sábado, 1 de junho de 2024

Dois textos impecáveis


Em ponderação e desassombro, demonstrativos de agudeza crítica e uma formação moral de dignidade e coragem pouco comuns. RUI RAMOS, o seu autor.

I - Causas do derrotismo dos povos ocidentais

Há no Ocidente uma inclinação para acreditar que qualquer esforço militar ocidental está condenado ao fracasso, é ilegítimo e se revelará inútil. É isso que vemos em relação à Ucrânia e a Israel.

RUI RAMOS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 31 mai. 2024, 00:2131

O presidente Zelensky anda sempre agora com uma cara preocupada. Pelo menos nas fotos que vi da sua passagem por Lisboa, nem mesmo os cochichos do nosso presidente lhe inspiraram um sorriso. O ar sombrio de Zelensky tem razão de ser. Dois anos depois, reacenderam-se por todo o Ocidente as dúvidas que em 2022, nas primeiras horas da invasão russa, terão levado Joe Biden, esse especialista em retiradas catastróficas, a propor a fuga a Zelensky.

Sim, há dificuldades e nem tudo corre bem. Mas numa guerra, por maior que seja a vantagem, há sempre dificuldades e nem tudo corre sempre bem. É por isso que a firmeza dos líderes, a resiliência dos combatentes e a convicção das sociedades importam. Mas aqui não é apenas de dificuldades que se trata. É de outra coisa: uma inclinação para acreditar que qualquer esforço militar ocidental está condenado ao fracasso, é ilegítimo e se revelará inútil. É isso que vemos em relação à Ucrânia e a Israel.

Em que assenta esse derrotismo? Em primeiro lugar, na ideia de que todas as guerras, seja qual for a sua origem imediata, são culpa do Ocidente: Putin invadiu a Ucrânia, mas provocado pela expansão da Nato. Depois, na convicção de que nenhuma potência ocidental, por mais contida que seja, conseguirá fazer a guerra sem infringir as leis de um humanitarismo que só a ela se aplicam: o Hamas tem o direito de recorrer a “todos os meios necessários”, como se reclama nas universidades, mas as baixas civis que resultam da defesa israelita configuram logo um caso de “genocídio. Eis porque todas as guerras parecem, aos ocidentais, destinadas a ser outro Vietname: o Ocidente, moralmente comprometido, acabará por desistir. É como se houvesse no Ocidente uma tendência para compensar a assimetria militar, que lhe é favorável, com uma assimetria moral, que joga a favor dos seus adversários, por mais hediondos que sejam.

Não é preciso explicar porque é que este derrotismo convém aos inimigos do Ocidente. Há que compreender, porém, porque é que as elites e os públicos ocidentais lhe são tão susceptíveis. Para começar, temos de falar da sua pretensão de superioridade moral, que facilmente se muda em auto-abjecção perante as necessidades da competição e confronto no mundo. Para os ocidentais, a guerra refuta qualquer causa. Mesmo quando têm de se defender, acham-se por isso culpados. Diz-se que os fins justificam os meios, mas os ocidentais comportam-se por vezes como se os meios tivessem de justificar os fins: quando os meios não são benignos, tudo lhes parece ilegítimo.

Mas este moralismo tem uma causa: a complacência. Os ocidentais predominaram no mundo durante os séculos XIX e XX. Sobreviveram à Alemanha nazi e à Rússia comunista. Mesmo quando perderam, como no Vietname, ganharam a prazo: Saigão está hoje mais americanizada do que no tempo da intervenção americana. Em 1989, acreditaram que tinham sido os vencedores de uma história que chegara ao fim. Nunca mais se sentiram ameaçados existencialmente. Por isso, acham-se acima do que acontecer na Ucrânia ou em Israel. Daí permitirem-se o luxo de tratar a derrota como uma opção.

O derrotismo ocidental tem a sua raiz, não no cepticismo, mas na ilusão. É o reflexo de um mundo que já não existe. O Ocidente já não produz a maior parte da riqueza mundial. A democracia e a economia de mercado já não são o fim da história. Na Ucrânia e em Israel, não está apenas em causa a existência de Estados que potências locais se recusam a reconhecer. Está em causa a ordem mundial, que ditaduras como a de Putin e do Ayatollah pretendem refazer à sua imagem. Não é só Zelensky que deve estar preocupado.

UCRÂNIA    EUROPA    MUNDO    OCIDENTE    ISRAEL     MÉDIO ORIENTE

De 39 COMENTÁRIOS:

Carlos Chaves: Mais uma excelente análise de Rui Ramos! Eu acrescentaria à ilusão como causa do derrotismo a falta de instrução, ou melhor, a instrução errada que a esquerda tem imposto nos nossos estabelecimentos de ensino, a todos os níveis! Grande parte das nossas populações nem sequer tem ilusões, pura e simplesmente não conseguem perceber o que se está a passar! O que a esquerda nos tem feito é criminoso!        Pobre Portugal: O Ocidente vive um pesadelo! O que o Hamas fez a 1200 israelitas em 7/10, se não fizesse corar de vergonha o mais repugnante comandante nazi, estaria lá perto. No entanto, o ocidente agita a bandeira desse tirânico povo. Já não me revejo neste Ocidente.            Maria Tubucci: Muito bem Sr. RR. Os derrotistas são as elites esquerdistas, filhas dos privilegiados que nunca trabalharam na vida, nunca conheceram o preço do esforço, tudo lhes foi dado. Depois armam-se em seres superiores convencidos que podem impor aos outros a sua alucinada ideia de progresso, cheia de humanismo oco de virtudes imbecis. No ocidente esta casta infiltrou-se nas instituições e considera-se acima de todos, aliás considera o povo um rebanho para eles pastorearem. Quando os oiço falar em reparações do colonialismo, só me apetece gritar “Se tens a consciência pesada paga do teu bolso, não devo nada a ninguém”. Ou quando os oiço dizer: “Ai a Ucrânia fica-nos tão cara”, só me apetece gritar “É o preço da paz, se queres a paz prepara-te para a guerra, também tenho de pagar a segurança social de emigrantes que vieram do Cuu de Judas, e ainda ficam mais caros”. A verdade é que o mal não dorme e o tempo é cíclico, o provérbio oriental que diz “homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes” também é verdadeiro. O derrotismo tem de ser derrotado, começando por correr com o esquerdismo na Europa a 9/6, reduzindo-o à sua insignificância, só assim a Europa das nações poderá construir um futuro melhor, preocupando-se em primeiro lugar com os seus, em vez de lutar pela paz no mundo ou quiçá no universo e arredores………

 

II TEXTO

Um texto – já antigo - que me escapara, mas que me parece de uma doutrina imprescindível, a contrariar o pedantismo provocatório dos desacatos contra Israel e aparentemente pró palestinianos, que sucederam no Festival:

As lições da Eurovisão

No festival Eurovisão, vimos o abismo que actualmente separa os protagonistas da vida pública, e aqueles a quem poderemos chamar as “pessoas comuns”.

RUI RAMOS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 17 mai. 2024, 00:22106

Foi um dos pequenos factos mais significativos dos últimos tempos, e teve a ver com uma cantiga. No festival da Eurovisão, a concorrente de Israel obteve uma das mais baixas pontuações dos júris oficiais, mas a segunda mais alta votação do público. Em muitos países, venceu mesmo a eleição popular. Foi o caso da Bélgica, apesar de a televisão pública flamenga ter boicotado a sua transmissão. Foi também o caso de Portugal, onde o júri não lhe atribuiu um único ponto, e o público lhe deu a pontuação máxima. É improvável que se tenha tratado só de uma questão de gosto. O que separou o público que votou pelo telefone e os júris nomeados pelos organizadores não terá sido o apreço pela canção, mas a campanha contra Israel: não sei se os júris cederam, mas de certeza que o público quis resistir. Como em tantas votações dos últimos anos, vimos mais uma vez o abismo que actualmente distancia os protagonistas da vida pública, daqueles a quem poderemos chamar as “pessoas comuns”.

É possível ter diversas opiniões sobre a guerra entre Israel e o Irão em Gaza. Os próprios israelitas as têm. Mas como muita gente já percebeu, não é isso que está em causa na campanha contra Israel: não é a estratégia militar israelita, nem as baixas civis árabes, mas a existência de Israel. Ao exigir um cessar-fogo imediato e sem condições (nem sequer a libertação dos reféns israelitas), a campanha exige uma vitória do Irão e do seu braço em Gaza, a seita terrorista Hamas. Ao descrever Israel como um “Estado colonial” e “genocida”, a campanha reduz Israel a uma monstruosidade sem direito a existir. É esse, aliás, o sentido da reivindicação de uma “Palestina do rio até ao mar”, isto é, de uma terra sem a única democracia do Médio Oriente e sem os seus cerca de sete milhões de cidadãos judeus. É isso que os manifestantes, uns conscientemente e outros talvez inconscientemente, pedem nas universidades e na arena da Eurovisão.

O wokismo, de que a campanha contra Israel se tornou um dos rituais obrigatórios, não é só a extrema-esquerda. Mas é fundamentalmente a extrema-esquerda. São os activistas da extrema-esquerda que definem os temas e os métodos da “luta”. Nada, por isso, é aqui novo: a campanha contra Israel recicla apenas o anti-semitismo soviético, que encarava todos os judeus como “sionistas” e Israel como um agente do “imperialismo americano”. Houve quem estranhasse ver os activistas do clima e das “reparações coloniais” passarem a activistas contra Israel, a começar pela inevitável Greta. Mas para estes activistas, os assuntos são irrelevantes em si, e por isso substituíveis uns pelos outros. O objectivo não é dar um Estado aos árabes da Palestina, nem diminuir o consumo de petróleo ou devolver peças dos museus: é atacar o Ocidente “capitalista” e “liberal”, dê por onde der.

O wokismo propõe-se, nos salões burgueses, simplesmente como uma nova “boa educação”, ou até como uma espécie de terapia para os ricos e instruídos purgarem o pecado dos seus “privilégios”. Mas esta receita de “boa consciência” vai servindo sobretudo para viabilizar a manipulação esquerdista de instituições e empresas. Quem tem estatuto no espaço público não parece capaz de lhe resistir. O activismo esquerdista conseguiu, através do movimento woke, impor os seus critérios às autoridades e às celebridades do Ocidente. Essa é uma das lições da Eurovisão. A outra lição é esta: fora desses círculos de cobardia e oportunismo, a história é diferente. A gente anónima, usando os mecanismos democráticos, provou que nem todos se deixam intimidar pelo “bullying” da extrema-esquerda. Portanto, viva a democracia e bem-haja o povo.

FESTIVAL EUROVISÃO DA CANÇÃO    MÚSICA    CULTURA

De 106 COMENTÁRIOS

JP Miranda: Já não vejo o Eurovisao há muitos anos, não vi este certamente e não pretendo ver futuros e muito menos alguma vez peguei no telefone para "votar" uma música. Este ano tive que o fazer, à semelhança presumo de muitos de nós. Foi uma pequena vitória por assim dizer, mas disse muito, diz muito, do que uma GRANDE maioria de nós pensa e acha desta deriva wokista que lentamente vai devorando a nossa sociedade, livre e tolerante, que tanto a tantos custou implementar. Algo de bom saiu deste triste e lamentável episódio da nossa História Ocidental. Afinal ficamos a saber que não somos todos cordeiros, ou zombies, ou simplesmente idiotas ignorantes ou esquerdistas sectários. Haja Esperança. Foi certamente um pequeno gesto, como indivíduos, mas um grande gesto duma Sociedade Livre a preservar.             Eduardo Cunha: Excelente artigo. diz tudo em poucas palavras. Parabéns.                Madalena Magalhães Colaço: Em França, a esquerda de Melanchon veio recentemente dizer que a purga conhecida por Vel d'hiv não existiu. Na madrugada de 16 de julho de 1942, milhares de judeus foram surpreendidos em casa e levados para o velódromo de Inverno de Paris, onde depois seguiram para os campos de concentração. Hoje a esquerda quer negar o que aconteceu nessa terrível madrugada e aliam-se aos imigrantes que odeiam a França e desprezam os seus valores, para aterrorizarem os judeus. Nunca pensei que no século XXI, os judeus em França pudessem estar a viver novamente sob uma ameaça de morte, ao ponto de mudarem os filhos das escolas, retirarem os seus nomes das caixas de correio e de viverem em pânico.                 Paulo Silva: Por falar em existência, ironia do destino, a verdade é que Israel em muito deve a sua existência a Estaline e à ex-URSS, mas a esquerdice militante tem uma memória curta e muito selectiva, (o kibutz é o protótipo ideal do kolkhoz sua cópia grosseira). Somente quando os soviéticos começaram a ver na Liga Árabe um potencial aliado com peso na região, é que os EUA começaram a ficar com o papel de aliado principal de Tel Aviv. É a partir deste momento que a esquerda militante começa a empunhar a bandeira da Palestina de keffiyeh ao pescoço... numa cruzada contra os states e o Ocidente ‘capitalista’ e ‘liberal-conservador’. Caro RR, se se regozija pela ‘gente anónima’, as ‘pessoas comuns’ - o grosso da sociedade civil – que não se deixou levar pela propaganda anti-semita anti-sionista, a actuação dos júris oficiais e o boicote de algumas estações não podem deixar ninguém particularmente descansado. Aqui há uns anos isto não sucederia. Uma plêiade de organizações de fachada afectas à causa ligadas a partidos de esquerda estaria nas ruas a berrar e a empunhar cartazes, como agora, mas as principais instituições do mundo Ocidental teriam outra postura. Podemos achar que tudo se joga no balanço entre as elites e o grosso da sociedade civil… mas também pode acabar numa espécie de revolução vinda de cima. A esquerda infiltrou-se e tomou de assalto as instituições educativas e os meios de difusão de informação e opinião – Universidades, escolas e comunicação social - e assim se foi permitindo à difusão de um novo código moral e a uma série de enviesamentos vertidos na psique das sociedades civil e política, ao longo de décadas. Se o fluxo não desagua directamente nas massas, vai sempre passar pelas elites, os centros de poder e ong’s influentes. Foi ao que assistimos em Malmo. Os judeus são um povo inteligente com uma grande resiliência que lhes permite defenderem-se dos ataques militares e retóricos dos seus inimigos, mas o mundo está a mudar e está perigoso……………….

 

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