sexta-feira, 8 de março de 2024

A condição humana

 

Mergulhada em utopia, sempre. Daí a desesperança e o desespero tantas vezes, com os porquês sobre as anomalias que grassam por esse mundo, e, no fundo, todos pobres que não escapamos ao ciclo e nos interrogamos em vão, gulosos do Bem, incapacitados de compreensão do Mal, aceitando, na desportiva, o “Façam o favor de ser felizes”, de Solnado, como alegre imposição não despicienda, talvez.

 

DA GULA E DA LÓGICA POÉTICA

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

 A BEM DA NAÇÃO, 07.03.24

Pedir ao poeta que cumpra rigorosamente as regras gramaticais e os ditames da lógica é o mesmo que exigir aos arquitectos e engenheiros que metam o Rossio na Betesga mas, na verdade, todos nós, os prosaicos, compreendemos essas liberdades poéticas.

Vai daí, a minha amiga Eli O (em sotaque britânico), querendo elogiar-me (o que senti e agradeci), disse, citando Manuel Gusmão, poeta meu desconhecido, que eu tenho «a esperança que não espera».  Gostei mas fiquei a pensar…

… e pensei que a esperança é o sentimento de quem acredita na concretização de algo subjectivamente positivo no futuro, ou seja, de algo que só o tempo trará.  E como o homem ainda não consegue manipular essa quarta dimensão, o tempo, não esperar pela esperança só pode resultar no seu contrário, o desespero. Mas, para além deste  ambiente cartesiano, há outras dimensões em que a expressão pode tropeçar.

 Assim, na perspectiva política, não dar tempo de amadurecimento à esperança significa precipitar os acontecimentos, ou seja, fazer a revolução. E o Estado revolucionário, o oposto ao Estado de Direito, cede sempre à vontade do «caudillo» da revolução, ao seu improviso ou capricho. Eis o fascismo na sua plenitude.

Num registo menos doutrinário, o da culinária, à «esperança que não espera» chama-se gula. 

Março de 2024

Henrique Salles da Fonseca

 

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