De implícita acusação apenas, sem originalidade
e apenas transbordando ódio e vileza, com apagamento do amor pátrio,
substituído por falso amor pelos desvalidos. Uma excelente análise de Luís Cabral de
Moncada, apoiado por alguns excelentes comentadores, que
tentam virar as agulhas da embarcação. Talvez o não consigam, contudo, a
democracia pesa sempre mais forte, e ainda bem.
A esquerda radical portuguesa e a linguagem
A esquerda radical portuguesa tem
vivido da manipulação da linguagem. Atribui às palavras com conotação política
e cultural o sentido semântico que lhe convém.
LUIZ CABRAL DE MONCADA
Professor universitário
OBSERVADOR, 20 mar. 2024, 00:1227
A esquerda radical portuguesa tem
toda a legitimidade para querer avançar no plano das ideias e até para
persuadir quem a quer ouvir. Uma vida democrática sã só tem a lucrar com
o diálogo e o enriquecimento mútuo. A convivência democrática vive da abertura
a todos que é como quem diz, do livre desenvolvimento das personalidades e
tendências. Mas não
tem legitimidade para fazer batota, marcando as cartas do jogo. A vida
democrática não pode ficar refém de uma dogmática imposta e vendida como se não
houvesse alternativas.
Até há pouco tempo, a esquerda radical,
tal como o Senado romano, reivindicou sempre uma autoridade resultante dos
exemplos do passado. No caso dela, o
passado foi a luta antifascista o que, por si só, é seguramente respeitável,
mas nada é na conjuntura actual.
Como a vida exemplar dos lutadores
antifascistas já não atrai ninguém, sobretudo os jovens imersos na concorrência
desenfreada que é a vida actual, sempre a segurar o emprego precário que lhes
coube e a tentar manter a cabeça à tona de água para não sufocarem, aquela
esquerda tem de lançar mão de outros expedientes.
Quais são eles?
A tentativa de hegemonia ideológica. Passou de uma pretensa legitimidade histórica para uma tentativa de
legitimação ideológica. Como já não há a velha «base social de apoio» e os
jovens têm mais em que pensar, recorre a todo o tipo de instrumentos, desde
pequenos e médios «intelectuais» promovidos, a quem atribui o papel de
«orgânicos» (mesmo que nem saibam quem foi Gramsci), a inacreditáveis
comentadores televisivos pagos para dizerem enormidades, a uma corja infindável
de jornalistas vendidos, a detentores de títulos universitários feitos à
pressa, etc… O pior de tudo é que
esta verdadeira feira da estupidez e da falta de cultura já assentou arraiais
num partido tão respeitável e indispensável como o PS e está a fazer carreira
dentro dele. Os novos «tribunos da plebe» arengam, sem perceber que numa
democracia cosmopolita, esclarecida, aberta e digital já ninguém os ouve. A sua
especialidade é inventar novos temas «impactantes», como dizem agora os
jornalistas num português atroz, a que logo atribuem uma importância desmedida
como se a vida quotidiana dos portugueses dependesse deles. Tudo vale no
mercado da manipulação. Agora que a esquerda radical ficou (mais uma vez)
reduzida a um modesto expoente, o que para aí virá?
A (velha) estratégia dos referidos novos tribunos é deturpar esse
instrumento de comunicação e de pensamento que é a linguagem.
A linguagem é a mediação entre a
realidade e o pensamento. Tanto absorve a realidade a posteriori através
das nossas experiências como a representa no entendimento através de
operações a priori. Não vou aqui analisar a questão de saber se é
logicamente correcta ou incorrecta ou se, simplesmente, nos serve. Há muito que
sei que a pragmática ou seja, o alcance dado à linguagem pelo seu uso num
contexto intersubjectivo é determinante para o seu alcance. Conheço bem o
Husserl da sua segunda fase e o Wittgenstein ainda melhor. Também sei bem o que
foi a linguist turn e o seu alcance epistemológico e até ontológico. Seja como for, a linguagem é o principal
meio para chegarmos à verdade nas questões práticas. Já escrevi acerca disto e
não vou explorar a questão.
Ora
a esquerda radical portuguesa, e é isto que interessa, é um caso curioso de
transfiguração dos significados linguísticos. Vive hoje disto e para isto. A
linguagem que usa é dela própria. É
tribal e, portanto, resulta do seu uso. É, aliás, disso que se tem alimentado a
sua hegemonia cultural, agora em crise, finalmente. Mas é ao mesmo tempo a sua
fraqueza; para a entender é necessário reduzirmo-nos à condição de membros da
tribo. Se nos recusarmos aos ritos tribais a hegemonia esquerdista cai como um
castelo de cartas.
A esquerda radical portuguesa tem
vivido da manipulação da linguagem. Atribui às palavras com conotação política
e cultural o sentido semântico que lhe convém, nem que para isso tenha de
distorcer o seu significado original e autêntico. Usa os termos a granel de
modo a poder organizar o seu limitado quadro mental e lograr impô-lo facilmente
aos outros. O objectivo é viver de certezas absolutas e reduzir os outros à
posição de espectadores passivos das suas verdades insofismáveis. É o caso
claro dos termos fascismo, igualdade, solidariedade, cultura, educação,
democracia, ética, etc… A propósito
destes termos querem convencer-nos das coisas mais estúpidas e incomensuráveis
como se todos fossemos néscios à espera do pentecostes. Valeria a pena fazer
um dia um glossário da linguagem esquerdista para evidenciar as suas
incapacidades e falsidades. Um glossário é, como toda a gente sabe, uma
explicação racional de termos utilizados na linguagem erudita ou comum de modo
a que o interlocutor saiba do que se fala e, mais precisamente, conheça o
significado das palavras ou dos termos que se utilizam. Está por
fazer aquele glossário; teria a vantagem de trazer à luz as alarvidades de que
nos querem convencer.
É fundamental levar em conta que aquela
esquerda não quer hoje apenas maiorias parlamentares. Se fosse apenas
isso, estava perfeitamente no seu direito. Mas a esquerda quer algo de muito diferente e muito mais perigoso. Quer
a verdade. A verdade absoluta, sem discussão, sem hesitações e sem crítica
possível. Para isso precisa de uma dogmática e, portanto, não hesita em
fornecer-nos quadros mentais viciados destinados a impedir o raciocínio e a
crítica e lograr assim a hegemonia cultural e ideológica de que se tem
alimentado durante décadas. Não hesita em tentar entrar dentro das nossas
cabeças e limitar a nossa autonomia mental. Vale tudo, desde truncar a história,
estropiar o pensamento político que lhe não interessa, reduzir alternativas,
deturpar significados culturais, eliminar a importância do que lhe não convém,
manipular a juventude e até a infância, etc…
A
esquerda radical tem um medo terrível de perder a influência cultural que ainda
vai tendo, se bem que em sectores cada vez mais diminutos. Tudo fará para o
evitar. Vale tudo. O limite é a imaginação? Penso que não. Os eleitores
portugueses têm dado boas mostras de perceber que o limite é a estupidez.
COMENTÁRIOS (de 27)
Mario Bastos: Não tenho nada contra os lutadores anti-fascistas,
acontece porém que em Portugal nunca houve fascismo e não sou só eu que o digo,
também o disse Mário Soares numa conferência que houve em tempos na Gulbenkian
e mais recentemente Madeleine Albright no seu livro "Fascismo, um
alerta".
Também é de todos sabido que os partidos comunistas portugueses que em Portugal
lutaram contra o "fascismo", o PCP era o mais organizado, mais não
queriam que instalar em Portugal uma variante do fascismo, o fascismo vermelho,
vulgo comunismo.
João Floriano: Excelente
artigo! Todos os líderes da extrema esquerda, sem excepção, nasceram após o 25
de Abril. Francisco Louçã o mentor do Bloco tinha 17 anos aquando da revolução
dos Cravos. Isto significa que os nossos políticos de extrema esquerda tomam
conhecimento dos termos como fascismo, em segunda mão, pelo que lhes é contado
e pelo que lêem. Nem quero pensar o que Camilo Mortágua deve ter contado às
gémeas que as intoxicou completamente e lhes deformou aquelas cabecinha
juvenis. e nem mesmo os estudos no estrangeiro conseguiram abrir as mentes
destas jovens. O mesmo se passa com Rui Tavares do LIVRE a quem os
tempos de cosmopolitismo em Bruxelas no PE conferiram uma espécie de verniz e
esperteza oportunista que agora se manifestou totalmente com a ideia
largamente aplaudida por parte da CS: os blocos partidários e como tornar um
bloco significativamente perdedor em vencedor. Ou seja uma nova versão da geringonça, aliviada do
antigo cheiro a bafio. O termo «hegemonia» assenta como uma luva à extrema
esquerda: no direito ao poder, na defesa do pensamento único, no apropriar da
superioridade moral e no conhecimento do que é melhor para as massas populares. Vimos agora após as eleições de 10 de março como
todos eles, sem excepção ( o PAN foi mais comedido pelos motivos que sabemos), todos,
todas, todes, se assemelhavam a rabos de lagartixa, que continuam a
contorcer-se mesmo depois de terem perdido a luta. Com o tempo o rabo
voltará a crescer à lagartixa. Para esta hegemonia nas várias vertentes
têm contribuído muitas horas de debates em primetime. Com a subida meteórica de
um determinado partido acompanhada da descida da extrema-esquerda, qual
alcatruz de nora, os intelectuais tão presentes na CS vão ter de encontrar
novos termos, novas ideia. Rui Tavares convenceu parte do eleitorado com
a sua esquerda verde, ainda que não saibamos o que é isso verdadeiramente: uma
esquerda aliada à ecologia, porque um partido ecológico fica sempre bem
na fotografia..... é muito moderno. Calculo que a cauda da lagartixa ainda vai
continuar a retorcer-se, iludida com uma ligação ao corpo que já não existe.
Para tal haverá uma reinvenção de linguagem. Mas não nos convençamos que esta
hegemonia se concentra apenas na extrema-esquerda. Extravasa porque é
altamente tentadora, dominadora, superior. E é devido a estas qualidades que
uma noite destas vimos e ouvimos um ex deputado do PSD, de duplo queixo, ar de
taberneiro a quem falta apenas o avental com nódoas de tinto da selha e palito
ao canto da boca, vociferar entre gafanhotos : «Tenham lá juizinho!» que afinal
de contas não é muito diferente do que a extrema esquerda diz a quem não
alinha na sua cartilha, mas com uma linguagem muito mais refinada. Maria Augusta Martins
> Coxinho: Essas ideologias (fascista,
socialista, comunista maoista, trotskista etc,) são todas filhas da mesma mãe.
O pai é que varia. e são mais que uma camioneta de recrutas muito bem e
primorosamente sintetizado pelo saudoso timoneiro (do barco sem leme) e já
defunto camarada Arnaldo de Matos que dizia; - Isto é tudo um p....tedo. Donde saíram muitos
governantes, comentadores, embaixadores e embaixatrizes como vossa senhoria
sabe Maria
João Vasconcelos: Excelente artigo. O PS e o bloco decidiram que eram os donos do país e das
pessoas . Acham-se os donos da inteligência e da cultura e não são capazes de
se verem como nós os vemos. Uns fanáticos ridículos e ignorantes. Otavio Luso > João
Floriano: O novo governo que não faça uma higienização na comunicação social, e
veremos os rabos das lagartixas a crescer desmesuradamente. Coxinho > Maria
Augusta Martins: Bom dia, MAM! Muito interessante o seu comentário, que me fez lembrar o
"saudoso" MRPP (MR Pum-Pum Mata Mata...) e a sua sanha impetuosa
contra os comunistas do PCP, a que chamavam, com toda a propriedade,
SOCIAIS-FASCISTAS. Na verdade, social-fascista parece-me que será, na sua
sintética simplicidade, a expressão mais adequada, mais justa e certeira para
caracterizar quase toda a esquerda actual, e não só em Portugal. Há muito perdeu o viço a velha
pretensão de serem eles, os esquerdistas, os guardiões e dispensadores da moral. Actualmente não passam de
um bando de candidatos ou aspirantes a uma governação "iluminada" que
não reconhece a mais ninguém o direito de pensar diferente. Na prática, são eles, os
esquerdistas, os dedicados intérpretes e servidores da ideologia globalista que
visa converter o homem num autómato que funciona e não reclama Antonio Sennfelt:
Excelente
ideia a de um glossário traduzindo para o vernáculo a novilíngua da Esquerda radical!
Reduziria a escombros o seu arsenal de vocabulário pseudo-intelectual! Marco Arraya: Excelente texto. No entanto, uma pequena observação: a esquerda não
pretende apregoar a verdade, ela quer é "disseminar" a sua verdade
como a única. O tempo e a realidade irão acabar por repor a esquerda radical no
seu lugar: o canto do protesto. Aí poderá eventualmente ter alguma
utilidade. João
Floriano > Otavio
Luso: Sem dúvida, Otavio! Mas não vai ter força nem coragem para tal. Uma direita
fofinha nunca consegue mudar. Mas temos de reconhecer que há algumas mudanças.
Já vemos o Pedro Pinto e o Bruno Nunes em debates. Ontem o Bruno Nunes teve uma
prestação excelente na CNN. À sexta feira o João Marques de Almeida vai
estar no Contrapoder. Mas não estou a ver uma diminuição de influência
por parte de comentadores ligados à esquerda tanto pró PS como pró extrema
esquerda . Maria
Augusta Martins: Os anti-fascistas têm que começar a lutar entre eles
próprios para se poderem entreter, numa espécie de guerra civil em que sempre
estiveram imersos. Luís
Moreira: Excelente artigo ! Sabemos que para a
"sinistra" o fundamental é a Narrativa construída, não interessando
se ela é objectivamente Falsa, pois o importante é conseguir que os
destinatários Acreditem !
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