sábado, 29 de junho de 2024

Ao que se chegou!

 

Centrismos na casa própria, como obstáculo aos “centrismos” da casa alheia invasora, que parecem ser do agrado das esquerdas extremistas, conquanto do desagrado das direitas saudosistas da sua velha pátria livre. Mas o conceito de “liberdade” está demasiado elástico, nunca se sabe onde se vai parar. Uma excelente análise de RUI RAMOS destes novos tempos franceses, com paralelos inferidos de outros sítios mundanais, como este nosso, que se estranha ainda, sem sabermos se irá entranhar-se, tantas parecem ser as similaridades com o caso francês, que alguns comentadores bem traduzem…

O estranho caso dos centristas suicidas

Hoje, são os “centristas” como Emmanuel Macron que mais contribuem para a tensão e a instabilidade política na Europa.

RUI RAMOS Colunista do Observador

OBSERVADOR, 28 jun. 2024, 13:0432

Nas eleições europeias em França, o partido de Marine Le Pen ficou à frente. Era o que toda a gente esperava. O que ninguém esperava foi o que aconteceu a seguir, nessa mesma noite eleitoral: o presidente da república, Emmanuel Macron, dissolveu imediatamente a Assembleia Nacional. Ou melhor: começou por dissolver a Assembleia Nacional. Porque ainda ninguém sabe se, com o truque de precipitar legislativas, não dissolveu também o regime político francês e mais alguma coisa na Europa. Macron dirige a governação em França há sete anos. Afundou o país em dívidas e em desorientação. Resta-lhe agora, como último recurso, assustar os franceses com uma escolha desesperada entre o seu “centro”, e os “extremos” de Le Pen à direita, e de Jean-Luc Mélenchon à esquerda. Os franceses detestam-no? Pois terão de optar: ou ele, ou a “guerra civil.

Para se salvar, Macron não se lembrou de melhor do que arrastar o país até à beira do abismo, e gritar-lhe: “vá, atreve-te a saltar”. Mas não é o primeiro governante europeu a recorrer a tais encenações. Em 2016, foi o primeiro-ministro britânico, David Cameron. Também Cameron andava atormentado com a progressão eleitoral de um rival, Nigel Farage, líder do eurocéptico UKIP, que venceu as eleições europeias no Reino Unido em 2014. Também Cameron julgou que se livraria da concorrência confrontando o país com uma escolha que lhe pareceu impensável: a saída da União Europeia. Quem ousaria ir, sem mapa, por caminho tão desconhecido? Acontece que os britânicos fizeram mesmo o impensável: votaram pelo Brexit. Depois do referendo, Cameron demitiu-se. O feitiço consumiu o feiticeiro.

Terá Macron mais sorte? Não importa agora adivinhar o fim do jogo em França. Importa, antes, perceber o que há aqui de comum. Tal como Macron, Cameron fez muita questão de exibir a sua juventude quando se tornou líder do Partido Conservador em 2005. Tal como Macron, Cameron quis libertar-se da tradição partidária, e oferecer-se, não como um dos dois lados de um sistema político bipolar, mas como um “centro” imaculado, rodeado da sujidade dos “extremos” (em 2016, Farage, à direita, e Jeremy Corbyn, o líder trabalhista, à esquerda). Tal como Macron, Cameron fez o seu “centro” assentar em duas coisas: o culto perdulário de um Estado grande, para clientelizar o voto da maioria idosa da população; e a adopção pirosa das causas a que hoje chamaríamos “woke”, de modo a obter a complacência da esquerda mediática e universitária. Com este exercício de demagogia e oportunismo, julgou-se imbatível para sempre.

Nunca ocorreu a Cameron que os eleitores pudessem chegar a um ponto em que aquilo que ele lhes mostrava como um precipício lhes parecesse a eles uma porta de saída. Há uma mistura perigosa de cinismo e falta de imaginação neste “centrismo”. Macron e Cameron pretendem substituir a dicotomia direita-esquerda, pelo maniqueísmo do centro vs. extremos. O objectivo é óbvio: demonizar como “extremistas” todas as alternativas ao seu poder. A alternância no governo passa assim a ser inconcebível: ou eles, ou os bárbaros; ou eles, ou o fim do mundo. E esperam, naturalmente, que ninguém prefira o fim do mundo. Daí, o paradoxo: porque acham que a razão e o bom senso estão exclusivamente do seu lado, não hesitam, quando aflitos, em sujeitar os países às mais radicais experiências de roleta russa. Eis como este “centrismo” suicida, pretensamente moderado, se tornou uma fonte de tensão e instabilidade na Europa.

Macron e Cameron assustam os salões com a “ameaça dos extremistas”. Talvez fosse de reflectirmos também na “ameaça dos centristas”, sempre prontos a fazer explodir o mundo para salvarem as suas vaidades e interesses.

FRANÇA     EUROPA     MUNDO

COMENTÁRIOS (de 32)

Carlos Chaves: Pois é caro Rui Ramos, com as devidas distâncias e sem (aparentemente) eleições à porta, se substituir Macron e/ou Cameron por Luís Montenegro a sua análise assenta que nem uma luva à nossa situação actual!                                   Joao Cadete: Belo artigo.                     José Pedro Novais: Dois textos em vez de um são uma bênção!                  Maria Tubucci: A ameaça dos centristas é a mais perigosa, Dr. RR. Para estarem de bem com Deus e com o Diabo simultaneamente, querem os votos dos moderados, mas quando chegam ao poder adoptam as causas da esquerda, agradando à esquerda que não votou neles e lixando quem neles votou. Estes traidores contribuíram para a implantação da ideologia woke, para a imigração descontrolada e para o ensino sem mérito, só pela inclusão e equidade. E quem alerta, que estes factos que podem destruir o futuro da próxima geração, leva com o rótulo de extrema-direita. Depois admiram-se do CH, ou outro ainda pior, é que as pessoas sensatas estão cansadas de traidores, entre a espada e a parede escolhem a espada e o caos...                Rui Lima: A França já não tem salvação nem futuro, hoje há uma guerra civil de baixa intensidade que irá acabar numa confrontação bem quente. Em França há 2 civilizações que se confrontam, uma sente que tem direitos por questões históricas já lá estava, a que veio do exterior sente que tem todos os direitos vendo a legislação criada em França na Europa ou na ONU tudo o que não respeite os seus desejos é racismo aos olhos da lei, por isso sente que está a ser oprimida pelos antigos colonizadores, todos os dias chegam milhares de reforços para o exercito invasor por isso acredito que serão os vencedores deste conflito de civilizações .                João Floriano: Na prática os franceses estão a ser convidados a escolher entre dois abismos: o demonizado por Macron sob a forma de Marine Le Pen (não acredito que Mélenchon ganhe as eleições em França) e o abismo que ele próprio tem criado com os seus governos. Se preferirmos, podemos substituir a imagem dos abismos por becos sem saída. O beco de Macron já mostrou à saciedade que não tem saída e que só tem vindo a afunilar. Já com Marine Le Pen e Rassemblement National pode haver uma via de fuga. O caso italiano é um exemplo para toda a Europa. Meloni está a sair-se muito bem. Curioso como pensamos imediatamente em Le Pen quando falamos de Rassemblement National. O presidente é agora o jovem Bardella. Por cá passa-se o mesmo com o PS, sempre associado a António Costa e agora mais do que nunca. Pedro Nuno Santos não consegue impor a sua marca. O caso português não difere muito do caso francês ou britânico. Também aqui o centro procura desesperadamente agarrar-se ao poder. Também aqui trata a pão de ló a extrema esquerda que ainda se aguenta porque esta tem um peso fundamental na CS e na propaganda. Não se trata de aplicar novas formas de Censura como muitos democratas da boca para fora apregoam, mas de ter as mesmas oportunidades de desmistificar as narrativas de esquerda que tanto agradam à CS. Mas é vê-los a retorcerem-se como rabos de lagartixa quando se sentem atacados. Esta semana o Observador está a ser palco dos ataques woke ao historiador João Pedro Marques. E não vamos ficar por aqui.               O Serrano > Maria Tubucci: Muito bem, acho que tem toda a razão. Se nos lembrarmos da primeira eleição de Marcelo Rebelo de Sousa sabemos que quem o elegeu foi o centro-direita e depois andou com a geringonça e António Costa ao colo de uma maneira escandalosa, chocante. Portugal desde o 25 de Abril foi sempre governado à esquerda, porque após os primeiros governos o PSD depois de eleito era muito esquerdista, excepto na Troika em que o primeiro ministro era um político de invulgar capacidade, um líder nato - Passos Coelho, ainda hoje idolatrado e desejado por muita gente.                   Carminda Damiao: Excelente artigo. Que os franceses deixem de ter medo do "papão" que a esquerda criou.               Joaquim Almeida > Carlos Chaves: Se o Monte Rosa e seus próximos não fossem uns parolos, já saberiam há muito que essa politiquice do PSF-Miterrand e do PS-Costa de assustar com extremismos de direita estava a dinamitar o "centro" em França. Começando pelo centro-direita, evidentemente - RPR, UDF, Bayrou, etc. - enquanto a chaga islâmica alastra, com criminalidade e "terras de ninguém", bem piores que a Cova da Moura, Bela Vista.

 

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