segunda-feira, 18 de março de 2024

A candura


Do “Cândido” daqui – que ao que parece somos todos os que votámos optimisticamente, crentes de que ultrapassaríamos o mundo mau, votando, não deixa de ser curiosa, mas remete sobretudo para o autor da crónica, que nisso acredita piamente, apesar da ligeireza dos resultados entre AD e PS, e da esperteza de quem, perversamente e não por candura optimística, permitiu outra AD no conjunto dos partidos votantes, que, para mais, foi colocada antes da AD real, bem explicitada esta, mais abaixo, na lista da votação, e que por distracção ou preguiça de leitura, faria muitos de nós parar na primeira, supondo ser a tal formada por dois partidos e mais a IL, única de que ouviram falar. Não, não foi por candura, que os criadores do partido e os do boletim forjaram tal patifaria, possibilitando a confusão de quem se fixaria nessa primeira AD, sem ir mais adiante na leitura do boletim de voto, que só mais abaixo explicitaria a AD real, como formada pelos partidos aí expostos.

Não, nunca poderíamos cultivar o nosso jardim, num país de brincalhões e de batoteiros, que se permitem tais perfídias, troçando impunemente - e sem nova votação, dado que a primeira foi de falcatrua. E o país aceita isso com malícia, já sem sequer horta para cultivar, restando-nos para sempre, é certo, os cravos da nossa garridice traiçoeira e cobarde. Puro pedantismo, sim, este paralelo com um “Cândido” bem alheio a tal realidade vergonhosa.

Um optimista no jardim

O que era grave, Cândido, era se não tivéssemos ouvido o alerta. Se partidos, governantes e instituições, simplesmente, o desprezassem, em vez de tentar compreender o descontentamento.

ALEXANDRE BORGES Escritor e argumentista

OBSERVADOR, 14 mar. 2024, 00:1826

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O que era grave, Cândido, era se ninguém tivesse ido votar. Se as pessoas se tivessem fartado de eleições de dois em dois anos e de governos incapazes de cumprir mandatos. Isso é que era grave. Se a abstenção continuasse a crescer, o descrédito das pessoas nas instituições a aumentar. Se, apesar de todas as queixas, os resultados tivessem sido mais ou menos os mesmos de sempre, tirando a pouca vontade aos poucos que ainda lá fossem de o voltar a fazer. O que era grave era se tudo fosse permitido aos mesmos partidos de sempre e os eleitores não os castigassem por isso. Se concluíssemos, agora com certeza absoluta, que bastava ir aumentando os pensionistas para ter na mão o segredo para a hegemonia eterna. O que era grave era se a sociedade já não fosse capaz de gerar novos partidos, ou que já não acreditasse em partidos. O que era grave era se já tivéssemos todos emigrado, física ou mentalmente, para longe daqui.

É preciso reconhecer, Cândido, que continuamos a viver no melhor dos mundos possíveis. Onde, após quase meio século de democracia, se bate o recorde do número de votantes, a abstenção desce para valores de há 30 anos, os vencidos aceitam, civilizadamente, a derrota, mesmo quando ela se deu por tão surpreendentemente pouco. O melhor dos mundos possíveis onde, finalmente, começa a acontecer a consolidação do voto antecipado e aceitação de um facto tão simples como que as pessoas se movem. O melhor dos mundos possíveis onde algo estaria errado se tudo continuasse igual a 1976, o Partido Comunista a controlar toda a contestação, as redes sociais a não terem importância alguma.

Não vês, Cândido, o delicioso sentido de humor com que a suprema harmonia continua a operar? Que o vencedor foi aquele que merecia vencer, o que fez a campanha mais sólida, mais sóbria, mais estruturada, a que soube posicionar-se ao centro e ser o centro da discussão, estancar o perigo de afastar os moderados e só depois tentar ir buscar os descontentes; fazer uma campanha pela positiva e não pela crítica, em crescendo, trazendo para ela todos os antigos líderes como há muito não se via, e manter o sorriso, mesmo quando os ameaçavam transformar no incrível Hulk? Mas que, ao longo de meses e meses de matemática, contas, sondagens, estudos, inquéritos, análises, debates, comentários e comentários aos comentários, ninguém tivesse contado com algo tão humano como o golpe de vista? Notado que, uma simples letra poderia deitar tudo a perder? Que o vencedor das eleições perdeu 90 mil votos, 1% dos ditos e  três deputados por “n” razões? Que, depois de todo o trabalho avisado de consultores e marqueteiros e num cenário de tão precária vantagem, tudo poderia ter ido por água abaixo por causa de um nome?

O que há num nome? Um nome que a prudência excessiva que outros actores ainda bem vivos não tiveram no final dos anos 90, por ocasião de outra ressurreição da marca, faria obrigar à inclusão de um partido que tinha representado 260 – duzentos e sessenta – votos nas eleições anteriores? E a companhia de um parceiro de coligação errado e errante, que, legitimamente se sente no direito a ser quem é porque, afinal, o convidaram para a festa, mas que representa 260 – não sei se leram bem ali acima: duzentos e sessenta – votos? E que com isto se ofereceu um flanco fácil à crítica, tornou quase impossível o entendimento com, pelo menos, mais um partido com assento parlamentar e que, pelas declarações que já fez depois das eleições, continua a ser, apenas e obviamente, um acidente à espera de acontecer?

O que era grave, Cândido, era se não tivéssemos ouvido o alerta. Se partidos, governantes e instituições, simplesmente, o desprezassem, em vez de tentar compreender o descontentamento, o fim da identificação entre tanto eleitorado e os partidos de poder tradicionais, se a Justiça não compreendesse o seu papel, e a Imprensa; se todos, enquanto sociedade, continuássemos a tratar como erro ou caricatura, depois de 10 de Março, o voto que reuniu tanta gente que tem, em tantos casos, tão pouco a ver uma como a outra. Ou tem dúvidas de que, entre os que votaram assim, se contam alguns dos que, um dia, também “fizeram Abril”?

A maçada da realidade é mais complexa do que parece. Mas ouvimos o alerta, não ouvimos? E vamos trabalhar para lhe responder? A democracia não está em perigo, Cândido. Ainda. Não quando 6,1 milhões de pessoas em 9,2 inscritas vão votar. Mas toma atenção ao número 48. E aos idos de Março. E, sobretudo, ao que vem por aí.

Agora, deixa-me ir tratar do jardim. Devemos cuidar do nosso jardim.

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COMENTÁRIOS (de 26)

João Angolano: Grave é termos partidos de extrema-esquerda antidemocráticos a acusarem os outros de não serem democráticos e partidos de esquerda corruptos armados em Donos disto tudo               Pobre Portugal: Fujam! Que vem aí a direita. Para estes tipos, Portugal só pode ser governado pelo PS e extrema- esquerda. Vai-lhes custar, mas vão sair do estado de negação em que estão.                 GateKeeper: "Candide" é um personagem fictício, escrito por Voltaire, um brilhante escriba mas cínico e oportunista "pseudo-révolutionnaire" que, consta, era conhecido por se amantizar em Versailles como se fosse um grossista. Pretenderia o cronista, fazendo comparações "estultas", provar que somos todos "parvoínhos" e cândidos em acreditarmos numa mudança RADICAL que implicará, necessariamente o óbvio óbito da decrépita III rep.. Capisci?!               João Floriano: Quem é o Cândido? Ou será que por Cândido devemos entender a generalização em forma de metáfora de quem não quis ver o que era tão evidente, tão óbvio? Se eu disser a alguém: «És mesmo cândido!!!!», posso muito bem estar a falar com um José, um António, um Celestino. portanto vou entender este Cândido que por aqui aparece como alguém ingénuo, bem intencionado mas irremediavelmente totó. E o Cândido fartou-se de ser avisado. Ainda me estou  a lembrar da coroa de glória deste cronista por sinal excelente - em que em modo «Cândido» se meteu pelo insulto (não quis ficar para trás e resolveu precaver-se) e escreveu uma pequena obra-prima chamada «Um fascista de pechisbeque». Será que a mandou emoldurar e a tem em frente da mesa de trabalho com os 300 comentários em anexo? E é verdade. podem ir verificar, são mesmo 300 porque eu acabo de acrescentar mais um,  simplesmente porque o número redondinho me agrada muito mais. Se alguma conclusão podemos tirar deste acto eleitoral é que foi impróprio para cardíacos e para os «Cândidos».              GateKeeper > Américo Silva: Pastilhas rennie. Embora kompensan, o tri-effect, seja melhor para a azia xuxú e o refluxo gástrico causado pelo mau perder.        Paulo Almeida: Este também deve ter um melão no esófago. É um poeta que precisa de atenção.    bento guerra: Esse Cêndido não é como o puro personagem de Voltaire, antes um comentador político das televisões. Eles papagaios, o povo estúpido.

 

 

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