E lutou por isso, é o suficiente.
Mas o que eu invejo mesmo são os “95% dos 32.100 euros brutos e mensais” da sua
reforma. Quem me dera!
O homem que tem quase o prestígio de Charles
Michel
Não é à toa que muitos juram estarmos
perante o homem certo no lugar certo, e que ninguém, ninguém, ninguém possui
habilitações sequer comparáveis.
ALBERTO GONÇALVES Colunista do
Observador
OBSERVADOR, 29 jun. 2024, 00:203
Quantos portugueses sabem quem é Charles Michel? Talvez
cinco por cento, auxiliados pelas notícias dos últimos dias. Antes disso,
talvez nem um por cento. Charles
Michel, antigo
primeiro-ministro da Bélgica, é, ainda, o presidente do Conselho Europeu, cargo
que desempenha desde 2019 sem que a vastíssima maioria dos meus compatriotas
(e, suponho, dos europeus em geral) desse por isso. A
propósito: quantos portugueses sabiam há dois ou três meses que existe uma
instituição chamada Conselho Europeu? Não
arrisco um número para não ser acusado de optimismo. De qualquer modo, é para semelhante
glória que agora desponta o dr. Costa.
Quem
segue os “media” caseiros não ficaria com essa impressão. As festividades em
volta da nomeação chegam a tais excessos que um distraído julgará que o dr.
Costa foi nomeado para um cargo mais notório que o de Papa. E não para o cargo até aqui desempenhado
pelo celebérrimo Carlos Miguel. Aliás, a celebridade do sr. Michel, superior à
de uma estrela televisiva búlgara, deve-se inteirinha aos esforços do próprio
em sair da obscuridade a que o cargo – além da intrínseca mediocridade, pelos
vistos – o condenou. Na imprensa internacional, quase não há artigo sobre o
tema que não denuncie os vãos esforços do sr. Michel para sair da sombra da
senhora dona Ursula, e os esforços bem sucedidos para cair no ridículo. Um
diplomata definiu-o como alguém “com ambição bastante maior que o talento”.
Alguns artigos em particular notam que
as limitações do cargo começam logo na designação. Aparentemente, o presidente
do Conselho Europeu não é exactamente um presidente, excepto na generosidade
com que os franceses (e os portugueses) tratam o termo. Ao contrário do que o chinfrim patriótico sugere, o emprego consiste
em receber com sorrisos os chefes de Estado ou de governo dos estados membros,
cada um ao serviço da respectiva “agenda” e todos juntos num órgão que, para
citar uma crítica, “é disfuncional e irresponsável”.
As funções oficiais do Conselho, que sai
à luz do dia duas vezes por semestre, estão no Tratado da União Europeia: “dá à União os impulsos necessários ao seu
desenvolvimento e define as orientações e prioridades políticas gerais da União”
(desculpem, mas não sou o autor disto). Já
as funções do presidente do Conselho não só estão no tratado como são um
tratado em si. Gosto
sobretudo da a) (“Preside aos trabalhos do Conselho Europeu e dinamiza esses
trabalhos”) e da c) (“Actua no sentido de facilitar a coesão e o consenso…”).
As funções b) e d) excedem-se em irrelevância. Parece que, além dos sorrisos, o dr.
Costa terá de assegurar o “catering” e iniciar inúmeras frases com “‘Vamo’ lá
ver…” Não é à toa que muitos juram estarmos perante o homem certo no lugar
certo, e que ninguém, ninguém, ninguém possui habilitações sequer comparáveis.
E o extraordinário é serem poucos a rir enquanto afirmam maravilhas assim.
“Vamo” lá ver… Primeiro ponto: o que
explica que, de repente, imensa gente “saiba” que o dr. Costa é o presidente do
Conselho ideal? Os “especialistas” avaliaram com minúcia o currículo e o
carácter das restantes possibilidades faladas nos meses recentes? Houve um
concurso de talentos que me escapou? Segundo ponto: mesmo que o dr. Costa
fosse o portento político vendido pela nossa paroquial propaganda, há o
obstáculo das línguas, visto que são várias as faladas no Conselho e o dr.
Costa não domina nenhuma. Acontece que o dr. Costa obviamente não é o portento
político vendido pela nossa paroquial propaganda. Por pudor, e vergonha na cara, nem comento as referências à
“competência”, à “experiência” e ao “peso político”. No que toca à “construção de pontes”, a
única que se lhe conhece é uma empreitada de 2015, que ligou o PS à
extrema-esquerda e separou o partido dos combates de Mário Soares e, com
curiosa frequência, do arco democrático. No que diz respeito a
reformas, consta somente a dele, a qual será de 95% dos 32.100 euros brutos e
mensais.
O facto é que, apesar das naturais
bazófias do PS e de um “nacionalismo” deprimente que transcende o PS, a
nomeação do dr. Costa tem uma importância idêntica à conquista de um campeonato
internacional de pelota basca. O dr. Costa, outro com a ambição maior que o
talento, vai substituir o sr. Michel apenas porque os arranjos que
reconduziram a senhora dona Ursula exigiam que se compensasse um socialista, de
preferência um socialista de uma nação periférica. Quanto aos arranjos que, por cá, permitiram ao dr. Costa livrar-se
do país que ajudou a destroçar a tempo de ficar “disponível” para a “Europa”,
esses são a única coisa interessante nesta história.
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COMENTÁRIOS (de 11)
F. Mendes: Bom artigo. Mas, o AG deveria
ter focado um ponto importante: esta migração oportunista para a
"Óropa", foi, ou não, orquestrada entre o Costa, o Marcelo e a Gago?
Lembro que, em 2022, e com maioria absoluta, o Costa Concórdia jurou a pés
juntos que terminaria o mandato; e que, logo no discurso de posse! o Marcelo
prometeu dissolver a AR e convocar eleições se o Costa zarpasse; e, depois, há
ainda o tal parágrafo da Gago, que outra consequência não poderia ter senão o
abandono, em vestes rasgadas, de um personagem impoluto - embora sob suspeita,
imagine-se - como o nosso ex-PM. São, a meu ver, coincidências a mais, o que
parece confirmar que estamos entregues a gentalha sem escrúpulos, princípios,
ou temor de serem chamados à responsabilidade. Como única vantagem disto,
teremos o Costa longe daqui, e a fazer-nos rir quando falar Ingoês (Inglês
palrado por um goês, travestido de Português). Vai ser giro comparar com o
portugoês (isso mesmo) do homúnculo. Já que pagamos o salário pornográfico do
Costa (faltam-me palavras para qualificar a pensão), podemos todos rir um
pouco; ou muito, embora amargamente. Antonio Serrano:
Muito bom a fazer pensar e
sorrir! Aquele último período é veneno puro. Já pensei várias vezes na
coincidência matemática, só que não me atrevi a escrevê-lo… mas que há bruxas…
há!
Miguel D: Haveria vários motivos para comentar a crónica desta
semana - com a qual, aliás, genericamente concordo - mas não posso deixar de
prestar a minha homenagem à citação desse antigo desporto olímpico: a Pelota
Basca. É um honesto esforço pela mediatização e sobrevivência da modalidade. J. D.L.: Mas quem é melhor estadista, o
dr. Costa ou o Samora Machel? Eduardo Cunha: Excelente crónica. ta tudo dito.
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