quinta-feira, 13 de junho de 2024

On va voir

 

Por aqui, não há perigo, que temos cravos vermelhos em barda para o traçado das tais linhas, sempre acarinhadas, apesar dos ameaços. Mas o que se quereria era mais bom senso. Eu creio no novo governo, embora descreia do anterior, que usa as linhas mesmo contra os que parecem interessados numa reconstrução efectiva, sem demagogia e em democracia com a tal transparência de que se falava dantes. Quanto ao nosso Le Pen, julgo que lhe falta o gabarito daquela, demasiado excitado para merecer tanta linha vermelha assim. Lá pela França é que as consequências da mesma democracia de braços abertos são mais arrasadoras, o que leva a população francesa a não aderir tão eficazmente às linhas vermelhas contra a direita radical.

O fracasso das linhas vermelhas em França

Macron percebeu o óbvio: a estratégia das linhas vermelhas fracassou e só pode ser salva pelo eleitorado francês. Por isso, devolveu a palavra aos eleitores.

JOÃO MARQUES DE ALMEIDA Colunista do Observador

OBSERVADOR13 jun. 2024, 00:173

Se recuarmos ao início deste século, a estratégia das linhas vermelhas contra a direita populista ou radical começou em França. Vale a pena recordar. Sob pressão das esquerdas, o líder das direitas moderadas, Jacques Chirac, impôs as linhas vermelhas à Frente Nacional, ainda liderada por Jean Marie Le Pen. Isso valeu quase 80% dos votos nas presidenciais de 2002, com os socialistas a votarem em Chirac unidos na famosa frente republicana. Os líderes seguintes dos Republicanos, como Sarkozy, continuaram a política das linhas vermelhas. A estratégia da frente republicana foi seguida por todos nas eleições presidenciais e nas eleições legislativas, com os republicanos e os socialistas a apoiarem-se mutuamente nos círculos eleitorais onde um candidato da Frente Nacional fosse à segunda volta. A estratégia parecia funcionar até 2017.

A estratégia das linhas vermelhas começou a fracassar quando a Frente Nacional ultrapassou os Republicanos como o maior partido entre as direitas. Em 2017, Marine Le Pen foi à segunda volta das eleições presidenciais contra Macron, tal como em 2022. A partir do momento em que a Frente Nacional ultrapassou os Republicanos iniciou igualmente um processo de moderação. Atacou muitas das políticas mais radicais de Jean Marie Le Pen, deixou de ser contra a União Europeia e contra o euro, e mudou de nome para Coligação nacional. Nas últimas eleições legislativas, igualmente em 2022, também ultrapassou os Republicanos no parlamento francês.

Agora nas últimas eleições europeias, a Coligação nacional tornou-se no partido mais votado em França, o que levou Macron a dissolver a Assembleia Nacional e a marcar eleições parlamentares antecipadas. Macron percebeu o óbvio: a estratégia das linhas vermelhas fracassou e só pode ser salva pelo eleitorado francês. Por isso, devolveu a palavra aos eleitores. Os franceses vão agora decidir se estão preparados para eleger a Coligação Nacional de Marine Le Pen para o governo ou não.

Macron, obviamente, arriscou. Mas, por vezes, na política, é necessário arriscar. Não há alternativa. Há agora dois cenários. O primeiro será a vitória do partido de Macron. Isso significaria que uma grande maioria dos eleitores franceses pretende manter a Coligação Nacional fora do poder. É o cenário menos provável. O segundo cenário será a vitória da Coligação Nacional. Será muito difícil ganhar com maioria absoluta, mas muito possivelmente ganhará com maioria relativa. Estou convencido que nesse caso, Macron reconhecerá o fim da estratégia das linhas vermelhas e convidará o partido de Le Pen para formar governo.

Mas estou convencido de que Macron impedirá o seu partido de se juntar a todos os outros para derrubar o governo minoritário da Coligação Nacional. Com o fim das linhas vermelhas, só resta integrar a direita populista e radical no sistema político e permitir que governe para ser avaliada pelo eleitorado pelo que faz e não apenas pelo que promete. E a tarefa de um governo do partido de Le Pen será tudo menos fácil: será um governo minoritário, fraco e dependente de Macron.

Macron prefere um governo minoritário da Coligação Nacional a uma aliança entre todos contra Le Pen, a tal frente republicana. Isso abriria as portas do Eliseu a Marine Le Pen em 2027. Macron prefere governar com a Coligação nacional do que deixar Marine Le Pen no seu lugar de Presidente de França.

Macron escolheu, se for necessário, dar responsabilidades políticas à direita populista antes de a deixar ser a força política dominante em França. A direita em Portugal, especialmente aquela que continua a defender as linhas vermelhas em relação ao Chega, deve olhar com muita atenção para França. E tentar, desta vez, aprender alguma coisa, já que não aprendeu nada com Meloni em Itália.

PS: Mesmo sem ganhar, as eleições europeias correram bem ao governo e a Montenegro. A questão decisiva era a seguinte: depois das eleições europeias as hipóteses de eleições no início do próximo ano aumentaram ou diminuíram? Diminuíram, por isso foram boas para o governo. Tem hoje mais hipóteses de governar durante três anos do que tinha antes de domingo passado.

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COMENTÁRIOS

Joao Cadete: A defender outra vez governar com patetas...              Maria Cantista: Em Portugal, as linhas vermelhas cairão quando cair o TRAIDOR da Direita: André Ventura! Arranjem outro líder e logo se vê 😂     Fernando Cascais: Caro João Almeida, é melhor esperar sentado. Portugal é um país relativamente pequeno que só tem 10 milhões de habitantes. Se votarem 5 milhões já é muito bom. Nas últimas legislativas o PS e a AD tiveram 1,8 milhões de votos cada um. O Chega arrebatou quase 1,2 milhões de votos. Votaram desta vez cerca de 6,5 milhões de eleitores.

 

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