E toca o mesmo. Porque no fundo a matéria
humana que rodeia o “arco da governação” usa as vilezas costumeiras, para
derrubar o outro, não para governar uma nação, coisa secundária neste contexto
eleitoral, para não falar no contexto governativo. Mas o certo é que Montenegro
também
parece pateta, nesta sua mistificação com o Chega, sem dar contas ao país sobre as suas reais intenções,
tendo, provavelmente, de virar o bico ao prego, se quiser governar. Somos uns
bons palhaços, neste narcisismo de caca.
Os problemas de Montenegro
Os compromissos eleitorais de
Montenegro na campanha foram, em algumas matérias, de tal maneira claros que se
podem tornar difíceis de gerir. Dada a configuração parlamentar, será difícil
cumpri-los.
JORGE FERNANDES Doutorado em Ciência Política pelo Instituto
Universitário Europeu, Florença, Investigador Ramón y Cajal no Conselho
Superior de Investigação Científica, Madrid
OBSERVADOR, 27 mar. 2024, 00:183
1O equilíbrio de poderes do novo governo é altamente
periclitante. Há vários factores que dificultarão a vida ao governo. Nunca na história democrática Portuguesa
tivemos uma diferença tão curta, em número de votos e mandatos, entre o
primeiro e o segundo classificados. A pequenina margem pela qual a AD
conseguiu ganhar as eleições tem, naturalmente, consequências políticas. O capital político de Luís Montenegro e o
seu estado de graça serão bem mais curtos do que, por exemplo, Passos Coelho em
2011 ou José Sócrates em 2005. Por ironia da história, nesta
matéria, Montenegro está bem mais perto de António Costa em 2015, o qual,
depois de fazer um acordo com os parceiros de esquerda, tinha de convencer os
cépticos, inclusive dentro do seu próprio partido, que a solução política
funcionava de forma articulada e clara.
Montenegro precisa de começar a ter vitórias políticas claras e
inequívocas de imediato. Esta necessidade decorre de dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, durante a campanha
eleitoral, o futuro Primeiro-Ministro fez um conjunto de promessas eleitorais
muito concretas sobre o que faria nos primeiros 60 dias no cargo. Em segundo
lugar, estas vitórias decorrem do ponto anterior. Para sacudir a pressão da
vitória curta e, ao mesmo tempo, começar a preparar o partido e o governo para
umas eleições antecipadas que, cedo ou tarde, chegarão.
2Como obter vitórias políticas neste
contexto? Os compromissos eleitorais
de Montenegro durante a campanha foram, em algumas matérias, de tal maneira
claros que se podem tornar difíceis de gerir. Se os compromissos tivessem sido mais
difusos, a situação seria mais fácil de gerir. Dada a configuração parlamentar,
Montenegro terá muitas dificuldades em cumprir algumas das suas promessas. A
clareza do líder do PSD tornar-se-á a arma da oposição.
Rapidamente, as oposições à sua esquerda e direita mostrarão que Montenegro não
está a cumprir as promessas. Obviamente que isto é um Catch-22. Montenegro
não pode cumprir as promessas porque a oposição não colabora e oposição não
colabora, precisamente, para impedir o chefe de governo de as cumprir.
3Depois das
eleições, começou a correr na comunicação social a ideia, presumo que lançada e
discutida dentro das elites do PSD, de que o governo poderia, de alguma
maneira, contornar as dificuldades parlamentares mudando, em alguma medida, o
centro de poder da Assembleia da República para o Conselho de Ministros. A
prazo, isto seria a morte política do governo por um motivo político e outro
jurídico. Sob o ponto de vista político, isto causaria a total alienação dos
parceiros da oposição. Fazendo uma
utilização intensiva dos poderes do governo, presumivelmente para distribuir
benefícios, esperando com isso colher em exclusivo o crédito, o governo mataria
qualquer boa vontade por parte da oposição quando fosse necessário o
assentimento parlamentar. Sob
o ponto de vista jurídico, a legislatura transformar-se-ia numa verdadeira
batalha jurídica, na qual o Tribunal Constitucional seria continuadamente
chamado a fiscalizar a constitucionalidade orgânica dos actos do governo. A
Constituição delimita quais os poderes exclusivos do parlamento, do executivo e
ainda alguns mistos. Num cenário
em que o governo fizesse uma utilização excessiva dos seus poderes, contornado
o parlamento, obviamente que o Tribunal Constitucional tornar-se-ia, utilizando
o título de um artigo de António Araújo e Pedro Magalhães, a arma dos fracos.
Para atingir o governo, a oposição litigaria constantemente sobre a
competência orgânica das medidas do governo. Imaginem um cenário em que o governo
toma uma medida popular e, mais tarde, o Tribunal Constitucional decide que tal
medida necessitaria da aprovação na Assembleia da República. A derrota política
de Montenegro seria imensa. Se o PSD está a pensar ir por este caminho, é
melhor pensar duas vezes. Tem todos os ingredientes para o desastre.
4Existe ainda outro problema que
Montenegro enfrentará nas negociações com Socialistas e Chega. Como em
todas as negociações desta natureza existe uma parte substantiva, relacionada com as preferências dos actores, e outra
parte estratégica. Isto faz
parte de todas as negociações. No entanto, nesta legislatura a
componente estratégica será levada a níveis nunca vistos. Em
primeiro lugar, em cada momento de negociação os partidos terão de
considerar a possibilidade de eleições
antecipadas. Em segundo lugar – e mais
importante – cada partido da
oposição pensará não apenas na sua relação com o governo mas na sua relação com
a restante oposição. Para simplificar um modelo de negociação com
múltiplos actores, quando Ventura negociar com PSD pensará não apenas
na relação com o PSD mas também na relação com o PS e como este pode tirar
proveito de determinada posição do Chega.
O mesmo é verdade para o PS. Quando Pedro Nuno Santos negociar com o PSD terá
em consideração (1) a
matéria substantiva; (2) a relação com o PSD; (3) a
relação do PS com o Chega; (4) a relação do PSD com o Chega. Esta última será especialmente
importante. Quando Chega e PS estiverem a negociar com o governo estarão, acima
de tudo, preocupados em conseguir colar o dito ao seu adversário. Ventura quererá
colar o governo ao PS para, assim, alimentar a narrativa populista do nós
contra eles e de que o PSD, no fundo, é igual ao PSD. Pedro Nuno Santos fará o mesmo. Ao negociar com o governo, tentará
seguir a estratégia de Costa, a qual postula que PSD, IL e Chega, no fundo, são
todos iguais, com pequenas nuances.
COMENTÁRIOS (de 3)
Paulo Silva: Por falar em compromissos
claros, o compromisso mais claro e urgente para qualquer eleitor à direita do
PS, após a golpada de 2015 e 8 anos de desgovernação socialista, seria o
compromisso da derrota do PS e do socialismo. E foi o que aconteceu, mas Montenegro
deixou-se enredar numa teia de demagogia e de chantagem das esquerdas, que o
colocou numa situação de grande fragilidade. Os analistas concordam que os
portugueses votaram na mudança, mas ainda andam aqui uns quantos a falar em
entendimentos com o PS, quando o interlocutor natural da AD deveria ser o
partido anti-PS que obteve o significativo peso de 18% do eleitorado… O
compromisso claro de derrotar o PS não conta?… Não foi tão claro assim?…
‘Ddaaaasssseee!
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