com a nossa
biologia (dimensão que Mounk não refere), pois os contributos mais
recentes da biologia e da psicologia afirmam que o nosso cérebro funciona de
modo essencialmente tribal e, por isso, não consideramos naturalmente um
estranho como parte do nosso grupo: as
relações de confiança capazes de gerar interdependência necessitam de uma
sinalização de pertença ao grupo. É por essa razão que é mais fácil
acomodar elementos de grupos mais próximos do nosso, que partilham a nossa
língua, parte da nossa história, a nossa religião. E é também por essa razão
que, quando se discute a imigração, o vocabulário se prende com os modos de
integração, sendo a assimilação o
modelo mais capaz de “enganar” o nosso cérebro. O facto
de o multiculturalismo ter passado a ser o modelo de
integração politicamente correcto (por oposição à assimilação) perturbou a
capacidade de alargar a nossa noção de tribo.
Uma visão economicista sobre a
imigração, que ainda-por cima percepciona os imigrantes como meios para um fim,
não compreende esta dimensão identitária e a absoluta ineficácia que é despejar
“números realistas” para cima das populações: como Mounk assinala, o incómodo com a
imigração não depende de uma percentagem entendida como demasiado alta (locais com mais imigração, geralmente
cidades cosmopolitas, não são mais atraídos por propostas populistas),
mas prende-se antes com mudanças demográficas demasiado rápidas (e por
isso zonas que têm pouca imigração, mas que a viram surgir muito rapidamente,
tendem a sentir desconforto).
A angústia demográfica resulta desta mudança brusca, que é percepcionada
como tendo sido imposta (e não escolhida pelas populações), e levanta
receios quanto ao futuro, agravados em contexto de angústia económica e de
forte emigração jovem (nomeadamente, com o chamado brain drain). O
politólogo búlgaro Ivan Krastev já tinha
chamado a atenção para este aspecto a propósito do pânico demográfico sentido a
Leste:
“A chegada dos migrantes assinala a sua saída da história, e o
argumento popular de que uma Europa envelhecida precisa de migrantes apenas
reforça o crescente sentimento de melancolia existencial…. Será que daqui a cem
anos ainda haverá alguém que leia poesia búlgara?”
Na última parte do livro, que Mounk
dedica às soluções para os três problemas identificados, o autor é
claro na afirmação de que democracias
liberais devem garantir que todos os habitantes (cidadãos ou não) são tratados
com respeito e sem discriminação, devem denunciar as condições desumanas em que
os imigrantes chegam e vivem e devem opor-se a tentativas de exclusão só com
base na fé ou na raça. Mas não tergiversa quanto ao seu direito a impor
fronteiras (fazendo recordar as lições comunitaristas do seu orientador, Michael
Sandel):
“O facto de as nações
melhorarem a sua capacidade para identificar e controlar quem tem acesso ao seu
território não constitui uma violação dos princípios da democracia
liberal. Pelo
contrário, fronteiras seguras podem ajudar a obter apoio popular para políticas
de imigração mais generosas. Do mesmo modo, um processo simplificado para
identificar e rejeitar imigrantes que constituem uma ameaça à segurança ajudará
a acalmar as tensões étnicas – mais do que alimentá-las.”
É assim tão difícil falar sobre isto?
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problema estético
COMENTÁRIOS
(de 26):
João Floriano: Uma crónica excelente onde se demonstra de forma clara
que o politicamente correcto destrói o tecido social e não é benéfico nem
para os imigrantes nem para os naturais. O multiculturalismo promove o
tribalismo e por sua vez este impede a assimilação, partindo do princípio que
os imigrantes desejam essa mesma assimilação. Até agora
a imigração tem sido uma coutada da extrema-esquerda. É fundamental que a direita se organize e
encontre estratégias positivas para lidar com o problema sem medo da esquerda,
sem preconceitos, sem sentimentos de culpa, sem aceitar cabisbaixa os rótulos
habituais que são colocados a forças políticas e indivíduos que falam
sobre o problema que é nacional. Ana Luís
da Silva: As
referências culturais de um povo com uma identidade tão marcada como o nosso
devem ser respeitadas pelos decisores políticos e económicos do nosso país. E
nesse quadro, não apenas a “biologia tribal”, a mesma língua, a mesma
tradição, mas também a mesma fé. Sim
a Fé. Somos católicos e o cristianismo definiu a nossa identidade desde o
princípio. Tal reflete-se no nosso calendário, no ritmo da nossa semana, com o
descanso ao sábado ou ao domingo, acompanhado do almoço de família e da ida à
missa, o que também determina as nossas pausas laborais; reflectiu-se na
geografia e arquitetura das nossas cidades, vilas e aldeias onde se destacam os
campanários das belas catedrais, basílicas e igrejas; plasmou-se em festas e
romarias, normalmente em honra do santo da terra, nas belas procissões que
percorrem as ruas, em que todos participam, as crianças transportando pequenos
andores ou vestidas de anjo, as varandas engalanadas com as colchas mais belas
da casa; no festejo entusiasmado dos santos populares… mas também no
acolhimento do peregrino, na ajuda ao estranho na beira da estrada que tem o
pneu do carro furado, na devoção enternecedora dos pescadores à Nossa Senhora
da Nazaré e da Boa Viagem. Portanto a Fé deve sim ser tida em conta. O Islão é
uma religião completamente diferente da nossa e que choca com os nossos
princípios, a que se junta uma forma de estar também oposta. Não é portanto
indiferente que milhares e milhares de imigrantes que a praticam ocupem bairros
inteiros do nosso Portugal. No Islão a mulher é considerada inferior ao homem e
isso repercute-se de uma forma desrespeitosa, discriminatória e no seu
isolamento social. Não é tolerável. Não será aceite. Há que estabelecer quotas.
P. S. No país onde a coroa de rainha foi entregue a Maria, mãe de Cristo, uma
mulher, e nunca mais um homem (enquanto houve monarquia) a voltou a colocar
sobre a cabeça…
Tiago Marques: Basta ouvir os
jornalistas desta casa, para ver que são incapazes de pensar fora da caixa do
multiculturalismo. Paulo Cardoso: É difícil falar disto, porque uma corrente política,
que necessita de uma sociedade fragmentada para reinar, insulta de imediato
quem pretende raciocinar sobre o assunto e, em simultâneo, correntes políticas
mais moderadas, cobardemente, temem os insultos e enterram a cabeça na areia.
Tem sido assim desde a passada década de 60, com início no outro lado do
oceano, e instalação deste lado, com particular predominância nas últimas duas
décadas. Felizmente, parece que se começa a inverter a tendência. José Paulo C Castro: Esquece que o
politicamente correcto reinante tem precisamente como objectivo a eliminação de
qualquer identidade cultural original do Ocidente. Não percebem porque não
querem. Não é o objectivo: é o oposto. Somos capazes de pagar a imigrantes para
virem cá ter os seus filhos, apoiá-los, inseri-los, mas não somos capazes de
pagar às grávidas que queiram dar o seu filho para adopção, em vez de
abortarem, uma compensação pelo 'prejuízo' que uma gravidez não desejada cause à
sua vida. Uma medida dessas, que impedisse os números de abortos
existentes, repunha o equilíbrio demográfico. Não:
preferimos tornar mais apetecível às mulheres portuguesas a taxa de natalidade
miserável que têm desde 1982 (Vem daí o défice, o inverno só surge umas décadas
depois... quando as gerações deficitárias descobrem que não há jovens.) José Vaz: Crónica soberba de um assunto que se devia debater
enquanto Portugal não fica como muitos países europeus. Sabem o que ouço muitas
vezes de Europeus que foram viver para Portugal? Que o país lhes faz lembrar o
deles antes de ser invadido pelos indivíduos da famosa religião da paz.
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