as imagens daquele mundo israelita feliz, que o Hamas empurrou, há uns cinco meses, para o horror e o descalabro. Este mundo condenatório é de um cinismo atroz, pese embora igualmente o sofrimento desse mundo palestiniano - Mas o Hamas não continua a atacar barbaramente Israel e o seu povo?...
Líder democrata do Senado pede
"novas eleições", Biden e UE reprovam operação militar em Rafah. Face
às críticas, Netanyahu mostra-se inflexível — mas Israel corre o risco de
perder apoio do
Ocidente.
JOSÉ CARLOS DUARTE
Texto
OBSERVADOR, 21 mar. 2024, 19:292
Índice
Chuck Schumer, o moderado líder do Senado que disse o
que Biden não pode dizer
Os interesses distintos de Biden e Netanyahu — e Rafah
no meio
A operação militar em Rafah e as críticas
norte-americanas e europeias
É o judeu com o cargo político mais importante
nos Estados Unidos da América (EUA) e assume-se como um “defensor acérrimo” do
Estado de Israel. O líder democrata do Senado norte-americano, Chuck
Schumer, surpreendeu o
mundo quando, num discurso na câmara alta do Congresso na quinta-feira passada,
declarou que a coligação liderada pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin
Netanyahu, já não serve os “interesses” daquele país. “O mundo mudou radicalmente e, desde então, os
israelitas estão sufocados por uma visão governativa presa no passado”, prosseguiu o responsável, que apelou à realização de
novas “eleições” legislativas.
Foi uma das críticas mais duraS e
explícitas de um dirigente político norte-americano ao governo de Benjamin
Netanyahu, mas corporiza o sentimento de desagrado com a gestão política de
Israel que se vem formando há meses dentro do Partido Democrata. Outro sinal do descontentamento democrata com o
executivo primeiro-ministro veio do Presidente norte-americano. Joe Biden
concordou, em traços gerais, com as palavras de Chuck Schumer: “Ele fez um bom
discurso. Penso que manifestou algumas sérias preocupações que não são partilhadas
apenas por ele, mas por muitos norte-americanos”.
Com
uma ofensiva militar que dura há mais de seis meses, estas declarações mostram
que Benjamin Netanyahu está a ser cada vez mais pressionado por
aqueles que considera como o seu principal aliado — os Estados Unidos. E esse tom crítico deverá continuar nos próximos
tempos. Sem se ter chegado a acordo para um cessar-fogo temporário durante o
Ramadão, o governo israelita deverá avançar em breve com uma
operação militar no sul da Faixa de Gaza, em redor da cidade de Rafah, o que
está a gerar preocupações em Washington.
▲ Líder
da maioria democrata do Senado pede novas eleições, por visão governativa de
Israel "estar presa no passado"SHAWN THEW/EPA
Em
resposta a todas estas críticas, Benjamin Netanyahu deixou uma mensagem clara:“Quero assegurar que nenhuma das pressões nos vai parar.
O futuro e a sobrevivência de Israel estão em risco. Não temos outra opção se
não uma vitória total e essa vitória ainda pode ser alcançada”. Mantendo-se inflexível nos objeCtivos finais da
operação militar em Gaza — destruir o Hamas e libertar os reféns —, o líder do
executivo israelita enfatizou aos países “amigos” que não podem “apoiar o
direito de existir de Israel”, ao mesmo tempo que se opõem quando “Israel
exerce esse direito”.
Perante
o pedido de novas eleições por Chuck Schumer, o primeiro-ministro israelita disse à CNN considerar “inapropriado” e criticou a
tentativa de ingerência de alguns líderes norte-americanos. “Não somos uma
república das bananas”, atirou, acrescentando que o seu governo é o “único” que deve trabalhar para
“colapsar a tirania terrorista” do Hamas. E comparou o pedido “ridículo” do
líder democrata do Senado a um possível cenário da demissão George W. Bush após
os ataques de 11 de setembro: “Não se faz este tipo de coisas”.
Em
público, o primeiro-ministro israelita desvaloriza as críticas ao seu governo,
ainda que não hostilize directamente nenhum dos líderes estrangeiros. Mas
Benjamin Netanyahu sabe que — sem o apoio da elite política norte-americana—
corre o risco de Israel ficar praticamente sozinho a defender a operação
militar em Gaza. Os próximos tempos não se avizinham fáceis,
igualmente: os Estados Unidos estão em plena campanha eleitoral para as presidenciais
e os democratas sabem que o apoio quase incondicional de Joe Biden a Telavive tem
afastado alguns eleitores.
"Não somos uma república das
bananas" Benjamin
Netanyahu sobre palavras do líder do Senado
Neste momento do conflito, no seio da
comunidade internacional, apenas os Estados Unidos continuam incondicionalmente
ao lado de Israel. Vários países da Europa têm-se afastado e dirigido
críticas à maneira como Telavive tem gerido a guerra. Prova do afastamento
europeu, em meados de fevereiro,uma resolução que pedia o cessar-fogo
em Gaza votada no Conselho de Segurança das Nações Unidas foi vetada
apenas por conta do voto de Washington, enquanto França votou a favor e o Reino
Unido absteve-se.
O
Presidente francês, Emmanuel
Macron, tem apelado
a um cessar-fogo e tem instado por várias vezes que Israel “respeite o direito
humanitário, as leis da guerra e o direito internacional”, instando a um
cessar-fogo. A diplomacia
britânica tem feito a
mesma coisa. O ministro
dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, David Cameron,igualmente apelou a uma “pausa no conflito” e tem alertado
para o sofrimentos dos civis palestinianos.
Inicialmente totalmente a favor da
operação militar israelita em Gaza, os dirigentes da União Europeia (UE) têm
igualmente deixado críticas a Israel. O
alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de
Segurança, Josep Borrell, lamentou na segunda-feira que Gaza se
tenha tornado um “cemitério a céu aberto”: É um cemitério para milhares
de pessoas e também um cemitério para muitos dos princípios mais importantes do
direito humanitário”.
"Gaza é um cemitério a céu
aberto. É um cemitério para milhares de pessoas e também um cemitério para
muitos dos princípios mais importantes do direito humanitário" Josep Borrell, alto representante da União para os
Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança
Na
Europa, as acções de Telavive são olhadas com apreensão e preocupação, havendo
mesmo países como Espanha que querem reconhecer o Estado da Palestina em breve.
Perante este progressivo abandono europeu, Israel depende do amparo da
diplomacia norte-americano. Por agora, até quando é que Washington vai manter o
apoio é uma incógnita.
Os efeitos políticos em Israel: Netanyahu recebe apoio vital de
rival político — e pode virar o jogo a seu favor
“Imprudentes e perigosas.” É assim que Amichai
Magen, especialista em estudos de Israel
no Instituto Freeman Spogli na Universidade de Stanford, descreve ao Observador
como estão a ser interpretadas as palavras de Chuck Schumer em Israel. O pedido
de eleições num país estrangeiro é “inaceitável” para os israelitas. “Seria
inaceitável para o Reino Unido, França, Portugal ou Alemanha. É inaceitável
em Israel.”
Para provar o seu ponto de vista, o
especialista recorda as palavras de Benny Gantz, que faz parte do gabinete de guerra e
que é um antigo comandante das Forças
de Defesa de Israel que goza de uma elevada popularidade em Israel.
Neste momento, ainda que não se oponha directamente ao governo, é o principal
“rival” político do chefe do executivo, diz Amichai Magen:“É o homem que
provavelmente vai substituir Netanyahu nas próximas eleições”. Mesmo com este estatuto, o também antigo
ministro da Defesa saiu em defesa do seu futuro e provável adversário político.
Na sua conta pessoal do X (antigo
Twitter), Benny Gantz ressalvou que Chuck
Schumer é um “amigo de Israel” e, apesar de “ter errado” nas suas
declarações, “desempenha um papel importante a apoiar o Estado de Israel,
incluindo em tempos difíceis”. Mas
logo a seguir o antigo militar adoptou um tom crítico e saiu em defesa do
governo israelita, recusando a realização de novas eleições: “Israel é uma
democracia robusta e apenas os seus cidadãos vão decidir o seu futuro e
liderança. Qualquer interferência externa neste assunto é contraprodutiva e
inaceitável”.
A
única figura de relevo a subscrever as palavras do senador norte-americano foi Yair Lapid,
líder do principal partido da oposição, Yesh Atid. Num comunicado citado pelo Washington Post, este responsável
político sublinha que Benjamin Netanyahu “está perder os maiores apoiantes de
Israel um por um”. “Está a causar danos graves no esforço nacional de
vencer e de preservar a segurança de Israel.”
Na
opinião de Amichai Magen, um político experiente como o primeiro-ministro
israelita deverá conseguir virar o jogo a seu favor, após a crítica de Chuck
Schumer. “Fortalece Netanyahu politicamente”, começa por
indicar o analista, explicando depois que o chefe do executivo “é capaz de
dizer à base política” do partido que lidera (Likud) que é “o único líder
corajoso e forte o suficiente para enfrentar a administração Biden”.
Essa ideia de um líder forte e assertivo “funciona
entre a base eleitoral do Likud” — e até pode extravasá-la chegando ao
centro político, devido ao apoio tácito de Benny Gantz. Benjamin Netanyhau pode mesmo recuperar alguma popularidade
perdida desde o 7 de Outubro, devido ao papel que está a desempenhar de
que “pode proteger Israel de intervenções externas”. Deste
modo, Amichai Magen afirma que o primeiro-ministro israelita vai usar este
episódio para mostrar que o único capaz de chegar a acordo para o fim do
conflito. Em resumo, o especialista não tem dúvidas: “Schumer tentou enfraquecer Netanyahu, mas apenas lhe deu mais
força”.
"Schumer
tentou enfraquecer Netanyahu, mas apenas lhe deu mais força" Amichai
Magen, especialista em estudos de Israel no Instituto Freeman Spogli na
Universidade de Stanford
Em declarações ao Observador, David A.
Levy, antigo comandante da marinha norte-americana, antigo diplomata e actual
membro do Centro dos Estudos Estratégicos Begin-Sadat, corrobora o ponto de
vista de Amichai Magen: “Sempre que alguém fora de Israel ataca Bibi [alcunha
por que é conhecido Benjamin Netanyahu] tem sempre um efeito mobilizador. Os
números das sondagens sobem”.
Aproveitando a situação, Benjamin
Netanyahu utiliza uma retórica que combina uma postura assertiva com alguma
autocomiseração. Por exemplo,
o primeiro-ministro israelita perguntou directamente no último domingo aos
“amigos da comunidade internacional” se tinham problemas de “memória”:
“Esqueceram-se rapidamente do 7 de Outubro, o massacre mais terrível cometido
contra os judeus desde o início do Holocausto? Negam tão rapidamente o direito
de Israel se defender contra os monstros do Hamas?”.“Não há
pressão internacional suficiente para nos parar de alcançar todos os objectivos
da guerra: eliminar o Hamas, libertar todos os reféns e assegurar que Gaza não
representa mais uma ameaça contra Israel”,
enfatizou Benjamin Netanyahu.
Mesmo
que consiga recolher louros políticos deste episódio, Benjamin Netanyahu não
se livra da contestação nas ruas. De acordo com o Jerusalem Post, durante o fim-de-semana, cerca
de 34 mil manifestantes protestaram em várias cidades israelitas contra o
governo e para pedirem, tal como o líder do Senado norte-americano, novas
eleições em Israel. Reavivando a onda de protestos contra a implementação da
reforma judicial que tomou as ruas no ano passado, a
oposição (principalmente a de esquerda) está a aproveitar o momento para se
revitalizar.
O antigo
deputado e major-general na reserva pediu que se organize a “mãe de todos os
protestos”. “Temos de encher as ruas e paralisar a habilidade para governar.
Devemos fazer com que Benjamin Netanyahu chegue à conclusão inevitável que ele
deve dissolver o Knesset [parlamento israelita] e escolher uma data para novas
eleições”, apelou, citado pelo Jerusalem Post.
Chuck
Schumer, o moderado líder do Senado que disse o que Biden não pode dizer
Nos
Estados Unidos, a maneira como Chuck Schumer se dirigiu ao governo israelita
foi particularmente dura. Principalmente por dois motivos: o líder do Senado
sempre apoiou Israel e pertence à facção mais centrista dos democratas. “Um
judeu senador de Nova Iorque, um líder de maioria e um amigo que Netanyahu que
sempre pendeu para Israel a expressar criticismo como este?”, questiona o
antigo diplomata Alon Pinkas ao New York Times, sentenciando: “Se se perde Chuck
Schumer, perde-se a América”.
As críticas ao governo de Benjamin
Netanyahu por parte do Partido Democrata não são propriamente novas. As facções
mais progressistas do partido têm condenado a maneira como Israel tem gerido o
conflito. Ora, o líder da maioria democrata do Senado não pertence à facção
mais à esquerda do Partido Democrata; é considerado um liberal moderado. Daí
que as suas palavras ganhem relevo e possam ser interpretadas como o sentimento
generalizado dos democratas.
▲Chuch
Schumer ao lado de Benjamin Netanyahu, quando o primeiro-ministro israelita
visitou os EUA em 2017 GETTY IMAGES
No entender de Chuck Schumer,
o primeiro-ministro israelita é um “obstáculo à paz” no Médio Oriente. Além disso, numa altura que “muitos israelitas
perderam a confiança na visão e direcção” no actual governo, o líder do Senado
acredita que existe uma “necessidade de mudança”: “Acredito que ao organizar
novas eleições […] pode dar aos israelitas uma oportunidade para expressar a
sua visão para futuro pós-guerra”, disse ainda o responsável político no seu
discurso na passada quinta-feira, salientando que Israel não vai conseguir
ter sucesso caso se converter num “pária no resto do mundo”.
Mesmo
que publicamente esta movimentação possa ser encarada como um murro na mesa,
esta animosidade ao governo israelita pelos democratas já circulava em
Washington. Um documento confidencial elaborado pelos serviços de informações
norte-americanos, desclassificado no início desta semana, já se assinalava que
a continuidade de Benjamin Netanyahu à frente dos desígnios de Israel,
juntamente com a sua coligação, que inclui partidos de extrema-direita e
ultraortodoxos, podia “estar em risco”.
Estes
partidos e o primeiro-ministro israelita seguem, lê-se no documento, “políticas
duras” contra os “palestinianos”. “A desconfiança na habilidade de Netanyahu em
governar é agora maior” e está presente “em vários sectores da sociedade”.
Tendo em conta este cenário, os serviços secretos dos Estados Unidos esperavam
“protestos” em Israel com o objectivo de pedir a “demissão” do
primeiro-ministro israelita e “novas eleições”. Sem nunca especificar por quem
seria liderado, os serviços de informações de Washington dizem poder haver a
“possibilidade” de um “governo diferente e mais moderado”.
▲Serviços
de informações norte-americanos previram que governo de Israel estar em
"risco" SHAWN THEW/EPA
Até
que ponto este documento influenciou as palavras de Chuck Schumer não é claro,
mas é um sinal de que na administração Biden há pelo menos alguma convicção de
que o primeiro-ministro israelita pode ser deposto. Comentando as palavras do
líder do Senado, o Presidente norte-americano classificou-o como um “bom
discurso”, mas depois o porta-voz do Conselho de Segurança da Casa Branca,
John Kirby, veio tentar corrigir o posicionamento da presidência.
Segundo
John Kirby, o chefe de Estado norte-americano entende que Benjamin Netanyahu é
“primeiro-ministro” e que cabe ao “povo israelita” decidir quando quer “novas
eleições”. Numa entrevista à estação televisão ABC, o responsável da
presidência norte-americana sublinhou que Israel é um “país democrata” — e que
os Estados Unidos têm de respeitar a “soberania” do país.
Os
dois líderes, afirmou John Kirby, têm uma “longa relação de trabalho” ao longo
dos anos, concedendo que não “concordam em tudo”. “Nós [norte-americanos] não
concordamos com tudo o que se passa em Gaza, mas é o governo que está em
funções, é com esse governo e com o gabinete de guerra que vamos continuar a
trabalhar”.
John
Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança da Casa Branca
Os efeitos políticos em Israel: Netanyahu recebe apoio
vital de rival político — e pode virar o jogo a seu favor Chuck Schumer, o moderado líder do
Senado que disse o que Biden não pode dizer
Os interesses distintos de Biden e Netanyahu — e Rafah
no meio
A operação militar em Rafah e as críticas
norte-americanas e europeias
Numa
conversa telefónica na segunda-feira entre os dois líderes, o jornal Axios apurou que Joe
Biden tentou tranquilizar Benjamin Netanyahu — e deixou-lhe garantias que não
vai apelar à realização de novas eleições em Israel.
Os interesses distintos de Biden e
Netanyahu — e Rafah no meio
Após
as palavras de Chuck Schumer, vários democratas saíram em sua defesa. Por
exemplo, Nancy Pelosi, antiga líder da Câmara dos Representantes, elogiou o seu discurso,
classificando-o como um “acto de coragem e um acto de amor por Israel”. Em
sentido inverso, os republicanos não pouparam críticas ao líder do Senado.
Com
uma retórica explosiva, o ex-Presidente norte-americano e muito provável
candidato republicano às presidenciais republicanas, Donald Trump, veio logo acusar os democratas de “odiarem Israel”. “Qualquer
judeu que vote nos democratas odeia a sua religião, odeia tudo o que tem a ver
com Israel e devem ter vergonha de si mesmo porque [com o Partido Democrata]
Israel será destruído”, afirmou, sendo depois criticado por várias organizações
judaicas nos Estados Unidos. Donald Trump, ex-Presidente dos EUA e provável
candidato republicano às presidenciais de 2024
Este tipo de acusações deixa antever
que a guerra em Gaza será uma arma de arremesso políticoentre Donald Trump e
Joe Biden. Os
republicanos deverão defender um alinhamento praticamente total com os objectivos
políticos do primeiro-ministro israelita, mas a questão não é tão linear
assim entre os democratas, uma vez que os eleitores mais jovens não vêem com
bons olhos a operação militar de Telavive em Gaza.
Por
tudo isto, Amichai Magen prevê nos próximos tempos uma dramatização do discurso
— de parte a parte. “Tanto do lado norte-americano como do israelita as
pressões políticas estão a aumentar. Politicamente, tanto Biden como Bibi têm
um interesse limitado e de curto prazo em terem uma espécie de luta política”,
esclarece o especialista.
O
motivo? A operação militar em Rafah, no sul de Israel, que começará em breve. “"Israel
não tem outra escolha se não entrar em Rafah, caso contrário o Hamas vencerá a
guerra, o que vai gerar imagens de sofrimento dos palestinianos. E isso
aumentará a pressão política sobre Biden da facção à esquerda do Partido Democrata"
Amichai Magen, especialista em estudos
de Israel no Instituto Freeman Spogli na Universidade de Stanford
Ou
seja, os dois têm interesse em manter uma divergência pública: Joe Biden
consegue mostrar a sua insatisfação com a operação militar em Rafah, ao passo
que Benjamin Netanyahu tenta recuperar alguma da sua popularidade perdida.
Ainda assim, Magen vaticina que a tensão será de curta duração — e durará
apenas durante a campanha eleitoral para as presidenciais. Isto porque os dois
países têm praticamente os mesmos inimigos. “Ambos os
lados entendem que o Irão, o Hezbollah [grupo libanês pró-iraniano], a Rússia e
a China estão a ver de perto esta relação estratégica entre os dois países.”
A
aliança entre Telavive e Washignton é “demasiado importante para miná-la
durante estes tempos perigosos”,
aponta Amichai Magen. “Os norte-americanos entendem que a situação no norte
de Israel — com o Hezbollah — é muito delicada e que exercer muita pressão em
Israel pode incentivar os iranianos ou o Hezbollah a levar a cabo um ataque em
Israel”, clarifica o especialista. Nesse contexto, poderia escalar uma “guerra
total no Médio Oriente”.
“Isso
é o que o Biden não quer em ano de eleições”, continua o especialista em
estudos de Israel no Instituto Freeman Spogli na Universidade de Stanford, que
define a situação como “tensa mas com limites”: “Nunca ficará fora de
controlo”.
▲Biden
e Netanyahu podem ter vantagens em assumir divergências públicas MIRIAM ALSTER / POOL/EPA
Ao Observador, David A. Levy partilha que não acredita
que esta tensão faça mossa nas relações entre Israel e os Estados Unidos. “Não acredito que as coisas
vão piorar. Provavelmente, todos vão parar com esta retórica em breve”,
antecipa o especialista. Também para o antigo comandante, é a operação militar
em Rafah que está a causar problemas entre Joe Biden e Benjamin Netanyahu.
“Parece
que Washington está à procura de uma solução em que as Forças de Defesa de
Israel possam destruir o Hamas sem causar uma situação humanitária
catastrófica”, conjectura o antigo militar, que também acredita que Israel quer
o mesmo. No entanto, Telavive “não se pode inclinar a comprometer-se
demasiado porque isso pode levar a um falhanço nesse objectivo”.
No
terreno, o antigo diplomata norte-americano que serviu na marinha antevê que as
Forças de Defesa de Israel vão entrar em Rafah “um pouco depois do Ramadão”,
que termina a 9 de abril. Por sua vez, Benjamin Netanyahu já deu luz verde para
a operação militar naquela cidade do sul da Faixa de Gaza, para a qual fugiram
cerca de um milhão de palestinianos desde outubro de 2023. Contudo, o
primeiro-ministro nunca deu uma data concreta, assegurando apenas que começará
em “breve” e que durará “várias semanas”.
▲A situação actual em Rafah HAITHAM
IMAD/EPA
No
entender das autoridades israelitas,
Rafah — uma cidade localizada a cerca de doze
quilómetros da fronteira com o Egipto — é o “último bastião” do Hamas.
Telavive diz que apenas pode concretizar o objectivo de “eliminar” aquele grupo
islâmico se invadir aquela localidade.
Como
escreve Yonah Jeremiah Bob, jornalista especialista em assuntos militares no Jerusalem
Post, a serem bem-sucedidas, as Forças
de Defesa de Israel eliminariam “os batalhões que restam” do Hamas em Rafah,
uma “cidade em que está escondida a liderança [do grupo islâmico] e permanecem
reféns como escudos humanos”. Atacar
a localidade também vai privar o Hamas de se “rearmar” e de “conseguir
armamento fora de Gaza”.
Ainda
que Israel insista na importância de atacar Rafah,estes planos estão a
preocupar os países do Ocidente. Contrariamente
a outras fases do conflito, em que a população civil palestiniana tentou fugir
para outras partes da Faixa de Gaza, naquela cidade não há para onde escapar. O
Egipto mantém a fronteira encerrada e as regiões mais a norte estão
completamente destruídas — e em muitas zonas as Forças de Defesa de Israel
ainda estão a operar.
▲ A fronteira de Rafah com o
Egito STR/EPA
Segundo a Organização das Nações Unidas
(ONU), cerca de 1,5 milhões de civis estão a viver em Rafah. A ofensiva
israelita e as tácticas de guerrilha urbana utilizada pelo Hamas podem levar a
um autêntico massacre na cidade. Para evitar esse cenário, Telavive já anunciou que está a abrir corredores humanitários e já
pediu aos civis devem abandonar a região. Mas nada disto parece satisfazer o
Ocidente.
Na
conversa telefónica que Joe Biden e Benjamin Netanyahu mantiveram esta
segunda-feira, o Presidente norte-americano deixou bem clara a sua posição. “Uma
operação terrestre [em Rafah] seria um erro. Levaria à morte de civis, pioraria
a crise humanitária já existente, aumentaria a anarquia em Gaza e isolaria
ainda mais Israel internacionalmente”, frisou Jake Sullivan, conselheiro
do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca numa conferência de
imprensa depois do telefonema.
O
conselheiro de Segurança Nacional garantiu que os objectivos israelitas em
Rafah podiam ser “alcançados doutro modo”. Para tentar clarificar os contornos
de uma possível operação militar, uma delegação israelita aceitou deslocar-se a
Washington — e Benjamin Netanyahu comprometeu-se, segundo Jake Sullivan, a
não invadir a cidade até aquela equipa regressar a Israel.
Tal
como os Estados Unidos, a União Europeia tem expressado apreensão. Josep Borrell
sinalizou que uma acção militar em Rafah pioraria a “já
situação de catástrofe humanitária” em Gaza.
E há outro ponto em que Joe Biden e
Benjamin Netanyahu discordam: o futuro do conflito em Gaza. Particularmente
num ponto: a criação e o estabelecimento de um Estado palestiniano. O primeiro-ministro israelita avisa que “após o Hamas ter sido destruído, Israel deve manter o
controlo de segurança sob Gaza e garantir que Gaza não é mais uma ameaça contra
Israel, um requisito que contraria o pedido de soberania palestiniano”.
Para Joe Biden e para a esmagadora maioria da comunidade
internacional, a solução de dois Estados é a única viável. O
porta-voz do Conselho de Segurança Nacional norte-americano realçou, numa
conferência de imprensa em janeiro, que a criação de um Estado palestiniano que
possa conviver em paz com Israel é a “realidade que melhor serve os interesses”
da região. Admitindo que o governo israelita tem outra opinião, John
Kirby insiste: “Acreditamos
que os palestinianos têm todo o direito a viver num Estado independente com paz
e segurança”.
▲ Joe Biden
vê com bons olhos que a Autoridade Palestiniana (que governa a Cisjordânia)
assuma o controlo de Gaza GETTY
IMAGES
Por tudo isto, Benjamin Netanyahu
enfrenta um dilema: se levar a
cabo uma operação militar em Rafah — com todas as consequências humanitárias
que isso acarreta — e se insistir em não apoiar a criação de um Estado
palestiniano, arrisca-se a perder o apoio do seu maior aliado. Publicamente, o
primeiro-ministro israelita mostra-se seguro e assertivo na operação, pois é a
única que garante que o Hamas é “destruído”. Nos bastidores, com a pressão
de Joe Biden e com o risco de Israel ganhar o estatuto de pária, a situação
pode ser bem diferente.
CONFLITO
ISRAELO-PALESTINIANO MUNDO ISRAEL MÉDIO ORIENTE PALESTINA ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA JOE BIDEN BENJAMIN
NETANYAHU
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