De sempre e para sempre. Não
temos, pois, motivos, para nos sentirmos humilhados, ao fazermos, no nosso
presente mesquinho, parte da lenda – e mesmo da história - dos povos, o século de Costa bem em equivalência com
o de Péricles, passado, que
estudávamos na História Grega, embora esta sem os pormenores de escabrosidade
revelados por Rodrigo Adão da Fonseca, além dos da Pandora, que foram ponto de
partida para a compreensão do mundo nos seus achaques e nas suas glórias, que
não devemos nunca esquecer, a Esperança contando sempre para a sobrevivência das
raças, onde também nos incluímos, para prestígio nosso.
O mito de Pandora
Não haverá futuro numa sociedade
dividida, motivada no rancor e na desesperança. Gente fraca e sem qualificação
não fará forte a nossa gente.
RODRIGO ADÃO DA FONSECA, Colunista
OBSERVADOR, 19
mar. 2024, 00:142
As democracias assentam na soberania
popular, mas é na qualidade das suas lideranças – políticas, económicas,
culturais – que reside o sucesso das sociedades abertas. Quando as
elites são fracas, dificilmente as instituições que sustentam o bom
funcionamento da sociedade serão sólidas para suportar as tentativas de captura
dos diversos poderes, públicos e privados, por parte dos seus elementos mais
violentos ou corruptos. De nada
adianta assinalar a separação de poderes, o império da lei, a independência da
justiça ou consagrar direitos fundamentais, se do ponto de vista substantivo a
comunidade tiver maus níveis de governação. Como cantaria o nosso mais
genial poeta, “um fraco rei faz fraca a
forte gente”.
Portugal acordou no dia 11 de Março de 2024 com resultados eleitorais
que dificultam de sobremaneira a governação do Estado. Ao
contrário daquilo que é a narrativa corrente, não são os 48 deputados ou os 18%
de votos obtidos pelo Chega que bloqueiam a governação, mas o
acantonamento partidário que tornou a política em Portugal numa luta fratricida
entre esquerda e direita, esvaziando o centro moderado e as possibilidades de
consenso que sempre existiram, até 2015. Quando
partidos como PSD ou PS definem linhas vermelhas entre si, impedindo as
possibilidades de cooperação, forçando maiorias com o suporte das franjas mais
radicais do eleitorado, abrem-se cisões na comunidade que facilmente
são capitalizadas por quem quer amplificar o descontentamento.
Depois de cinco anos de governação à
vista, onde o governo da Geringonça aproveitou a brisa de um período estável
para não reformar o país, as tormentas de um período mais difícil e exigente
vieram pôr a nu as fragilidades estruturais de um Portugal sem liderança.
A situação política vivida em Portugal recorda-me
a queda de Péricles e, pelas suas similitudes, a ascensão ao poder
de Cléon. Depois de uma governação
próspera e que para muitos marcou a Antiguidade Clássica, Péricles entrou em
desgraça, em grande medida por ter caído no erro de ambicionar criar um Império
(usando o tesouro e a influência da Liga de Delos, quando a sede desta se
transferiu para Atenas), dando início à Guerra do Peloponeso contra Esparta e
seus aliados. Ora, durante a guerra, uma peste devastadora atingiu Atenas, exacerbada pela estratégia de Péricles de abrigar toda a população
rural dentro das muralhas da cidade. A peste matou um terço da população,
incluindo o próprio Péricles, e enfraqueceu significativamente Atenas.
A Péricles sucedeu Cléon,
personagem perpetuada pelas obras de Tucídides e pelas comédias de Aristófanes,
e que marcou a Antiguidade Clássica com a sua suposta habilidade em persuadir
as massas atenienses usando de uma retórica inflamada, ataque às elites, apelos
emocionais e promessas populistas que ficaram famosas pela sua malvadez e por
desconsiderarem as consequências a longo prazo das suas políticas para a
cidade-estado ateniense. Tucídides
descreveu Cléon como “o mais violento entre os cidadãos atenienses”. Já nas comédias sobreviventes de
Aristófanes, Cléon é sempre apresentado em estado de raiva; quando fala, a sua
voz ressoa como a de um porco escaldado. Se
Tucídides e Aristófanes podem ser acusados de elitismo e inimizade, quase um
século depois, o insuspeito Aristóteles
recordou Cléon como “o homem que, com os seus ataques, corrompeu os atenienses
mais do que qualquer outro”.
Passados vários séculos, a história da
humanidade assiste, de-tempos a tempos, à ascensão de políticos com apoio
popular obtido fruto de performances histriónicas. O
populismo num tempo digital tem, além disso, aliados tecnológicos únicos, como redes sociais que brutalizam os eleitores,
promovem o culto da personalidade, acantonam as pessoas em bolhas egocêntricas,
amplificam os problemas e as dificuldades retirando-os do contexto até
bloquearem os cidadãos de uma forma quase catatónica. Algo que torna o exercício da política
muito mais exigente para quem não prescinde do compromisso com a verdade e com
o pluralismo. E não tem perfil para fazer danças de Tik Tok ou guinchar em
público para se tornar próximo das massas.
É um facto que mais de um milhão de
portugueses, como Pandora, fartos daquilo que lhes oferece o quotidiano,
decidiram abrir a jarra do incerto e saltar no abismo para ver o que ela
escondia. O que se
segue, ainda está por desvendar. Logo veremos se as lideranças dos partidos que sobram preferem
recuperar o eixo da moderação e da responsabilidade, à semelhança do ponderado
Prometeu, ou se optam por seguir os passos do marido de Pandora, o irrefletido
Epimeteu. Se Pandora com a
sua curiosidade irresponsável libertou todos os males do mundo, também sabemos
que no fundo da jarra repousava a esperança que, desde então, passou a ser a última coisa a morrer.
Os problemas que Portugal enfrenta são complexos, não sendo
passíveis de resolução com receitas simples. A sua mera enunciação não tem um
caráter redentor, sendo necessário, para que voltemos a ter uma rota de
crescimento, gente com capacidade, ideias claras, e um amplo sentido de cooperação. Não haverá futuro numa sociedade
dividida, motivada no rancor e na desesperança. Gente fraca e sem qualificação não fará
forte a nossa gente. Pelo que se os partidos e as lideranças políticas em
Portugal forem incapazes de cooperar e pôr de lado as pequenas diferenças,
deixando de jogar o jogo político apenas a pensar na conquista do Poder,
dificilmente seremos capazes de inverter a rota descendente da nossa democracia.
NOVO GOVERNO POLÍTICA LEGISLATIVAS 2024 ELEIÇÕES LEGISLATIVAS
COMENTÁRIOS:
bento guerra: Teria sido
preferível falar claro, em vez de ir à novela clássica. Os portugueses disseram
que o PS tem de ir à vida, que o Montenegro não convence, que o Tavares é um aldrabão
fofinho, que o Rocha e a Mortágua gostariam de ser governantes e que o Chega é
uma via de esperança para mudanças de rumo.
Rosa Silvestre: A Geringonça fez o que tinha que fazer para
fortalecer a construção do "seu" Portugal socialista. Fez muitas leis
e implementou-as e desfez outras. As reformas só são desejadas por quem
pretende um país onde se seja menos dependente do Estado, em que a iniciativa
privada seja valorizada, em que metade da população não esteja em risco de
pobreza. Não se pode esperar que seja a esquerda a fazê-las. Há duas coisas que não percebi na comparação que fez:
qual é o período de governação próspera e quem é o porco? 🤔
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