Apenas meia dúzia de comentários, dos 57
escolhidos entre os 101 enviados. Esses bastam, para complementar o que sentimos e que
A:G. tão magistralmente traduziu, com graça impagável, mas de sabor sinistro,
que vergonhosamente merecemos.
Os melhores dos melhores
Há que compreender que a partida com
a República Checa, que desde anteontem se chama Chéchia, ou Chéquia ou lá o que
é, exigirá imensa paciência, principalmente do espectador. As triangulações...
ALBERTO GONÇALVES
Colunista do Observador
OBSERVADOR, 15 jun.
2024, 00:22100
O “Europeu” começou e a pergunta
impõe-se: Portugal pode ser campeão? A resposta simples é “sim”. Fui ver as
regras e não há nenhuma que impeça qualquer selecção participante de vencer o
torneio. A resposta complicada é “talvez”. A “selecção de todos nós” possui
trunfos que não estão ao alcance de todos eles, desde logo diversos fora de
série, que pensam fora da caixa e que frequentemente estão fora de jogo. Falta
saber se o conjunto consegue reflectir os talentos individuais. É que não basta
ter jogadores com técnica e penteados espectaculares: é preciso que o colectivo
faça justiça à matéria-prima. E esse é o papel do treinador. Por enquanto,
Roberto…
– Alberto?
– Sim? Coisinho?
– Desculpa a interrupção, mas recebemos
indicações seguras de que a todo o momento o plantel das quinas sairá das
instalações do Hotel Klosterpfort, aqui em Marienfeld, Alemanha, para dar um
passeio matinal.
– Força, Coisinho. A crónica é tua.
– Pois então cá nos encontramos junto à
entrada do Hotel Calcitrinforte, aqui em Lagerfeld, onde a todo o momento os
escolhidos de Roberto Martinez darão um passeio matinal. A ansiedade é imensa
entre os portugueses que viajaram para visualizar, e se possível ver, os seus
ídolos ao vivo. Há elementos da Associação Portuguesa de Gutersloh a assar
sardinhas ao som dos Xutos e, pormenor engraçado, algumas dezenas de membros do
grupo Moto-Tugas, que ontem escoltou a selecção, continuam a circular pelas
imediações com garrafões de vinho no lugar do pendura.
– Coisinho, Coisinho?
– Sim?
– Esperam-se novidades para o passeio
matinal?
– Alberto, fala-se em surdina que Rafael
Leão e Bruno Fernandes vão estrear novas tatuagens no treino da tarde. Mas não
estou em condições de confirmar nada. E, claro, há sempre a questão do penteado
de Cristiano Ronaldo.
– A expectativa é grande, portanto…
– Enorme! E nós não arredamos pé daqui,
da porta principal do Hotel Kaiserslautern, em Mariecurie, para vos contar
tudo! Devolvo-te a crónica, Alberto.
Obrigado, Coisinho! Dizia eu que cabe a
Roberto Martinez sedimentar rotinas e decidir se quer jogar em pressão alta ou
em transição. Faz toda a diferença apostar em Vitinha como um falso 8 ou em
Palhinha, que é mais posicional, como um falso 6. O fundamental é que os
jogadores nunca assumam os números que ostentam nas camisolas. E depois há uma
dor de cabeça, das positivas, para o seleccionador: Conceição ou Félix? Um
prefere o miolo, o outro aprecia a côdea, e ambos criam desequilíbrios no um
contra um, embora não adiantem muito no um contra dois. Tudo depende do
adversário, que…
– Alberto? Alberto?
– Tens a antena aberta, Coisinho!
– Aqui Coisinho em directo a partir do
Hotel Kloppstrudel, em Marinadefafe. É a loucura! É a loucura! Os jogadores
foram engolidos pela multidão em delírio! Pepe dá autógrafos! Gonçalo Ramos
tira autógrafos! Os membros do Moto-Tugas atacaram as sardinhas e o
verde-tinto! Visivelmente satisfeito, o vice-presidente da Associação
Portuguesa de Gutenberg enfiou um espeto nas nádegas de um Moto-Tuga! Enfim, é
a loucura!
– Coisinho?
– A loucura! António Silva posa para
selfies com o Moto-Tuga e o espeto!
– Coisinho? Estás a ouvir-me?
– Alberto?
– E no que toca a futebol propriamente
dito?
– No que toca a futebol, confirma-se:
Bruno Fernandes tem uma tatuagem nova! Diz “Amor eterno” em mandarim. Ou
“Banana Fá-si”. E atenção que CR7 repete o penteado anterior, só que com a
risca do lado direito! A aproximar-se dos 40 anos, Cristiano Ronaldo mantém-se
no top. Devolvo-te a crónica, Alberto.
Do lado direito! Sublime! Esta selecção
é Ronaldo e mais dez. Voltaremos à Alemanha quando houver mais motivos de
reportagem. Para já, volto ao meu raciocínio para notar que os adversários não
são todos iguais. A Turquia, por exemplo, pratica um futebol de contenção,
enquanto a Bolívia, naturalmente, nem participa no “Euro”. Na fase de grupos, a
equipa nacional pode usar e abusar do 4-3-2-1, em que o primeiro trinco faz a
cobertura, o segundo ponta-de-lança descai para as laterais e o terceiro
central descansa um bocadinho. Porém, nos desafios de mata-mata, é fundamental
adoptar um 3-2-3-1-1, com Matheus Nunes no eixo a ganhar as segundas bolas,
João Neves a perder as primeiras e Diogo Jota a jogar sem nenhuma. Seria
absurdo imaginar a…
– Alberto, última hora! Interrompo sem
pedir licença para informar que acabei de trocar impressões com João Cancelo!
Perguntei-lhe se prefere a marcação à zona e ele não respondeu! Não emitiu uma
palavra! Exclusivo para nós: Cancelo não fala!
– Excelente, Coisinho. É tudo?
– Nem por sombras, Alberto! Troquei
igualmente umas palavras com um compatriota que se deslocou para conviver de
perto com estes monstros sagrados. Disse-lhe “Diga-me uma coisa” e ele desatou
de imediato aos saltos, abraçado a duas velhas e a berrar “Somos os melhores
dos melhores!” e “Portugal! Portugal! Portugal”. E não só: além do presidente
da República, também passei uns minutos em amena cavaqueira com um grupo de
Moto-Tugas, que entretanto animaram a sardinhada ao lançarem a churrasqueira em
cima dos órgãos sociais da Associação Portuguesa de Bilderberg! A “Casinha” dos
Xutos não pára de tocar! Há vários jogadores a posar para selfies sem haver
telemóveis apontados a eles! E agora surgiu de repente um rancho folclórico
proibido pela organização, que até a UEFA tem limites! É fantástico o ambiente
que se vive aqui, ao pé do Hotel Kraftwerk, em Moulinex!
Que giro. Bem, voltando à análise das
hipóteses da selecção nacional no campeonato, é preciso encarar a prova jogo a
jogo, e não aos quatro ou cinco jogos em simultâneo. Para já, há que
compreender que a partida com a República Checa, que desde anteontem se chama
Chéchia, ou Chéquia ou lá o que é, exigirá imensa paciência, principalmente da
parte do espectador. As triangulações…
– Alberto, sou eu outra vez!
– Que surpresa…
– Concordo, é a loucura! Há em meu redor
centenas de emigrantes a beliscar-se, e a sangrar dos antebraços, a fim de
acreditar que estiveram na presença dos deuses dos relvados. Os deuses já
terminaram o passeio e regressaram aos seus aposentos. O almoço ainda é uma
incógnita: será que Danilo aceita a sopa de penca ou vai direito ao bife?
– Acabaste, Coisinho?
– Qual quê! Deixa-me relatar um episódio
impressionante. Acabei de me cruzar com uma alemã que mora aqui em Meiafogaça e
que, a caminho do Aldi local, acabara de passar a menos de oito metros de
Bernardo Silva! “Apenas” de Bernardo Silva! Perguntei à senhora o que sentiu e
ela, extremamente emocionada, disse-nos não saber quem é! Confesso que me
arrepiei! Isto é emoção, isto é sentimento, isto é futebol! É a loucura do
“Euro” em roda livre! Segue para ti, Alberto… Alberto? Alberto? Alberto?
E pronto. Vão ser semanas disto.
FUTEBOL DESPORTO FUTURO TECNOLOGIA SOCIEDADE
COMENTÁRIOS (de 101)
André
Ondine: Extraordinário. E deprimente, se pensarmos que esta
crónica apenas ridiculariza muito poucochinho aquilo a que assistimos de minuto
a minuto nas nossas televisões. O ridículo dos últimos dias atingiu proporções
épicas. As reportagens acéfalas são ofensivas e angustiantes. “Onde está o
autocarro?”, “O autocarro está a dar a curva!!!”, “Ronaldo acaba de sair do
autocarro!!!”. Se o ridículo matasse, Portugal estava extinto.
Tudo
isto tem uma agravante. O repórter Nuno Luz surge do nada, sempre que há um
Euro ou um Mundial. E não há maior perigo para a sanidade mental dos
portugueses. Um pateta pouco esperto que nos entra pela casa quando menos
esperamos e demora semanas a sair. As reportagens do Sr Luz são momentos
degradantes de “jornalismo” (força de expressão)para as quais parece ainda não
haver cura. E há mais um momento acrescido de depressão, que é ver os
nossos políticos (sempre liderados pelo tonto-mor Marcelo) a dar graxa ao
Ronaldo e a quererem mostrar-nos que são os maiores amigos do “melhor deste mundo
e do outro”. Montenegro tem aqui hipótese de fazer diferente e de se distanciar
da “Patetitude” constrangedora de Marcelo e do Habilidoso, mas temo que lá
teremos o nosso PM na flash interview a falar sobre o destino do esférico no
rectângulo de jogo…
Miguel Sanches: Magistral.
Uma pérola, a ilustrar bem o ridículo que são as transmissões das Tv's.
André Ondine > Nuno Abreu: O
Alberto Gonçalves trata os seus ódios com paixão. E faz muito bem. Esta
poluição histérica televisiva deve ser denunciada e caricaturada, pois é uma
questão de saúde pública. Quanto ao seu “concelho”, é muito generoso da sua
parte deixar-nos tal legado. Sempre é melhor do que um distrito.
Pobre Portugal: Por mais que finjamos que não, é este o Portugal e os
portugueses que temos.
Alcides Longras: Não
conhecia a veia de lirismo cómico do nosso cronista. Mas quem bem escreve, não
precisa de seguir pautas. Brilhante!
Eduardo Cunha: excelente....
e eu que até gosto de um desporto chamado futebol mas que as televisões nos
euros e mundiais bem tentam fazer que eu perca a vontade de gostar.
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