terça-feira, 18 de junho de 2024

Para além disso


Também se diz que o futebol – e quem diz futebol inclui outras práticas desportivas - revela que o orgulho pátrio ainda se mantém e perdurará, com o Hino Nacional, que nas escolas se não ensina - juntamente com outros feitos passados, que também se omitem, ou até condenam, sobretudo os das glórias - mas que no desporto se pratica ainda, para o caso das medalhas, e isso é belo e enche-nos de santo orgulho pátrio. Quanto a Mário Soares, ele era, de facto, muito amigo de dizer coisas. De as cometer também, entre as quais se incluiu o apagão pátrio parcial, nos seus começos, cheios de chamas… Não por culpa sua só, que aprendeu a apagar com quem mais sabia, lá de fora e cá de dentro, mas de facto não sentiu nenhuma dor com isso de contribuir para o desmantelamento da “superfície” da nação, pois que o “fundo” ele o manteve, que lhe deu oportunidades de viajar pelas outras nações do mundo, embora com fundos de empréstimos, que os seus cargos governativos possibilitaram. Sim, porque a nação, mesmo sem fundos, lhe proporcionou cargos, por superficiais ou desprezíveis que fossem, nesta coisa dos relativismos que nos tornam assim, cépticos, cepticismo de certo modo também praticado por Patrícia Fernandes e os autores em que se funda, mas com simpáticas reservas da Professora Universitária, para um não total seguimento dessas suas sagazes fontes de inspiração.

O fundo da nação

É difícil definir nação, sentimento de nacionalidade ou identidade nacional. Mas ao vermos os nossos emigrantes lá fora, a emoção de receber um simples autocarro, acedemos ao que é saber-se português.

PATRÍCIA FERNANDES Professora na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho

OBSERVADOR, 17 jun. 2024, 00:2014

Em 2006, o intelectual francês Pierre Manent publicou um pequeno ensaio intitulado A Razão das Nações: reflexões sobre a democracia na Europa, motivado pela “perceção quase dolorosa de um fenómeno [que] escapa cada vez mais à consciência comum, ao mesmo tempo que mais se intensifica de dia para dia”. E que fenómeno é esse?

“[O] apagamento, talvez o desmantelamento, da forma política que, desde há tantos séculos, abrigou os progressos do homem europeu, a saber, a nação.”

Como estamos no domínio das ideias, o argumento de Manent é teórico: terá sido por efeito da democracia que se começou a questionar, na Europa, as condições de possibilidade da própria democracia: o estado soberano e a nação, o mesmo é dizer, o estado-nação. As consequências desse questionamento são, para quem se debruça sobre a história das ideias, dramáticas. Afinal, “O Estado-nação foi para a Europa moderna o que a cidade foi para a Grécia antiga: aquilo que produziu a unidade e, portanto, o quadro de sentido, da vida, produzindo a coisa comum.”

Trata-se, sublinhemos, do paradoxo máximo: aquilo que garantiu a democracia moderna – o estado-nação – era agora entendido, em nome da própria democracia, como o último obstáculo a derrubar, e de acordo com uma narrativa que fazia esquecer que não pode haver kratos do demos sem kratos nem demos.

Quando Manent publicou as suas reflexões estava, como todos os bons intelectuais, a intuir algo que ainda não era evidente para a consciência comum, como ele próprio diz. E não deixa de ser surpreendente que, em menos de vinte anos, essa intuição tenha assumido uma forma tão clara. Falar hoje em identidade nacional parece constituir um sacrilégio capital. Como se a convicção de que as comunidades se organizam em torno de uma história, língua e sentido comuns fosse inconcebível. Como se a ideia de acreditar que ser português é mais do que diligenciar que um formulário burocrático fosse imoral. Como se essa coisa a que chamam democracia pudesse existir sem um sentido de projecto colectivo, interesses partilhados, um terreno comum de que necessariamente partimos para podermos discordar.

Utilizemos as duas palavras a que Manent recorre: apagamento e desmantelamento. Na Europa, o desmantelamento tem acontecido, fundamentalmente, pelas mãos da União Europeia e a sua sede crescente de tudo ocupar – em clara violação não só daquele que foi um dos seus princípios fundadores, o da subsidiariedade, como também do seu lema, In varietate concordia. Naturalmente, eventos específicos propiciaram essa evolução: tanto a crise financeira convertida em crise das dívidas soberanas, como as crises ambiental, pandémica e militar garantiram razões (ou desculpas) para a UE expandir o seu podero que se traduz numa deslocação das decisões para centros de poder cada vez mais distantes da responsabilização democrática. Aos olhos da história, a UE parece-se cada vez mais com o império romano, não só na sua essência jurídico-burocratizante, mas também na ânsia de alargar continuamente as suas fronteiras, quanto mais não seja para garantir a pax romana. Mas a última coisa que podemos dizer do grande império é que foi democrático e todos sabemos como acabou.

Já o apagamento tem sido levado a cabo por uma ideologia globalista que pretende dissolver todas as fronteiras e diferenças. É esta dimensão, mais insidiosa, que se tem manifestado crescentemente entre nós. É ela que tenta condicionar o modo como discutimos decisões políticas e faz cair o ultraje político sobre todos os que ousam pôr em causa os seus dogmas, misturando tudo no caldo da xenofobia, racismo e ideias de direita radical. É ela que leva a que, até no dia em que celebramos a nossa nação, essa nação que é tão antiga que abre os olhos de espanto quando ouve dizer que outros países mudaram de nome, se receie dizer que o 10 de junho é dos portugueses. Caminhamos para os 900 anos de história, e esse é o nosso grande legado, como diriam Mário Soares e Eduardo Lourenço: convém não o apagar.

Mas reconheçamos: é difícil definir nação, sentimento de nacionalidade ou identidade nacional. Não passa certamente por um formulário burocrático, um domínio básico da língua ou uma permanência no território por um dado período, o que esvaziaria o sentido de cidadania e pertença. Também não passa pelo domínio da história ou dos mitos da nação, critério que excluiria muitos que se consideram patriotas. Também não passa certamente por dizer que somos os melhores do mundo, uma banalidade inconsequente. É possível que alguns se tornem portugueses, e há portugueses que não têm amor ao país. De facto, o trabalho conceptual da filosofia revela-se infrutífero e a ciência política ajuda muito pouco. Mas quando vemos as imagens dos nossos emigrantes lá fora, tomados de emoção por receber um simples autocarro com jogadores de futebol, acedemos, por breves instantes, ao que é saber-se português.

FILOSOFIA POLÍTICA    POLÍTICA    SELECÇÃO NACIONAL    DESPORTO

COMENTÁRIOS (de 19)

Rui Lima: A nação foi fundamental no passado para o fim dos conflitos internos e para o progresso, em tempo de crise o estado nação tem mais armas para ultrapassar os problemas, mas os estados nações estão a ser destruídos a bom ritmo hoje a França não mais é um estado nação, voltarei a França. Eu sou português mas Portugal já não é meu porque ao ser de todos passa a ser de ninguém, fui militar jurei dar a vida pelo país com convicção, mas hoje não daria um euro pelo país.  Mesmo as selecções todos lá podem jogar são multinacionais , sinto que estamos num “bordel” para tudo e todos, há uma traição para quem deu a vida pelo país, todos os que morrerem na defesa das suas pátrias na Europa estão a morrer novamente, quem irá um dia defender as nações europeias se houver dinheiro serão os mercenários , os novos nacionais que vejo em França não têm o mínimo amor ao país, mas têm é vontade de o queimar. A França devia merecer análise cuidada, o que faço desde há algum tempo, desde que acreditei que o país irá rebentar com a Europa, a França tem todas as doenças da queda de produtividade aos défices internos e externos, a dívida não pára de aumentar, insegurança, conflitualidade … Porque depois de de Gaulle ninguém fez uma reforma ? Porque todos tiveram medo nos últimos 20 anos em reformar o país e o deixaram bater no muro? Para reformar um país tem de ter um povo a França hoje tem 2 povos em nada iguais que vivem de costas voltadas e se odeiam, o drama vai ser quando estiverem face a face , cada um pensa que o sacrifício necessário será em seu prejuízo e porque salvar um país que os franceses de origem pensam que vai ser de estranhos?                Ronin: Não falou no conceito de Pátria que se liga à Nação. A UE de que fala é a que está com von der Leyen e a Comissão e outros órgãos não eleitos. Esta gente quer controlar os Estados-Nação, pior, quer acabar com eles, através de grupos formados pela Comissão e Conselho Europeu, um enorme exército de parasitas nas estruturas superiores como a Comissão e o Conselho Europeu e nos órgãos intermédios, de onde saíram alguns PM hoje contestados como Tusk na Polónia. Não dá mais para esconder estas traições e estas políticas, muito semelhante ao que se passa hoje nos USA, fronteiras abertas, mau controlo da moeda e da energia, caso miserável da Alemanha com, por exemplo, o encerramento das centrais nucleares e a ver vamos encerramento das siderurgias entregando à RPC toda a indústria, "know how" e tecnologias.                       José: Artigo oportuníssimo no tempo, no tema, no contexto. É um exercício de clarividência, merecia reflexão da parte dos opinion makers que polulam pela tv e afins. É o povo a mostrar aos engenheiros sociais e aos simples "doutores da mula russa" que a engenharia é contra-natura. Mas é preciso coragem e despojamento, para abordar este artigo com honestidade e ser-se consequente. Depois façam cercas, façam... Aliás, a cerca é um conceito curioso: pretende com ela, o pastor ou responsável pelos seres da quinta, ao fechá-los nela, preservar das ameaças a sua existência. O conceito em modo invertido, a sanitária, nunca funcionou, curiosamente. Os epidemiologistas confirmam-no. Quando derem pela coisa, poderão ser os únicos fora da cerca, à mercê dos lobos. Estamos suavemente a entrar na utopia d"A Quinta dos Animais" - Orwell, em que somos todos iguais mas há uns que sabem mais e que nos guiam. Vale a pena revisitar esta fábula. A grande casa é a actual Bruxelas. Assusta.                    José Carvalho: Os emigrantes não sofrem crises de "apagamento" da nação: não têm dúvidas do que é a nação nem de que a ela pertencem. E isso é porque lhes falta a nação, que está longe. É como a saúde: só quando a perdemos a identificamos e a desejamos intensamente. E os que não emigrámos, que podemos fazer? Desprezarmos o esquerdismo e o wokismo que nos rotulam de "extrema-direita" apenas por sermos pela nação.

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