domingo, 16 de junho de 2024

Deprimente

 

Apenas meia dúzia de comentários, dos 57 escolhidos entre os 101 enviados. Esses bastam, para complementar o que sentimos e que A:G. tão magistralmente traduziu, com graça impagável, mas de sabor sinistro, que vergonhosamente merecemos.

Os melhores dos melhores

Há que compreender que a partida com a República Checa, que desde anteontem se chama Chéchia, ou Chéquia ou lá o que é, exigirá imensa paciência, principalmente do espectador. As triangulações...

ALBERTO GONÇALVES Colunista do Observador

OBSERVADOR, 15 jun. 2024, 00:22100

O “Europeu” começou e a pergunta impõe-se: Portugal pode ser campeão? A resposta simples é “sim”. Fui ver as regras e não há nenhuma que impeça qualquer selecção participante de vencer o torneio. A resposta complicada é “talvez”. A “selecção de todos nós” possui trunfos que não estão ao alcance de todos eles, desde logo diversos fora de série, que pensam fora da caixa e que frequentemente estão fora de jogo. Falta saber se o conjunto consegue reflectir os talentos individuais. É que não basta ter jogadores com técnica e penteados espectaculares: é preciso que o colectivo faça justiça à matéria-prima. E esse é o papel do treinador. Por enquanto, Roberto…

– Alberto?

– Sim? Coisinho?

– Desculpa a interrupção, mas recebemos indicações seguras de que a todo o momento o plantel das quinas sairá das instalações do Hotel Klosterpfort, aqui em Marienfeld, Alemanha, para dar um passeio matinal.

– Força, Coisinho. A crónica é tua.

– Pois então cá nos encontramos junto à entrada do Hotel Calcitrinforte, aqui em Lagerfeld, onde a todo o momento os escolhidos de Roberto Martinez darão um passeio matinal. A ansiedade é imensa entre os portugueses que viajaram para visualizar, e se possível ver, os seus ídolos ao vivo. Há elementos da Associação Portuguesa de Gutersloh a assar sardinhas ao som dos Xutos e, pormenor engraçado, algumas dezenas de membros do grupo Moto-Tugas, que ontem escoltou a selecção, continuam a circular pelas imediações com garrafões de vinho no lugar do pendura.

– Coisinho, Coisinho?

– Sim?

– Esperam-se novidades para o passeio matinal?

– Alberto, fala-se em surdina que Rafael Leão e Bruno Fernandes vão estrear novas tatuagens no treino da tarde. Mas não estou em condições de confirmar nada. E, claro, há sempre a questão do penteado de Cristiano Ronaldo.

– A expectativa é grande, portanto…

– Enorme! E nós não arredamos pé daqui, da porta principal do Hotel Kaiserslautern, em Mariecurie, para vos contar tudo! Devolvo-te a crónica, Alberto.

Obrigado, Coisinho! Dizia eu que cabe a Roberto Martinez sedimentar rotinas e decidir se quer jogar em pressão alta ou em transição. Faz toda a diferença apostar em Vitinha como um falso 8 ou em Palhinha, que é mais posicional, como um falso 6. O fundamental é que os jogadores nunca assumam os números que ostentam nas camisolas. E depois há uma dor de cabeça, das positivas, para o seleccionador: Conceição ou Félix? Um prefere o miolo, o outro aprecia a côdea, e ambos criam desequilíbrios no um contra um, embora não adiantem muito no um contra dois. Tudo depende do adversário, que…

– Alberto? Alberto?

– Tens a antena aberta, Coisinho!

– Aqui Coisinho em directo a partir do Hotel Kloppstrudel, em Marinadefafe. É a loucura! É a loucura! Os jogadores foram engolidos pela multidão em delírio! Pepe dá autógrafos! Gonçalo Ramos tira autógrafos! Os membros do Moto-Tugas atacaram as sardinhas e o verde-tinto! Visivelmente satisfeito, o vice-presidente da Associação Portuguesa de Gutenberg enfiou um espeto nas nádegas de um Moto-Tuga! Enfim, é a loucura! 

– Coisinho?

– A loucura! António Silva posa para selfies com o Moto-Tuga e o espeto!

– Coisinho? Estás a ouvir-me?

– Alberto?

– E no que toca a futebol propriamente dito?

– No que toca a futebol, confirma-se: Bruno Fernandes tem uma tatuagem nova! Diz “Amor eterno” em mandarim. Ou “Banana Fá-si”. E atenção que CR7 repete o penteado anterior, só que com a risca do lado direito! A aproximar-se dos 40 anos, Cristiano Ronaldo mantém-se no top. Devolvo-te a crónica, Alberto.

Do lado direito! Sublime! Esta selecção é Ronaldo e mais dez. Voltaremos à Alemanha quando houver mais motivos de reportagem. Para já, volto ao meu raciocínio para notar que os adversários não são todos iguais. A Turquia, por exemplo, pratica um futebol de contenção, enquanto a Bolívia, naturalmente, nem participa no “Euro”. Na fase de grupos, a equipa nacional pode usar e abusar do 4-3-2-1, em que o primeiro trinco faz a cobertura, o segundo ponta-de-lança descai para as laterais e o terceiro central descansa um bocadinho. Porém, nos desafios de mata-mata, é fundamental adoptar um 3-2-3-1-1, com Matheus Nunes no eixo a ganhar as segundas bolas, João Neves a perder as primeiras e Diogo Jota a jogar sem nenhuma. Seria absurdo imaginar a…

– Alberto, última hora! Interrompo sem pedir licença para informar que acabei de trocar impressões com João Cancelo! Perguntei-lhe se prefere a marcação à zona e ele não respondeu! Não emitiu uma palavra! Exclusivo para nós: Cancelo não fala!

– Excelente, Coisinho. É tudo?

– Nem por sombras, Alberto! Troquei igualmente umas palavras com um compatriota que se deslocou para conviver de perto com estes monstros sagrados. Disse-lhe “Diga-me uma coisa” e ele desatou de imediato aos saltos, abraçado a duas velhas e a berrar “Somos os melhores dos melhores!” e “Portugal! Portugal! Portugal”. E não só: além do presidente da República, também passei uns minutos em amena cavaqueira com um grupo de Moto-Tugas, que entretanto animaram a sardinhada ao lançarem a churrasqueira em cima dos órgãos sociais da Associação Portuguesa de Bilderberg! A “Casinha” dos Xutos não pára de tocar! Há vários jogadores a posar para selfies sem haver telemóveis apontados a eles! E agora surgiu de repente um rancho folclórico proibido pela organização, que até a UEFA tem limites! É fantástico o ambiente que se vive aqui, ao pé do Hotel Kraftwerk, em Moulinex!

Que giro. Bem, voltando à análise das hipóteses da selecção nacional no campeonato, é preciso encarar a prova jogo a jogo, e não aos quatro ou cinco jogos em simultâneo. Para já, há que compreender que a partida com a República Checa, que desde anteontem se chama Chéchia, ou Chéquia ou lá o que é, exigirá imensa paciência, principalmente da parte do espectador. As triangulações…

– Alberto, sou eu outra vez!

– Que surpresa…

– Concordo, é a loucura! Há em meu redor centenas de emigrantes a beliscar-se, e a sangrar dos antebraços, a fim de acreditar que estiveram na presença dos deuses dos relvados. Os deuses já terminaram o passeio e regressaram aos seus aposentos. O almoço ainda é uma incógnita: será que Danilo aceita a sopa de penca ou vai direito ao bife?

– Acabaste, Coisinho?

– Qual quê! Deixa-me relatar um episódio impressionante. Acabei de me cruzar com uma alemã que mora aqui em Meiafogaça e que, a caminho do Aldi local, acabara de passar a menos de oito metros de Bernardo Silva! “Apenas” de Bernardo Silva! Perguntei à senhora o que sentiu e ela, extremamente emocionada, disse-nos não saber quem é! Confesso que me arrepiei! Isto é emoção, isto é sentimento, isto é futebol! É a loucura do “Euro” em roda livre! Segue para ti, Alberto… Alberto? Alberto? Alberto?

E pronto. Vão ser semanas disto.

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COMENTÁRIOS (de 101)

André Ondine: Extraordinário. E deprimente, se pensarmos que esta crónica apenas ridiculariza muito poucochinho aquilo a que assistimos de minuto a minuto nas nossas televisões. O ridículo dos últimos dias atingiu proporções épicas. As reportagens acéfalas são ofensivas e angustiantes. “Onde está o autocarro?”, “O autocarro está a dar a curva!!!”, “Ronaldo acaba de sair do autocarro!!!”. Se o ridículo matasse, Portugal estava extinto.

Tudo isto tem uma agravante. O repórter Nuno Luz surge do nada, sempre que há um Euro ou um Mundial. E não há maior perigo para a sanidade mental dos portugueses. Um pateta pouco esperto que nos entra pela casa quando menos esperamos e demora semanas a sair. As reportagens do Sr Luz são momentos degradantes de “jornalismo” (força de expressão)para as quais parece ainda não haver cura. E há mais um momento acrescido de depressão, que é ver os nossos políticos (sempre liderados pelo tonto-mor Marcelo) a dar graxa ao Ronaldo e a quererem mostrar-nos que são os maiores amigos do “melhor deste mundo e do outro”. Montenegro tem aqui hipótese de fazer diferente e de se distanciar da “Patetitude” constrangedora de Marcelo e do Habilidoso, mas temo que lá teremos o nosso PM na flash interview a falar sobre o destino do esférico no rectângulo de jogo…

Miguel Sanches: Magistral. Uma pérola, a ilustrar bem o ridículo que são as transmissões das Tv's.
André Ondine > Nuno Abreu: O Alberto Gonçalves trata os seus ódios com paixão. E faz muito bem. Esta poluição histérica televisiva deve ser denunciada e caricaturada, pois é uma questão de saúde pública. Quanto ao seu “concelho”, é muito generoso da sua parte deixar-nos tal legado. Sempre é melhor do que um distrito.

Pobre Portugal: Por mais que finjamos que não, é este o Portugal e os portugueses que temos.

Alcides Longras: Não conhecia a veia de lirismo cómico do nosso cronista. Mas quem bem escreve, não precisa de seguir pautas. Brilhante!

Eduardo Cunha: excelente.... e eu que até gosto de um desporto chamado futebol mas que as televisões nos euros e mundiais bem tentam fazer que eu perca a vontade de gostar.

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