Do
“Cândido” daqui – que ao que parece somos todos os que votámos optimisticamente,
crentes de que ultrapassaríamos o mundo mau, votando, não deixa de ser curiosa,
mas remete sobretudo para o autor da crónica, que nisso acredita piamente,
apesar da ligeireza dos resultados entre AD e PS, e da esperteza de quem, perversamente
e não por candura optimística, permitiu outra AD no conjunto dos partidos votantes, que, para
mais, foi colocada antes da AD real, bem explicitada esta, mais abaixo, na
lista da votação, e que por distracção ou preguiça de leitura, faria muitos de
nós parar na primeira, supondo ser a tal formada por dois partidos e mais a IL,
única de que ouviram falar. Não, não foi por candura, que os criadores do
partido e os do boletim forjaram tal patifaria, possibilitando a confusão de
quem se fixaria nessa primeira AD, sem ir mais adiante na leitura do boletim de
voto, que só mais abaixo explicitaria a AD real, como formada pelos partidos aí
expostos.
Não,
nunca poderíamos cultivar o nosso jardim, num país de brincalhões e de
batoteiros, que se permitem tais perfídias, troçando impunemente - e sem nova
votação, dado que a primeira foi de falcatrua. E o país aceita isso com malícia,
já sem sequer horta para cultivar, restando-nos para sempre, é certo, os cravos
da nossa garridice traiçoeira e cobarde. Puro pedantismo, sim, este paralelo
com um “Cândido” bem alheio a tal realidade vergonhosa.
Um optimista no jardim
O que era grave, Cândido, era se não
tivéssemos ouvido o alerta. Se partidos, governantes e instituições,
simplesmente, o desprezassem, em vez de tentar compreender o descontentamento.
ALEXANDRE BORGES Escritor
e argumentista
OBSERVADOR, 14
mar. 2024, 00:1826
O que era grave, Cândido, era se ninguém
tivesse ido votar. Se as pessoas se tivessem fartado de eleições de dois em
dois anos e de governos incapazes de cumprir mandatos. Isso é que era grave. Se
a abstenção continuasse a crescer, o descrédito das pessoas nas instituições a
aumentar. Se, apesar de todas as queixas, os resultados tivessem sido mais ou
menos os mesmos de sempre, tirando a pouca vontade aos poucos que ainda lá
fossem de o voltar a fazer. O que era grave era se tudo fosse permitido aos
mesmos partidos de sempre e os eleitores não os castigassem por isso. Se
concluíssemos, agora com certeza absoluta, que bastava ir aumentando os
pensionistas para ter na mão o segredo para a hegemonia eterna. O que era grave
era se a sociedade já não fosse capaz de gerar novos partidos, ou que já não
acreditasse em partidos. O que era grave era se já tivéssemos todos emigrado,
física ou mentalmente, para longe daqui.
É preciso reconhecer, Cândido, que
continuamos a viver no melhor dos mundos possíveis. Onde, após quase meio
século de democracia, se bate o recorde do número de votantes, a abstenção
desce para valores de há 30 anos, os vencidos aceitam, civilizadamente, a
derrota, mesmo quando ela se deu por tão surpreendentemente pouco. O melhor dos
mundos possíveis onde, finalmente, começa a acontecer a consolidação do voto
antecipado e aceitação de um facto tão
simples como que as pessoas se movem. O melhor dos mundos possíveis onde
algo estaria errado se tudo continuasse igual a 1976, o Partido Comunista a
controlar toda a contestação, as redes sociais a não terem importância alguma.
Não vês, Cândido, o delicioso sentido de
humor com que a suprema harmonia continua a operar? Que o vencedor foi aquele
que merecia vencer, o que fez a campanha mais sólida, mais sóbria, mais
estruturada, a que soube posicionar-se ao centro e ser o centro da discussão,
estancar o perigo de afastar os moderados e só depois tentar ir buscar os
descontentes; fazer uma campanha pela positiva e não pela crítica, em
crescendo, trazendo para ela todos os antigos líderes como há muito não se via,
e manter o sorriso, mesmo quando os ameaçavam transformar no incrível Hulk? Mas
que, ao longo de meses e meses de matemática, contas, sondagens, estudos,
inquéritos, análises, debates, comentários e comentários aos comentários,
ninguém tivesse contado com algo tão humano como o golpe de vista? Notado que,
uma simples letra poderia deitar tudo a perder? Que o vencedor das eleições
perdeu 90 mil votos, 1% dos ditos e três deputados por “n” razões?
Que, depois de todo o trabalho avisado de consultores e marqueteiros e num
cenário de tão precária vantagem, tudo poderia ter ido por água abaixo por
causa de um nome?
O que há num nome? Um nome que a
prudência excessiva que outros actores ainda bem vivos não tiveram no final dos
anos 90, por ocasião de outra ressurreição da marca, faria obrigar à inclusão
de um partido que tinha representado 260 – duzentos e sessenta – votos nas eleições
anteriores? E a companhia de um parceiro de coligação errado e errante, que,
legitimamente se sente no direito a ser quem é porque, afinal, o convidaram
para a festa, mas que representa 260 – não sei se leram bem ali acima: duzentos
e sessenta – votos? E que com isto se ofereceu um flanco fácil à crítica,
tornou quase impossível o entendimento com, pelo menos, mais um partido com
assento parlamentar e que, pelas declarações que já fez depois das eleições,
continua a ser, apenas e obviamente, um acidente à espera de acontecer?
O
que era grave, Cândido, era se não tivéssemos ouvido o alerta. Se partidos,
governantes e instituições, simplesmente, o desprezassem, em vez de tentar
compreender o descontentamento, o fim da identificação entre tanto eleitorado e
os partidos de poder tradicionais, se a Justiça não compreendesse o seu papel,
e a Imprensa; se todos, enquanto sociedade, continuássemos a tratar como erro
ou caricatura, depois de 10 de Março, o voto que reuniu tanta gente que tem, em
tantos casos, tão pouco a ver uma como a outra. Ou tem dúvidas de que, entre os
que votaram assim, se contam alguns dos que, um dia, também “fizeram Abril”?
A maçada da realidade é mais complexa do
que parece. Mas ouvimos o alerta, não ouvimos? E vamos trabalhar para lhe
responder? A democracia não está em perigo, Cândido. Ainda. Não quando 6,1
milhões de pessoas em 9,2 inscritas vão votar. Mas toma atenção ao número 48. E
aos idos de Março. E, sobretudo, ao que vem por aí.
Agora, deixa-me ir tratar do jardim.
Devemos cuidar do nosso jardim.
LEGISLATIVAS
2024 ELEIÇÕES
LEGISLATIVAS POLÍTICA
COMENTÁRIOS (de 26)
João Angolano: Grave é termos partidos de
extrema-esquerda antidemocráticos a acusarem os outros de não serem
democráticos e partidos de esquerda corruptos armados em Donos disto tudo Pobre Portugal: Fujam! Que vem aí a direita. Para estes tipos, Portugal só
pode ser governado pelo PS e extrema- esquerda. Vai-lhes custar, mas vão sair do estado de negação em que estão. GateKeeper: "Candide" é um personagem
fictício, escrito por Voltaire, um brilhante escriba mas cínico e oportunista
"pseudo-révolutionnaire" que, consta, era conhecido por se amantizar
em Versailles como se fosse um grossista. Pretenderia o cronista, fazendo
comparações "estultas", provar que somos todos "parvoínhos"
e cândidos em acreditarmos numa mudança RADICAL que implicará, necessariamente
o óbvio óbito da decrépita III rep.. Capisci?! João Floriano: Quem é o Cândido? Ou será que por Cândido devemos entender a generalização
em forma de metáfora de quem não quis ver o que era tão evidente, tão óbvio? Se
eu disser a alguém: «És mesmo cândido!!!!», posso muito bem estar a falar com
um José, um António, um Celestino. portanto vou entender este Cândido que por
aqui aparece como alguém ingénuo, bem intencionado mas irremediavelmente totó.
E o Cândido fartou-se de ser avisado. Ainda me estou a lembrar da coroa
de glória deste cronista por sinal excelente - em que em modo «Cândido» se
meteu pelo insulto (não quis ficar para trás e resolveu precaver-se) e escreveu
uma pequena obra-prima chamada «Um fascista de pechisbeque». Será que a mandou
emoldurar e a tem em frente da mesa de trabalho com os 300 comentários em anexo? E é verdade. podem ir verificar, são mesmo 300 porque eu acabo de
acrescentar mais um, simplesmente porque o número redondinho me agrada
muito mais. Se alguma conclusão podemos tirar deste acto eleitoral é que foi
impróprio para cardíacos e para os «Cândidos». GateKeeper > Américo Silva: Pastilhas rennie. Embora
kompensan, o tri-effect, seja melhor para a azia xuxú e o refluxo gástrico
causado pelo mau perder. Paulo Almeida: Este também deve ter um melão
no esófago. É um poeta que precisa de atenção. bento guerra: Esse Cêndido não é como o puro
personagem de Voltaire, antes um comentador político das televisões. Eles
papagaios, o povo estúpido.
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