domingo, 2 de junho de 2024

O jogo da jiga-joga


Na subordinação da política externa à política interna de cada país, segundo as demonstrações claras e certeiras de JAIME NOGUEIRA PINTO. E enquanto uns lutam a sério, na defesa do seu terreno e do nosso, outros dialogam, em entrevistas, mais ou menos atropeladas, a buscar, naturalmente, o seu próximo aconchego europeu, como JAIME NOGUEIRA PINTO vai desbravando e descodificando, magistralmente, como de costume…

O que está em jogo

O sentido de voto de 9 de Junho deve ter em conta os custos ocultos e manifestos de um federalismo europeu cada vez mais ideológico e invasivo.

JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista do Observador

OBSERVADOR, 01 jun. 2024, 00:1879

O que é que está em jogo nas eleições europeias? A tradição das áreas dependentes é subordinar a política externa à política interna, sem medir, regra geral, as consequências. Assim, para atacar o partido rival, no caso o Rassemblement National de Marine Le Pen e Jordan Bardella, Macron teve a peregrina ideia de equacionar uma ida de tropas francesas para a Ucrânia. Uma Terceira Guerra Mundial? Que importa? A jogada estava feita.

Agora, para assegurar a sobrevivência e a hegemonia e à falta de propostas que motivem o eleitorado, a Esquerda e o Centrão resolveram incendiar os ânimos contra aquilo a que chamamuma vitória da Extrema-Direita” a 9 de Junho. Talvez haja apenas uma subida mais ou menos significativa dos Conservadores e Reformistas Europeus e do Identidade e Democracia, mas o importante é esbater diferenças, arranjar em bloco um papão e subir as expectativas para depois poder cantar vitória relativa.

Ao contrário de outros grupos ou identidades partidárias, como os socialistas ou mesmo como o PPE, o papão, a direita nacional, conservadora ou popular, tem uma identidade histórica e cultural que respeita e privilegia, e que a obriga a conviver na diferença ou nas diferenças nacionais, ainda que tenha causas comuns.

Valores e contra-valores

A primeira das causas comuns às direitas, e a estas direitas, é a defesa da independência, da soberania e da identidade nacional; a defesa da comunidade concreta contra o globalismo, o federalismo e o multiculturalismo, espaços aparentemente livres e generosos, mas especialmente permeáveis à lei do mais forte, à atomização indiferenciada e ao livre arbítrio de certas mãos invisíveis. E como causa e consequência dessa defesa, estas direitas privilegiam o voto popular e as escolhas dos seus povos em relação ao poder não eleito da Comissão Europeia e de outras instituições da UE. Ora isto não devia ser automaticamente etiquetado de populismo. Mas é.

Um ponto decisivo dessa independência é o direito ao controlo da imigração e o combate ao laxismo migratório que leva à guetização e instrumentalização de imigrantes não integrados, comprometendo a identidade a longo prazo e a segurança a curto prazo e das comunidades de acolhimento – e das comunidades imigradas. Analisar e julgar a questão da segurança não só em termos de imigração descontrolada, mas também em termos de imigração descontrolada, não devia ser apressadamente rotulado como xenofobia, racismo e discriminação. Mas é.

Do mesmo modo, querer analisar e avaliar racional e objectivamente as metas definidas de cima com vista a um “Planeta Verde”, levando em conta o seu custo, nomeadamente para os agricultores europeus, não devia ser logo considerado negacionismo. Mas é.

Finalmente, opor-se ao que a Comissão tem vindo a apresentar como decorrente de “novos valores europeus”a estéril contrição em relação a um passado superficialmente julgado e condenado a partir do presente; a beatificação de algumas vítimas e a institucionalização da vitimização; a detecção de micro-ofensas e a vigilância do “racismo induzido” e do “preconceito inconsciente” que move micro e macro ofensores; a identificação diária de novas “fobias” ditadas por grupos de pressão; o combate ao “determinismo biológico” não devia ser considerado levianamente tradicionalismo bacoco e obstrução ao “progresso”. Mas é.

E a defesa da independência nacional e das comunidades concretas, a atenção aos perigos do globalismo e ao voto popular, a regulação da imigração, a valorização racional da tradição e do passado, a moderação local dos exageros verdes europeus e a resistência aos delírios transhumanos e hedonistas da utopia arco-íris deviam ser preocupações de todos. Mas não são. São coisas de que, por serem defendidas pela da diabolizada “extrema direita”, o Centrão foge a sete pés, não vá ser considerado populista, xenófobo, racista, homofóbico, transfóbico e anti-progressista.

Admirável novo mundo?

A ordem internacional liberal derivou da preocupação euroamericana de impor os seus valores político-ideológicos ao mundo. Era um programa que podia fazer sentido no imediato pós-Guerra Fria, mas que entrou em crise entre o macro-terrorismo jihadista e a crise financeira de 2007-2008. Vinha, no seu triunfalismo, de uma leitura ideológica errada da vitória na Guerra Fria como uma vitória da democracia liberal anglo-saxónica, a partir daí extensível a todo o globo. Este equívoco foi coberto por uma série de teorias e obras de peso que contribuíram para essa leitura dos acontecimentos. Contribuíram e contribuem.

Na verdade, a vitória do Eixo Washington-Londres-Nato, só foi possível por um cerco à União Soviética em que também entraram Estados autoritários, como o bloco das monarquias absolutas do Médio Oriente, e totalitários, como a China de Pequim. Que não eram, não são, nem querem ser democracias liberais.

Este colapso da ordem liberal internacional atingiu todos, os liberais e os iliberais. E se se continuar a insistir na luta entre as democracias liberais, as democracias iliberais e as autocracias, pode criar-se uma contraposição do tipo “the West against the Rest”, muito pouco saudável para o Ocidente.

Sobretudo quando “o Oeste”, o Ocidente, em vez de se institucionalizar e estruturar em torno da realidade (seja ela histórica, matemática ou biológica) e de valores de orientação permanente (como a pátria e as pátrias, as famílias, uma ética de inspiração cristã, a liberdade), opta pelos postulados de um “progressismo” ideológico acéfalo, assente numa amálgama de quimeras manipuladas por novas esquerdas supostamente inclusivas mas que, definitivamente, procuram, não a inclusão de quem quer que seja, mas a disrupção.

É também isto que está em causa na eleição europeia, independentemente dos aspectos mais ou menos convincentes, mais ou menos maduros ou imaturos dos candidatos.

É preciso haver quem resista à vaga que, sintomaticamente, a extrema-esquerda insiste em dizer que não sabe o que é ou sequer se existe, mas que já cá chegou (e, como sempre, sob a forma de inquestionado inquestionável e inconsequente “progresso”)… Vejam-se as declarações da Ministra da Juventude e Modernização no passado dia 17 de Maio, Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia, para um papel mais relevante da diversidade de género no ensino e para a agilização do circuito médico de mudança de sexo; ou o compromisso assinado nesse mesmo dia pelo governo da Aliança Democrática, juntamente com 17 outros Estados da União, no sentido de “implementar estratégias nacionais LGBTQIA+ e apoiar a nomeação de um comissário para a Igualdade.” Sem dúvida, uma prioridade nacional – e europeia.

Assim, o sentido de voto de 9 de Junho deve ter em conta os custos ocultos e manifestos de um federalismo europeu cada vez mais ideológico e invasivo, com agendas de protecção a grupos especiais, reais ou imaginários, e a redução à condição patológica (fóbica) ou deplorável de uma maioria de opositores. A nação independente e soberana continua a ser a comunidade ideal para proteger direitos, liberdades e garantias, colectivos ou individuais. E é importante que a União Europeia não continue a cair na tentação de querer ser mais do que uma comunidade de Nações. O que já não é pouco.

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COMENTÁRIOS (DE 79)

Isabel Almeida: superlativos, os textos de Jaime Nogueira Pinto são dos melhores do Observador. Muito obrigada por tudo o que aprendo em cada artigo.              JORGE PINTO: Excepcional!  Deveria ser traduzido e enviado para todas as chancelarias da UE. Outro problema é que o Ocidente wokezado não pode exportar Liberdade, Democracia e os célebres Valores Ocidentais. O Ocidente está a tornar-se portador, não desses Valores, mas de “cancelamentos”, auto-punições históricas diversas, destruição da família, desvalorização do Cristianismo, castração do empreendedorismo e perseguição dos negócios - sob o manto de hipócrata pretensa superioridade moral, que mais não é do que um meio para a esquerdofilia dominante sentir-se muito bondosa. Além disso, num plano mais terra-a-terra, as recentes novas regras bancárias tornam praticamente impossível a uma empresa PME de um país membro da UE iniciar actividade noutro estado membro. Está a começar o fim do mercado único, a UE está economicamente em “modo eutanásia”, mas o que importa são os quartos-de-banho para géneros imaginários presentes e a inventar. António Costa e SilvaMiguel Trindade: Como Jaime Nogueira Pinto disse, "André Ventura tem os defeitos e as qualidades necessárias para fazer política hoje".             João Floriano > Novo Assinante: Nem wokismo, nem fascismo. Ninguém está a falar de pena de morte, isso é invenção sua. A castração química de pedófilos é aplicada em muitos países de primeiro mundo e quem a considera um acto hediondo é porque defende mais os criminosos do que as vítimas. As penas aplicadas são por vezes verdadeiras anedotas e um convite á continuação do crime. A liberdade de expressão tem estado sob ataque com a preponderância da extrema-esquerda e os lobbies lgbti+ infiltrados em todos os meios de comunicação. Quer comentar a fake news da criança nepalesa que foi linchada? E este é apenas um exemplo do envenenamento diário levado a cabo pelos meios de comunicação a soldo.              Madalena Magalhães Colaço: Este artigo é o espelho da actual União Europeia moldada por Ursula e Macron. Esta dupla foi incansável ao implementar "um federalismo europeu cada vez mais ideológico e introsivo" retirando a cada estado nação a pouca soberania que ainda lhe resta. Estão quase a atingir o objectivo, mas os nossos concorrentes a deputados, pelo que se ouviu nos debates, pouco se interessaram pelo tema, e tentam nos convencer que chegam ao parlamento europeu e podem pôr e dispor. Paradoxalmente a esquerda ataca Ursula acusando-a de se ligar a Melloni, como se esta fosse uma leprosa, parecendo ignorar que foi esta mesma Ursula que defendeu a agenda da esquerda  aqui bem explanada da utopia arco-íris. Melloni percebeu que a estratégia de Orban, de se opor directamente à dupla, não funcionou. Ursula, com o poder de decidir se dá ou não o dinheiro, como se fosse dela, entrou num braço de ferro com Orban, em que ou ele deixava que a utopia arco-íris entrasse nas escolas ou não recebia o dinheiro, e Orban não recebeu os fundos que a Hungria deveria ter recebido. Melloni em lugar de enfrentar a dupla, decidiu falar com a dupla, obtendo assim os fundos que precisava para estancar, nos próprios países de origem, a imigração descontrolada. Melloni é pois um alvo a abater. Felizmente que são muitos os europeus a tomarem consciência do retrato que aqui tão bem o JNP descreve, e vão votar contra esta deriva da União Europeia. A esquerda está aterrorizada e julga que insultando-os de xenófobos, racistas e por aí adiante os conseguem demover, mas tanto banalizaram estes rótulos que já ninguém liga.                 João Floriano: Parece que está TUDO em jogo. Excelente crónica com um análise excelente do que é a Europa de hoje. Apenas coloco reservas sobre «The West Against the Rest». A guerra da Ucrânia e a guerra entre o Hamas e Israel não resultam de agressões vindas do Ocidente, se bem que a extrema esquerda queira colocar as culpas na Europa , nos Estados Unidos e na NATO. No caso ucraniano é a Rússia o país agressor e no caso de Israel é o ataque de um grupo de terroristas patrocinado pelo Irão. Olhando para a hostilidade de países como o Brasil, desejoso de assumir um papel de destaque , não sei como poderá o Ocidente fugir ao papel que é forçado a representar e onde é visto como o vilão da História. E o mais grave não é ser hostilizado por países como Rússia ou Irão. O mais grave é o ódio que partidos europeus de extrema esquerda têm à democracia e ao Ocidente, estando constantemente em campanha contra a UE, contra a NATO e contra os Estados Unidos, mas simultaneamente tremendo de medo que a eleição de Trump deixe a Europa à mercê de avanços russos, porque não se imagina que a Rússia fique contente se apanhar a Ucrânia. Vai continuar a avançar para Ocidente e a exigir cada vez mais. Não compreendo o interesse de partidos como Bloco e PCP concorrerem ao PE, já que tanto detestam a instituição.               Carlos Costa: Excelente artigo, como aliás, vem brindando os leitores deste jornal. Não é fácil encontrar uma pessoa com a sua preferência política, escrever ou falar com uma isenção que mete respeito. Este senhor não mistura o seu povo em nome da sua facção partidária. Meu senhor, V. Exa. é um hino à democracia em Portugal,, um exemplo de como uma pessoa influente na sociedade portuguesa deve ser é estar com o seu povo, ao contrário de muitos que por nesse país proliferam.  Obrigado por isso. 👍             Tim do A > Miguel Trindade: O CDS pertence à AD completamente Woke e socialista.               bento guerra: Demasiado tarde para os países que pedincham a Bruxelas e são muitos      João Ramos: Como sempre JNP nos traz a clarificação sobre as tentativas de encobrimento da realidade e dos perigos que a nossa civilização está a correr, quanto ao que se passa com a suposta direita que supostamente nos governa, é bom não esquecer duas coisas, Montenegro é maçon o que obriga a certas “obediências” e a outra é que o PSD é a casa dos complexados de esquerda, daí as disfarçadas cedências aos wokismos que a única coisa que querem é enfraquecer o Ocidente…

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