Sim. Para quê?
Para quê?
A ninguém parece interessar o ‘para
quê?’ em tudo isto. Para que serve António Costa no Conselho Europeu? Para que
serve um Governo que não pode governar?
NUNO GONÇALO POÇAS, Colunista do
Observador. Advogado, autor de OBSERVADOR, 18 jun. 2024, 00:1617
Foi a primeira vez e confesso que não me
soube assim tão bem: votei
antecipadamente nas eleições europeias. Feito um balanço rápido, exceptuando as duas presidenciais ganhas
por Cavaco Silva e as legislativas de 2011 e 2015, nunca votei em quem ganha
– e em 2015 quem ganhou nem conseguiu
formar Governo, pelo que, para efeitos desta contabilidade pessoal, aquele voto
na PàF equivale praticamente a meia derrota. O que, bem vistas as
coisas, talvez demonstre que esta
vontade inexplicável de querer votar, mesmo quando as mini-férias e o bocejo me
deviam conduzir à abstenção e não a um voto antecipado, se comece a parecer
mais com a pulsão semanal com que o meu pai passou anos a apostar no Totoloto
do que com uma expectativa real de vir a ganhar alguma coisa com o gesto, no
caso, alguma representação num processo transformador. Pelo visto, boa
parte do país cede com mais facilidade que eu e deixou, mais uma vez, a sorte
dos putativos eurodeputados portugueses eleitos à mobilização das claques
partidárias, ou à capacidade de mobilização dos seus mais acérrimos seguidores,
o que na prática vai dar ao mesmo.
Mas, e porque um mal nunca vem só, imune
a toda esta indiferença de mais de metade do país, a outra pátria, a auto-proclamada inteligente, mediatizada, famosa
para si própria e sus muchachos, toda feita de protagonistas, dos
anciãos, inutilmente experientes, aos mais pequenitos, assustadoramente
insuficientes, não sustém a excitação com os resultados e tem-se desdobrado em
análises e comentários, ofegante com a possibilidade de despachar um seu
comissário lá para fora, para a Europa nunca nossa. O que me
parece, confesso, algo egoísta.
Bem sei, bem sei, que todos os países assim fazem, protegendo e
propagando os seus conterrâneos, que há acordos aqui e ali para que um
socialista secretarie o Conselho Europeu para que uma senhora (porque as estrangeiras são sempre
senhoras, não é?, uma Ingrid qualquer não é a doutora ou a dona) von der Leyen
lá alcance os apoios para chefiar a Comissão, sei de tudo isso, como é
evidente, caramba, eu votei antecipadamente, tenho um apreço pelas eleições que
não é menosprezável, como procurei explicar, e nem cínico é.
Bem
sei tudo isso. Mas parece-me egoísta, insisto, que, depois de o país se ter
livrado de António Costa, não esteja disponível para o suportar em mais um
canal de televisão, perdendo audiências para a telenovela, e procure ajudar os
irmãos espanhóis a livrarem-se de Pedro Sanchéz. Nós podíamos
estar a dar início a uma espécie de grande libertação, mas preferimos ignorar a
epopeia possível e embarcar em duas alternativas: os protagonistas televisivos
carregam Costa no andor – que não lhes mace os ombros, coitados, depois de
tantos anos de joelhos gastos – e o resto do país encolhe os ombros, entediado,
satisfeito por despachar mais um dos seus para
onde ele possa falar sem que ninguém perceba de que fala ele, e mudando de
canal. Julgo assim resumido o nosso
europeísmo, do povo às elites – como se não fossem ambos companheiros,
camaradas?, no mesmo inconsequente saco cívico.
Pela
pátria, por outro lado, respira-se agora de alívio com a possibilidade de o
Governo durar mais do que o inicialmente previsível. Porque Ventura não tem
interesse em sujeitar-se a votos tão cedo, Pedro Nuno idem, e cá vamos,
cantando e rindo, porventura levados, levados sim. Confesso mesmo que tenho
ideia de ter ouvido, na manhã de 10 de Junho, um grandíssimo suspiro, não de um
país que morria na data do seu feriado, mas que dava graças pela estabilidade,
mais sereno agora pela manutenção de um Governo a quem o futuro dita uma vida
de habilidades e consensos e não da aplicação de uma política.
A ninguém parece interessar o ‘para quê?’ em tudo isto. Para que
serve António Costa no Conselho Europeu? Para que serve um Governo que não
pode governar? Foi porque
nos habituámos assim tanto a governos que não governam, mas que gerem como
ninguém o poder de quem a eles pertence e apenas isso? Já se
fez assim tanta escola de cinismo? Não espante, pois, que a praia, as férias ou
apenas o sofá sejam preferíveis à urna eleitoral. As pessoas, em geral, são mais estúpidas
do que gostaríamos, mas também não o são tanto como às vezes se julga, e a
abstenção não revela incapacidade cívica ou indiferença política. A abstenção é
uma espécie de ambientador moral a que as massas recorrem quando o ar se torna
irrespirável. E não vejo tão grande mal nisso.
ELEIÇÕES
EUROPEIAS ELEIÇÕES POLÍTICA ANTÓNIO COSTA GOVERNO
COMENTÁRIOS (DE 17):
José Rego: Em relação a Costa, estes lugares de destaque que vão dando a alguns
portugueses são uma espécie de prémio de consolação ( que não consola ninguém,
excepto o bolso dos próprios) dado a Portugal, depois da redução do nosso país
quase milenar ao pequeno rectângulo , com a consequente irrelevância total,
pobreza , dependência e mendicidade em relação à “ Europa” e ao mundo no geral.
Vão para lá obedecer às instruções e não levantar “ ondas”. Já quanto ao
governo AD, estão a desperdiçar uma maioria de direita histórica de 56% por
inabilidade política, teimosia, burrice e falta de sentido de Estado. Os
portugueses querem reformas e mudanças profundas no país, querem políticas de
direita na economia, na imigração, na segurança e estes irresponsáveis, através
de esquemas e subterfúgios, recusam seguir a vontade do povo.
Carlos Chaves: “(…) os
protagonistas televisivos carregam Costa no andor – que não lhes mace os
ombros, coitados, depois de tantos anos de joelhos gastos (…)” Genial, caro
Nuno Gonçalo Poças, obrigado!
José Neto: Há dias assim. Abre-se o
Observador e só se encontram motivos de desânimo: Detalhes indecentes que se
descobrem sobre a gestão que o primeiro-ministro fez dos casos da TAP; A
escolha do ex-ministro João Costa, responsável pela degradação da escola pública
portuguesa nos últimos oito anos, para presidir ao comité de educação da OCDE;
A falta de horizontes na governação pós-PS... Porquê? Para quê? Valha-me a
lucidez gritante de crónicas como a do Nuno Gonçalo Poças.
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