Também se diz que o futebol – e quem diz futebol inclui outras práticas desportivas - revela que o orgulho pátrio ainda se mantém e perdurará, com o Hino Nacional, que nas escolas se não ensina - juntamente com outros feitos passados, que também se omitem, ou até condenam, sobretudo os das glórias - mas que no desporto se pratica ainda, para o caso das medalhas, e isso é belo e enche-nos de santo orgulho pátrio. Quanto a Mário Soares, ele era, de facto, muito amigo de dizer coisas. De as cometer também, entre as quais se incluiu o apagão pátrio parcial, nos seus começos, cheios de chamas… Não por culpa sua só, que aprendeu a apagar com quem mais sabia, lá de fora e cá de dentro, mas de facto não sentiu nenhuma dor com isso de contribuir para o desmantelamento da “superfície” da nação, pois que o “fundo” ele o manteve, que lhe deu oportunidades de viajar pelas outras nações do mundo, embora com fundos de empréstimos, que os seus cargos governativos possibilitaram. Sim, porque a nação, mesmo sem fundos, lhe proporcionou cargos, por superficiais ou desprezíveis que fossem, nesta coisa dos relativismos que nos tornam assim, cépticos, cepticismo de certo modo também praticado por Patrícia Fernandes e os autores em que se funda, mas com simpáticas reservas da Professora Universitária, para um não total seguimento dessas suas sagazes fontes de inspiração.
O fundo da nação
É difícil definir nação, sentimento de
nacionalidade ou identidade nacional. Mas ao vermos os nossos emigrantes lá
fora, a emoção de receber um simples autocarro, acedemos ao que é saber-se
português.
PATRÍCIA FERNANDES Professora na Escola
de Economia e Gestão da Universidade do Minho
OBSERVADOR, 17 jun. 2024, 00:2014
Em 2006, o intelectual francês Pierre Manent publicou um pequeno ensaio intitulado A Razão das
Nações: reflexões sobre a democracia na
Europa, motivado pela “perceção quase dolorosa de um fenómeno [que]
escapa cada vez mais à consciência comum, ao mesmo tempo que mais se
intensifica de dia para dia”. E que fenómeno é esse?
“[O] apagamento, talvez o desmantelamento, da forma política que, desde há tantos
séculos, abrigou os progressos do homem europeu, a saber, a nação.”
Como estamos no domínio das ideias, o
argumento de Manent é teórico: terá
sido por efeito da democracia que se começou a questionar, na Europa, as
condições de possibilidade da própria democracia: o estado soberano e a nação,
o mesmo é dizer, o estado-nação. As consequências desse questionamento são,
para quem se debruça sobre a história das ideias, dramáticas. Afinal, “O
Estado-nação foi para a Europa moderna o que a cidade foi para a Grécia antiga:
aquilo que produziu a unidade e, portanto, o quadro de sentido, da vida,
produzindo a coisa comum.”
Trata-se, sublinhemos, do paradoxo
máximo: aquilo que garantiu a democracia moderna – o
estado-nação – era agora entendido, em nome da própria democracia, como o último
obstáculo a derrubar, e de acordo com uma narrativa que fazia esquecer
que não pode haver kratos do demos
sem kratos nem demos.
Quando Manent publicou as suas reflexões
estava, como todos os bons intelectuais, a intuir algo que ainda não era
evidente para a consciência comum, como ele próprio diz. E não deixa de ser surpreendente que, em
menos de vinte anos, essa intuição tenha assumido uma forma tão clara. Falar
hoje em identidade nacional parece constituir um sacrilégio capital. Como se a convicção de que as comunidades se organizam
em torno de uma história, língua e sentido comuns fosse inconcebível. Como se
a ideia de acreditar que ser português é mais do que diligenciar que um
formulário burocrático fosse imoral. Como se essa coisa a que chamam
democracia pudesse existir
sem um sentido de projecto colectivo, interesses partilhados, um terreno comum de que necessariamente
partimos para podermos discordar.
Utilizemos as duas palavras a que Manent
recorre: apagamento e desmantelamento. Na Europa, o desmantelamento tem acontecido, fundamentalmente, pelas mãos
da União Europeia e a sua
sede crescente de tudo ocupar – em
clara violação não só daquele que foi um dos seus princípios
fundadores, o da subsidiariedade, como também do seu lema, In varietate concordia. Naturalmente, eventos específicos
propiciaram essa evolução: tanto a crise financeira convertida em crise das dívidas soberanas,
como as crises ambiental, pandémica e militar garantiram razões (ou desculpas) para a UE
expandir o seu poder – o que se
traduz numa deslocação das decisões para centros de poder cada vez mais
distantes da responsabilização democrática. Aos olhos da
história, a UE parece-se cada vez mais
com o império romano, não só na sua essência jurídico-burocratizante, mas
também na ânsia de alargar continuamente
as suas fronteiras, quanto mais não seja para garantir a pax romana. Mas a última coisa que podemos
dizer do grande império é que foi democrático e todos sabemos como acabou.
Já o apagamento tem sido levado a cabo por uma ideologia globalista
que pretende dissolver todas as fronteiras e diferenças. É esta dimensão, mais insidiosa, que se
tem manifestado crescentemente entre nós. É ela que tenta
condicionar o modo como discutimos decisões políticas e faz cair o ultraje
político sobre todos os que ousam pôr em causa os seus dogmas, misturando tudo
no caldo da xenofobia, racismo e ideias de direita radical. É ela que leva a que,
até no dia em que celebramos a nossa nação, essa nação que é tão antiga que abre os olhos de espanto quando ouve
dizer que outros países mudaram de nome, se receie dizer que o 10 de
junho é dos portugueses. Caminhamos
para os 900 anos de história, e esse é o nosso grande legado, como diriam Mário
Soares e Eduardo Lourenço: convém não o apagar.
Mas reconheçamos: é difícil definir
nação, sentimento de nacionalidade ou identidade nacional. Não passa certamente por um formulário
burocrático, um domínio básico da língua ou uma permanência no território por
um dado período, o que esvaziaria o sentido de cidadania e pertença. Também não passa pelo domínio da história
ou dos mitos da nação, critério que excluiria muitos que se consideram
patriotas. Também não passa
certamente por dizer que somos os melhores do mundo, uma banalidade
inconsequente. É possível que
alguns se tornem portugueses, e há portugueses que não têm amor ao país.
De facto, o trabalho conceptual da
filosofia revela-se infrutífero e a ciência política ajuda muito pouco.
Mas quando vemos as imagens dos nossos emigrantes lá fora, tomados de emoção
por receber um simples autocarro com jogadores de futebol, acedemos, por breves
instantes, ao que é saber-se português.
FILOSOFIA
POLÍTICA POLÍTICA SELECÇÃO
NACIONAL DESPORTO
COMENTÁRIOS (de 19)
Rui Lima: A nação foi fundamental no passado para o fim dos
conflitos internos e para o progresso, em tempo de crise o estado nação tem
mais armas para ultrapassar os problemas, mas os estados nações estão a ser
destruídos a bom ritmo hoje a França não mais é um estado nação, voltarei a
França. Eu sou português mas Portugal já não é meu porque ao ser de todos passa
a ser de ninguém, fui militar jurei dar a vida pelo país com convicção, mas
hoje não daria um euro pelo país. Mesmo
as selecções todos lá podem jogar são multinacionais , sinto que estamos num
“bordel” para tudo e todos, há uma traição para quem deu a vida pelo país,
todos os que morrerem na defesa das suas pátrias na Europa estão a morrer
novamente, quem irá um dia defender as nações europeias se houver dinheiro
serão os mercenários , os novos nacionais que vejo em França não têm o mínimo
amor ao país, mas têm é vontade de o queimar. A França devia merecer análise
cuidada, o que faço desde há algum tempo, desde que acreditei que o país irá
rebentar com a Europa, a França tem todas as doenças da queda de produtividade
aos défices internos e externos, a dívida não pára de aumentar, insegurança,
conflitualidade … Porque depois de de Gaulle ninguém fez uma reforma ? Porque
todos tiveram medo nos últimos 20 anos em reformar o país e o deixaram bater no
muro? Para reformar um país tem de ter um povo a França hoje tem 2 povos em
nada iguais que vivem de costas voltadas e se odeiam, o drama vai ser quando
estiverem face a face , cada um pensa que o sacrifício necessário será em seu
prejuízo e porque salvar um país que os franceses de origem pensam que vai ser
de estranhos? Ronin: Não falou no conceito de Pátria que se liga à Nação. A UE de que fala é a que está com von der Leyen e a
Comissão e outros órgãos não eleitos. Esta
gente quer controlar os Estados-Nação, pior, quer acabar com eles, através de
grupos formados pela Comissão e Conselho Europeu, um enorme exército de
parasitas nas estruturas superiores como a Comissão e o Conselho Europeu e nos
órgãos intermédios, de onde saíram alguns PM hoje contestados como Tusk na
Polónia. Não dá mais
para esconder estas traições e estas políticas, muito semelhante ao que se
passa hoje nos USA, fronteiras abertas, mau controlo da moeda e da energia,
caso miserável da Alemanha com, por exemplo, o encerramento das centrais
nucleares e a ver vamos encerramento das siderurgias entregando à RPC toda a
indústria, "know how" e tecnologias. José: Artigo oportuníssimo no tempo, no tema, no contexto. É
um exercício de clarividência, merecia reflexão da parte dos opinion makers que
polulam pela tv e afins. É o povo a mostrar aos engenheiros sociais e aos
simples "doutores da mula russa" que a engenharia é contra-natura.
Mas é preciso coragem e despojamento, para abordar este artigo com honestidade
e ser-se consequente. Depois façam cercas, façam... Aliás, a cerca é um
conceito curioso: pretende com ela, o pastor ou responsável pelos seres da
quinta, ao fechá-los nela, preservar das ameaças a sua existência. O conceito
em modo invertido, a sanitária, nunca funcionou, curiosamente. Os
epidemiologistas confirmam-no. Quando derem pela coisa, poderão ser os únicos
fora da cerca, à mercê dos lobos. Estamos suavemente a entrar na utopia
d"A Quinta dos Animais" - Orwell, em que somos todos iguais mas há
uns que sabem mais e que nos guiam. Vale a pena revisitar esta fábula. A grande
casa é a actual Bruxelas. Assusta. José
Carvalho: Os
emigrantes não sofrem crises de "apagamento" da nação: não têm
dúvidas do que é a nação nem de que a ela pertencem. E isso é porque lhes falta a nação, que está longe. É
como a saúde: só quando a perdemos a identificamos e a desejamos intensamente. E os que não emigrámos, que podemos fazer? Desprezarmos
o esquerdismo e o wokismo que nos rotulam de "extrema-direita" apenas
por sermos pela nação.
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