Tão raros já, os que, como JNP defendem esses
princípios – clássicos - que as leviandades dos génios construtores de outros
modelos artificiosos puseram em causa, seguidos ontem pelo bando dos
intelectuais pedantes, que os interpretaram e impuseram, por vaidade oca, hoje
pelos pedantes apenas, que se pretendem originais, numa devoção à causa
marginal, orquestrada pelo sentimentalismo pseudodemocrático, desligado dos
valores do saber e apoiado nos valores do ruído alheio, ignorante e torvo … Que
JAIME NOGUEIRA PINTO e seus possíveis discípulos, nunca se abstenham de assim
malhar, com a sabedoria e a convicção que poderão impor-se, mais cedo ou mais
tarde… Tenhamos fé, para bem das gerações que seguem…
1984-2024: O futuro, 40 anos depois
Quarenta anos depois do futuro
imaginado por Orwell, confrontamo-nos diariamente com novos reflexos da sua
profecia distópica.
JAIME NOGUEIRA PINTO Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 22
jun. 2024, 00:1821
Foi há 75 anos, em 1949, que George
Orwell publicou a sua famosa distopia, Nineteen-Eighty Four. Seria o seu último
livro. No ano seguinte morria de tuberculose, aos 47 anos.
Os
traços rápidos da sua vida mostram alguém obcecado com a coerência entre pensar
e existir e olhando a vida como tempo e espaço de aventura e serviço.
George Orwell nasceu Eric Arthur Blair em Motihari, Bengala,
Império Britânico das Índias. O pai, Richard Blair, era um funcionário,
um “Opium Agent”, do Indian Civil Service. Britânico até à minúcia taxinómica,
Orwell dizia-se de “lower-upper-middle-class”, com remota ascendência
aristocrática.
Como outros filhos do Império, Eric
Blair vem para Inglaterra estudar. No colégio, ganha uma bolsa para o upper–upper
Eaton College, mas não se demora por lá: segue os passos paternos e faz a admissão à Indian Imperial Police. E vai
para a Birmânia, onde fica cinco anos.
Burmese Days contam esse tempo; como Down and Out in Paris and London é
a memória das suas andanças, depois da volta à Europa, entre as margens da
Mancha, partilhando a vida dos pobres
entre os pobres. A saúde,
comprometida nos dias da Birmânia, obriga-o, depois de uma pneumonia, a
recuperar na casa de família em Southwold, Suffolk. Trabalha como livreiro em Londres,
casa-se com Eileen O’Shaughnessy e vai viver com a mulher para Wallington,
Hertfordshire.
E em 1937, como milhares de europeus, vai para Espanha, lutar contra
Franco. Houve também quem
fosse lutar por Franco. Até ingleses,
como o galês Frank Thomas ou como Peter Kemp, licenciado em Estudos Clássicos
por Cambridge e bombardeado pelos camaradas franquistas com perguntas sobre a Maçonaria,
por ser protestante. E, claro, os 700 “Camisas Azuis” irlandeses de Eoin
O’Duffy.
Orwell era um socialista sem partido, mas
na Catalunha vai alinhar com o Partido Obrero de Unificación Marxista, que os
estalinistas acusarão de trotskista. No Verão de 1937, assiste em Barcelona à guerra feroz entre os
agentes da soviética NKVD e os dirigentes e militantes do Partido Obrero. O
governo da República, chefiado por Juan Negrín, está com os soviéticos. Andreu
Nin, o líder do Partido Obrero, é morto pelos estalinistas.
Orwell volta a Inglaterra e escreve a
sua Homage to Catalonia. Durante a guerra, trabalha na BBC, na
propaganda aliada. Depois, escreve duas contra-utopias – Animal Farm, em 1945, e Nineteen eighty-four,
em 1949.
Utopias e distopias
O que terá levado George
Orwell, em 1949, a projectar o seu futuro distópico no ano de 1984? A irónica alusão a uma possível conclusão,
100 anos depois, da via lenta, gradual e institucional para o socialismo da
Sociedade Fabiana (fundada em Londres em 1884)? A tomada de poder em 1984 do movimento
político que instala uma tirania oligárquica assente no terror na distopia de
Jack London The Iron Heel (1908)? O primeiro romance de Chesterton, The Napoleon of Notting Hill, escrito
em 1904 e passado em 1984? Orwell admirava
Chesterton e publicou a sua primeira crónica no semanário do escritor G.K.’s
Weekly. Fosse como fosse, 1984 iria ficar como o ano de todos os futuros
distópicos.
Na história política e literária do Ocidente há uma riquíssima tradição
utópica: da República platónica à Cidade do Sol de Campanella, da Utopia propriamente
dita, a de Thomas More, às sociedades perfeitas imaginadas pelos iluminados do
século XVIII entre persas, chineses e ameríndios. A ideia de imaginar e
apresentar uma comunidade perfeita – geralmente como alternativa crítica aos
sistemas reinantes – não parou no Ocidente, dos gregos aos cristãos primitivos
e a Emanuel Kant.
A Revolução Francesa e o Terror, na
medida em que representaram ensaios de sociedades novas e a caminho da
perfeição – e os seus custos – refrearam ligeiramente os entusiasmos. Mas
no século XIX, com as máquinas, a indústria, os capitalistas e a classe
operária, nasceram outras utopias – as dos socialistas utópicos, como
Proudhon e Bakunin, e as dos socialistas científicos, como Marx e Engels. E houve até capitalistas empreendedores,
como Robert Owen, que quiseram edificar comunidades perfeitas. New Harmony, fundada em 1825 no estado de
Indiana, foi das primeiras.
Enquanto autores populares, como Júlio
Verne,
cantavam as maravilhas do tempo e do futuro, mais perto do fim do século, em
1891, Jerome K. Jerome, num pequeno conto distópico, The New Utopia, adormecia
depois de um faisão recheado com trufas, Château Lafitte 49, charutos e
divagações sobre a nacionalização do capital e risonhos futuros igualitários
entre consócios do National Socialist Club… – para, em sonhos, acordar no
século XXIX entre os cinzentos terrores realistas de um mundo igualitário. Em 1895,
H. G. Wells insistia na nota de dissidência escrevendo a distopia científica A Máquina
do Tempo.
Entretanto,
na vida real e já no século XX, Lenine, um discípulo russo de Marx, tomava o poder na Rússia em 1917 de forma muito
pouco científica e muito pouco marxista – já que, na teoria marxista, a Rússia
feudal do czarismo estaria muito longe de reunir as “condições objectivas” para
instaurar o socialismo. Talvez por isso Lenine, Trotsky e os bolcheviques o
tivessem instaurado à força, saltando várias etapas do “processo histórico”. Depois, destruídas as instituições
religiosas e a propriedade privada que sempre equilibram o poder político,
Estaline poria em acção a máquina do terror. Mas antes disso e ainda perante a
Rússia da revolução e os primórdios do novo Estado comunista, Evgueni
Zamiatine, um engenheiro bolchevique, escrevia em 1920 o romance distópico Nós. Ainda conseguiu emigrar incólume em
1931, para morrer em França, em 1937.
A distopia de Aldous Huxley de 1932 – Brave New World – seria mais crítica da mentalidade
moderna, radicalmente individualista e sibarita, e de uma sociedade ao serviço
de uma ideologia materialista e hedonista, usando a manipulação genética.
Era o tempo das “tábuas rasas”, dos “homens novos” e dos
totalitarismos. O fascismo
vencera em Itália, graças ao nacionalismo e também ao medo do comunismo. O
internacionalismo comunista e o genocídio de classe que, em cumprimento da
teoria, os bolcheviques tinham aplicado na Rússia, desencadeavam, para os
conter, soluções radicais – autoritárias, ditatoriais ou totalitárias, como o
hitlerismo. O centro político e o liberalismo só resistiam no
Reino Unido, em França, nos Estados Unidos e em alguns pequenos Estados
europeus.
Vencidos os totalitarismos “de
direita”, foi em clima totalitário “de esquerda” que Orwell escreveu Animal Farm, um imaginado triunfo dos porcos em que
todos os animais eram iguais… mas em que alguns eram “mais iguais do que os
outros”. Em 1949, no pós-guerra, depois da vitória dos
anglo-americanos e dos russos de Estaline, saía então a mais célebre das
distopias do século XX.
1984: um futuro com 40 anos
Nineteen
Eighty-four é uma
distopia crítica do totalitarismo soviético escrita por um homem de esquerda e
socialista, mas que recusa e abomina o socialismo concentracionário, policial e
totalitário da Rússia de Estaline. Orwell
nunca esteve na Rússia e a sua experiência do terror comunista era a
perseguição estalinista, na Catalunha, aos seus amigos do Partido Obrero de
Unificación Marxista (que também não eram propriamente uns democratas da
primeira hora…)
Em Mil Novecentos e Oitenta e Quatro Winston Smith, o protagonista, trabalha
no Ministério da Verdade, que serve o Grande Irmão e o Partido Único. Tudo se passa na Grã-Bretanha, parte da
Oceânia, grande região geopolítica que rivaliza e está em guerra com a Eurásia
e a Lestásia. São tiranias de
grandes espaços. Na Oceânia há (outra vez) classes – a alta,
a média e a baixa. A baixa são os proletários, as massas, que
têm que ser guiados pelo Partido, servido por funcionários médios, como
Winston. No topo da pirâmide estão os dirigentes do Partido.
Setenta e cinco anos depois da
publicação de 1984
e quarenta anos depois do futuro imaginado por Orwell, as sociedades comunistas
desapareceram ou transformaram-se. A
URSS e o comunismo acabaram e foram substituídos, na Rússia, por uma autocracia nacional decidida a afirmar-se como um poder na Eurásia; na China, o maoísmo, bem perto do
pesadelo orwelliano, transformou-se num capitalismo nacionalista de direcção
central; subsistem algumas microtiranias – como a Coreia do Norte e Cuba –, mas
o grande espaço geopolítico totalitário desapareceu.
E
no entanto, nas sociedades abertas, livres e democráticas da Euro-América,
entre enganosos “ministérios da Verdade” em grandes écrans e não menos
enganosas verdades alternativas em écrans privados,
vivemos num “grande espaço” – pelo menos virtual – que não é isento de
censura, de cancelamento e de condicionamento.
O
Newspeak e o news speak, a modificação ideológica da linguagem por decreto, a
massificação, simplificação e maniqueização da informação, o Grande Irmão
colectivo e o orwelliano crimethink estão tão próximos dos actuais blocos
informativos, observatórios, detectores de “discurso de ódio”, algoritmos de
cancelamento e “legislação avançada” que, ao ler agora 1984, o vamos
inevitavelmente fazer, não já à luz das velhas sociedades comunistas mas
directamente das sombras deste nosso “mundo livre”.
Quarenta anos depois do futuro imaginado por Orwell, confrontamo-nos
diariamente com novos reflexos da sua profecia distópica. E é também para compreender e combater as novas e inesperadas
actualizações de 1984 em 2024 que vale a pena reler o livro.
COMENTÁRIOS (DE 21)
Maria Emília Santos Santos: Que crónica mais acertada,
clara e actual! Só que para a cultura actual está totalmente desactualizada, porque
actualmente o mais importante e "instruído" é ser vazio, oco, sem
nada nem por dentro nem por fora! Mas obrigada, Dr Jaime Nogueira Pinto, por ainda
manter frescas as suas ideias que deviam ser as de quem nos governa, mas
infelizmente não são! Vivemos nesta época uma aberração de ideias abjectas que têm o apoio dos
ricos e da comunicação social, por isso só se pode esquivar desta maré de
entulho quem evitar beber das fontes inquinadas das TVs, da internet, da
maioria dos jornais, da maioria dos filmes, e os livros devem ser escolhidos
com lupa!
Tim do A > Maria Emília Santos Santos: Absolutamente de acordo. Até
os livros de ciência ou divulgação científica têm de ser escolhidos com uma
peneira para não sermos enganados com mais propaganda globalista ou liberal
marxista Woke. Espero que JNP continue a sua cruzada o combate a esta nova ditadura
mundial.
Henrique Nobre: Caro Jaime Nogueira Pinto. Orwell,
também Huxley, continuam - infelizmente - bem actuais. É importante relembrá-los,
nestes tempos de alienação e destruição da racionalidade e memória histórica. Obrigado.
Manuel Lisboa: Muito interessante como é
habitual. Apenas uma observação: foi Lenine a instalar o terror com ajuda de
Trotsky, Estaline e outros. Estaline conquistou o poder e conseguiu ser o seu
mais fiel discípulo do seu mestre Lenine. A bestialidade soviética começou
com Lenine.
Glorioso SLB: Com 44 anos há poucos meses o triunfo dos porcos e o
1984. E ñ pensei na URSS. Pensei msm no eokismo actual e na lavagem cerebral q
nos tentam fazer, até já ñ sabermos bem o q é certo e o q é errado.
bento guerra: A utopia, ao nível de cada um de nós ,pode sempre
prevalecer. Nunca tivemos sociedades com tanta panóplia de opções. Não liguem
as televisões
Manuel F: Não se canse de escrever!
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